Estes são tempos extraordinários para o mais internacional dos atores portugueses. Aos 59 anos, vive entre solicitações para televisão e cinema em Hollywood. Enquanto filma a série A Rainha do Sul, em Dallas, nos EUA, lamenta não ter mais propostas aliciantes para trabalhar em Portugal.
Pontualidade americana. O que significa, na prática, chegar antes da hora marcada. Hábitos de Hollywood, garante o ator português que melhor conhece os hábitos do cinema americano. Depois do Natal, a agenda estava cheia antes do regresso aos EUA, segunda casa (tem dupla cidadania), mas consegue organizar‑se para acudir a todas as solicitações. Entre estudar papéis na casa de Ranholas, em Sintra, passar tempo com a filha e algumas reuniões de trabalho, Joaquim de Almeida conseguiu ter tempo para falar deste novo boom (mais um) da sua carreira americana. O ano de 2016 foi forte. Este 2017 será fortíssimo.
Todos os anos, em janeiro, o ator faz uma «limpeza geral». Um «começar de novo» em nome da saúde física e mental: não bebe, tenta comer bem e dormir melhor. Diz que tem de ser, até porque a memória já não é a mesma com a idade. «Tenho de ter cuidado. Agora que faço cada vez mais ficção televisiva, tenho de decorar mais texto e com o passar do tempo custa‑me mais.»
Também parece estar mais em forma. Está rejuvenescido, até sorri com mais força. Ajuda bastante, estar num bom período da vida, mas é o próprio que diz que a mudança para Dallas para filmar a segunda temporada da série A Rainha do Sul [Fox Life], em que interpreta um barão da droga mexicano (mais um), não é brincadeira. «Vou lá ficar uns meses e não deixa de ser uma mudança. Chateia‑me um bocado, mas é a vida… Não conheço a cidade, mas alguns dos atores vão ficar todos juntos no mesmo prédio para se adaptarem melhor e não estarmos sozinhos.»
Nos Estados Unidos, devido a contratos e a guerras entre as estações televisivas, é quase impossível um ator fazer mais do que uma série em simultâneo. «Eu devo ser agora o único que está em duas séries.» A segunda chama‑se Training Day e estreia-se em Portugal a 13 de fevereiro nos canais TVCine & Séries, com o português a ter aquilo a que se chama um papel de pivô. Entra pouco mas a personagem é fulcral nesta adaptação televisiva do filme com o mesmo nome que deu o Óscar a Denzel Washington em 2002. Oficialmente, nos EUA chamam‑lhe «papel recorrente», ao passo que em A Rainha do Sul é um dos vilões principais e faz parte do elenco fixo, um regular.
Dê por onde der, está feliz da vida. Contratos para séries televisivas são importantes nesta altura para qualquer ator, sobretudo num período que continua dourado a nível de qualidade. «Claro que também é muito bom financeiramente e eu agora já tenho uma boa quota, ou seja, sou dos mais bem pagos. Aliás, não me puseram regular na primeira temporada porque diziam que a minha quota era muito alta, quiseram poupar dinheiro… É um sistema que premeia os atores com mais televisão e cinema feitos. E, mais importante, a série tem qualidade, é uma espécie de Narcos. Mas nesta segunda temporada ainda vai melhor, pois vamos ter tempo para fazer leituras de elenco. Na primeira temporada enviavam os textos em cima da hora e era tudo um bocado a abrir. Agora, pelo que li dos primeiros episódios, temos melhores escritores.»
No cinema, Joaquim de Almeida tem dois papéis em filmes que terão grande exposição. Primeiro vamos vê-lo em The Hitman’s Bodyguard, produção de grande orçamento em que contracena com Gary Oldman, Ryan Reynolds e Samuel L. Jackson. Cinema de ação em que Oldman perfura a mão de Joaquim. Só vamos ver isso no meio de agosto mas fala‑se que é filme para ser campeão de bilheteiras. De certeza que a sua cotação aumentará. Depois, em dezembro, tem papel pequeno em Downsizing, de Alexander Payne, com Matt Damon. Será filme para Óscares e Joaquim terá sido escolhido pelo que fez ao lado de Sandra Bullock em Os Profissionais da Crise, estreado em 2015. Desta vez não faz de mafioso latino mas sim de uma grande mente da ciência que dá uma conferência.
Sobre The Hitman’s Bodyguard diz que foi um prazer filmar um mês em Londres e conviver com Jackson e Oldman (chegou a disputar com este o papel em Drácula, de Francis Ford Coppola (1992). «Apesar de ter sido chamado à última hora. Estava cá em Lisboa, telefonaram‑me e uns dias depois já estava em Londres.»
Quanto a Downsizing, tem uma história curiosa: «Eu não queria fazer este filme, pensava que não valeria a pena. O que é certo é que o realizador, que eu conheço, insistiu muito, até porque a personagem é brasileira. E lá disse que sim… Quando cheguei lá é que percebi que não era assim tão pequeno. Tinha lido o argumento mal, pois não percebi que era mais texto… Aquilo dizia uma “voz” e eu não entendi que seria eu… Foi uma bronca! Decorei só uma parte. Quando estava a ensaiar no plateau, o Payne [realizador] só dizia “Está muito bem mas agora tens de começar do princípio”.. Depois lá tive de ler e meter tudo na carola. Não foi muito agradável, quanto mais não seja porque estavam trezentos figurantes à minha espera…»
Entretanto, no cinema ou na RTP (ainda não se sabe…), vamos vê-lo em O Duelo, a partir de Jorge Amado, uma coprodução luso‑brasileira em que contracena com o falecido José Wilker. «Investi muito tempo e trabalho nesse telefilme. Acho um pouco mau se não sair nos cinemas…»
Em junho Joaquim de Almeida regressará a Portugal para ser novamente o anfitrião do festival de storytelling Grant’s Stand Together, em que ele e os convidados se esmeram para contar histórias ao vivo no palco do Cinema São Jorge, em Lisboa. Depois regressa novamente aos EUA, para a pacata vida junto à praia em Santa Monica, Los Angeles, sempre que não está a filmar. «Ando muito de bicicleta, mas no outro dia tive uma queda aparatosa. Um gajo esquece-se de que agora quando cai dói. É o que dá ter quase 60 anos! Tenho uma vida saudável e a Sandra [Coias] está lá comigo. Mas é uma vida saudável também porque na Califórnia todos se deitam ; cedo. Dá também para ver os jogos do Benfica num sports bar, embora veja também o futebol americano.»
Os seus EUA, mesmo com Trump (ver legenda), vão continuar a ser sempre a sua casa, até porque trabalho não lhe falta. «Estou com 60 anos e dão-me papéis. Continuo a trabalhar, mesmo podendo já não ser o galã. Nesse aspeto, as atrizes com a idade sofrem mais. Só tem pena de ter deixado de ter trabalho em Portugal.
Possivelmente por causa do dinheiro. «Ninguém me convida. Propuseram‑me um papel para uma coisa na televisão. Perguntei quanto dinheiro é que tinham para mim e disseram‑me o total para todos os atores. Era menos do que eu ganho num episódio nos EUA. Se calhar, isso de não me convidarem para cinema português poderá ter começado pela questão dos valores. Seja como for, já disse ao António‑Pedro Vasconcelos e ao Joaquim Leitão que se escreverem um papel de que eu goste, venho cá fazer!»