Texto de Catarina Guerreiro | Fotografia de Rui Miguel Pedrosa/Global Imagens
Sentados ao longo de uma mesa comprida, o líder, à cabeceira, faz uma oração para pedir a bênção de Deus para os trabalhos que se seguem. É uma oração espontânea, mas sempre rigorosamente cumprida para invocarem o auxílio divino. Todos ouvem, em silêncio, e só depois começam a reunião.
É assim de 15 em 15 dias. Nestes encontros, numa sala no edifício da reitoria, o reitor, Carlos Cabecinhas, e os sete homens que com ele dirigem o dia-a-dia do Santuário de Fátima decidem ao detalhe tudo o que se passa nos bastidores do mais importante templo religioso do país, que se prepara para receber no próximo dia 13 o Papa Francisco. Nas reuniões deste conselho de diretores de serviço está ainda presente uma oitava pessoa, a única mulher do grupo, responsável pela comunicação.
Dos restantes sete, cinco são sacerdotes e dois leigos. Um deles é Marco Daniel Duarte, 39 anos. Não é padre, mas isso não impede que tenha um papel fundamental no Santuário: é uma das únicas três pessoas que podem tocar na imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que está na Capelinha das Aparições. É diretor do Serviço de Estudos e Difusão, que inclui o arquivo, a biblioteca, a investigação e a secção de arte e património e tem de garantir a conservação das peças, sendo a mais valiosa aquela imagem de 19 quilos e 104 centímetros de altura (sem contar com a coroa).
Marco Daniel Duarte lidera uma equipa de 17 pessoas. Algumas ajudam também na biblioteca, onde estimam que se encontrem entre 75 mil e cem mil obras. A mais antiga é de 1517.
«É um dos ícones católicos mais importantes da atualidade a nível mundial», diz Marco Daniel Duarte. Por isso são seguidas regras rígidas de segurança: ninguém a pode manusear a não ser ele e mais dois conservadores e restauradores que trabalham consigo. Ainda não esqueceu a sensação que teve na primeira vez que lhe tocou. «É a mesma que deve sentir um médico numa cirurgia perante o corpo humano, que respeita mas tem de tocar. Há uma carga psicológica grande e quando toco nela sei o risco que se corre.»
Já quando é preciso retirá-la à frente dos fiéis para, por exemplo, a transportar para o andor das procissões há um grupo restrito de pessoas que receberam formação técnica. Durante o processo, todos têm de usar luvas. Só há uma exceção a estas normas: o Papa. «Ele pode tocar, claro», diz Marco Daniel Duarte, que começou a trabalhar no Santuário em 2008, quando estava a concluir o doutoramento sobre o templo de Fátima enquanto construção artística. Na época começou por dirigir o museu (fundado em 1955), cuja exposição permanente recebeu no ano passado mais de setenta mil visitantes.
É também ele que, desde 2013, guarda os milhares de documentos que se encontram no arquivo. São dois quilómetros de documentação. «Temos material muito rico, ligado ao início do Santuário, como fotografias e interrogatórios. E há até algum de anos anteriores, que chegou por doação.» Estão guardados em depósitos, de acordo com a sua hierarquia de valor. Os mais preciosos, acredita, serão aqueles «escritos pelo punho da irmã Lúcia».
O investigador e diretor de serviço só não trabalha ao domingo, mas nesse dia, como gosta de música e toca órgão, anima duas missas no Santuário.
Quando é preciso sustentar a cientificidade de algum acontecimento relacionado com os videntes, é a equipa deste investigador que procura no espólio documentos como cartas dos papas, que a podem atestar. O responsável lidera uma equipa de 17 pessoas. Algumas ajudam também na biblioteca, onde estimam que se encontrem entre 75 mil e cem mil obras. A mais antiga é o Divinum ac pro inde […], da autoria de Sancho Porta, impresso em Londres em 1517.
O investigador e diretor de serviço só não trabalha ao domingo, mas nesse dia, como gosta de música e toca órgão, anima duas missas no Santuário. «Faço-o em voluntariado: ensino o canto que vai ser feito e ajudo a assembleia a celebrar.» Marco Daniel Duarte sempre frequentou a igreja – seja na Covilhã, onde nasceu, ou em Coimbra, onde se licenciou em História de Arte pela Faculdade de Letras – mas não quis seguir a carreira de sacerdote. Casou, teve uma filha e vive em Fátima.
O outro leigo do grupo, Pedro Valinho Gomes, 38 anos, ainda pensou em ser padre. Entrou para o Seminário de Leiria quando tinha 12 anos e foi missionário espiritano, o que o levou ao Quénia e à Tanzânia. Mas em 2008, depois de se ter formado em Teologia, a meio do doutoramento em Filosofia na Universidade Católica Portuguesa, optou por casar.
Tem três filhos, vive em Fátima com a família e continua ligado à Igreja – é o homem que trata de tudo o que se relaciona com os peregrinos no Santuário. É o elemento mais recente deste núcleo de sete homens, tendo assumido a direção de serviço apenas em dezembro do ano passado. Antes disso, desde 2012, era assessor da Fundação Francisco e Jacinta Marto e trabalhou na comissão de preparação do Centenário das Aparições.
Pedro Valinho Gomes ajuda a preparar milhares de peregrinações portuguesas e estrangeiras. Todos os anos há milhões de peregrinos em Fátima – no ano passado, 5,3 milhões participaram em celebrações e quase 700 mil fizeram-no em grupos organizados.
Diariamente, o departamento que dirige recebe entre 150 e 200 e-mails com apelos especiais de fiéis. Pedem a realização de uma missa, desejam poder rezar um terço, pretendem fazer uma celebração com determinado bispo.
É Pedro Valinho Gomes quem, com uma equipa de 19 pessoas, faz que tudo se concretize. Um dos pedidos mais comuns dos crentes é que seja feita uma oração por sua intenção – uns deixam cartas na Capelinha das Aparições, mas outros fazem o apelo através do correio eletrónico.
O atual reitor (o oitavo) é Carlos Manuel Pedrosa Cabecinhas, 46 anos, que sucedeu a Virgílio Gomes em 2011. É visto como um homem acessível, que pretende modernizar a imagem do Santuário.
No ano passado receberam 250 mil solicitações destas, «Mensagens para Nossa Senhora», como lhes chamam internamente. Para as conseguir pôr em prática conta com duas freiras da Congregação das Irmãs Oblatas de Maria Virgem de Fátima. «Elas fazem as orações em nome das pessoas ou colocam os pedidos junto aos pés de Nossa Senhora na Capelinha das Aparições», explica o diretor.
Quando é necessário recorre-se a mais irmãs colaboradoras. Por vezes, os e-mails são tantos que a solução é juntá-los numa pen drive que é colocada junto à imagem da Virgem na capelinha. «O que garantimos é que todos os pedidos têm um momento aos pés de Nossa Senhora», diz o responsável pelo Serviço de Peregrinos, que é também diretor do Centro de Formação e Cultura da Diocese de Leiria-Fátima e investigador do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos, em Braga.
Os restantes homens que dirigem o dia-a-dia do templo são padres. O atual reitor (o oitavo) é Carlos Manuel Pedrosa Cabecinhas, 46 anos, que sucedeu a Virgílio Gomes em 2011. É visto como um homem acessível, que pretende modernizar a imagem do Santuário. Chamou a si a coordenação da visita do Papa e na reitoria concentra projetos como «o de aconselhamento e orientação», que o fez colocar no recinto do Santuário pessoas habilitadas a ouvir os peregrinos que procuram alguém com quem possam desabafar os problemas pessoais.
O número dois do reitor é, desde novembro de 2014, o padre Vítor Coutinho, 50 anos. Conhecem-se desde crianças. «Andámos no mesmo seminário em Leiria, para onde entrei com 13 anos», recorda o vice-reitor, que é também o responsável pelo departamento executivo do centenário das aparições. Costuma, por isso, viajar várias vezes até Roma.
Recentemente esteve lá para negociar com o Museu do Vaticano uma exposição sobre o centenário das aparições que o Santuário está a organizar e que terá lugar na capital italiana entre maio e outubro de 2018. Outra viagem à Santa Sé serviu para definir a estratégia com a sala de imprensa do Vaticano.
É Vítor Coutinho quem gere os recursos humanos do Santuário. «São 310 funcionários.» Além disso, substitui muitas vezes o reitor. «Tenho de o apoiar na governação geral e nos compromissos com entidades externas políticas, culturais, académicas ou religiosas», explica o sacerdote, que antes de se tornar vice-reitor colaborou com o Santuário desde 2008, como membro de comissões científicas de congressos e desde 2010 como coordenador da Comissão Organizadora do Centenário das Aparições.
Nem Vítor Coutinho nem os outros responsáveis do Santuário gostam de falar de si próprios. Preferem ser discretos e valorizar o trabalho de equipa.
Os dois conhecem-se bem e foram-se cruzando na diocese de Leiria-Fátima. «Houve uma altura em que ele foi para Roma estudar e eu para a Alemanha», diz o padre Coutinho, falando dos tempos em que frequentou a Universidade de Münster, na qual se doutorou em Ética Teológica.
O vice-reitor garante que ambos partilham a preocupação de «renovar a linguagem e a forma de transmitir a mensagem». «Exemplo disso foi o musical que estreámos sobre Fátima.» Nem Vítor Coutinho nem os outros responsáveis do Santuário gostam de falar de si próprios. Preferem ser discretos e valorizar o trabalho de equipa. «A nossa filosofia é: “Se um de nós morrer hoje, as coisas aqui continuam”.»
E se há temas sobre os quais optam por ser discretos, há outros que assumem ser confidenciais. «Do ponto de vista formal não assinámos nada, mas eticamente é muito claro que essa confidencialidade existe, como sucede em todas as profissões», diz Marco Daniel Duarte.
Por isso, o padre Cristiano Saraiva, o homem de 48 anos que controla o orçamento do Santuário, diz sem hesitar que os dados sobre o dinheiro são confidenciais. A decisão de não revelar os valores das esmolas e de outras receitas é assumido pelo reitor, que no mês passado confirmou à comunicação social que o Santuário tenciona continuar, como faz desde 2004, a não divulgar as contas.
Cristiano Saraiva é administrador desde 25 de setembro de 2008. Quando entrou, o orçamento já era secreto. Era pároco em Barreira, Leiria, e ecónomo diocesano, quando o bispo de Leiria-Fátima, António Marto, o chamou e lhe lançou o desafio. «Fiquei apreensivo», admite. Mas ao fim de dois ou três dias a pensar deu resposta positiva e passou a dirigir três importantes pastas na governação do Santuário: os serviços de administração, de alojamentos e de promoção e preservação do ambiente.
Cada padre do Santuário costuma presidir a uma celebração diária. Há sete missas oficiais, pelo menos. Por motivos de agenda, Cristiano Saraiva fica muitas vezes com a missa que é celebrada às nove da manhã, na Capela da Morte de Jesus.
Todas as contas passam por ele: «Compras, pagamentos, orçamentação», detalha. Entre mãos tem também a gestão do parque imobiliário do Santuário. Este conta, entre outros, com as duas casas de retiro (Nossa Senhora do Carmo e Nossa Senhora das Dores), espaços e edifícios para peregrinos (como o Centro Pastoral Paulo VI), parques de estacionamento, as casas de Aljustrel dos pastorinhos e cem hectares de olival, no Monte dos Valinhos e na zona da Cova da Iria. Aqui produz-se o azeite para consumo interno.
Em tempos, chegaram a pensar em produzir para vender, mas desistiram da ideia. «A produção não é alargada o suficiente para se comercializar», diz o padre Cristiano, que tem sete pessoas a trabalhar consigo para o auxiliarem nas tarefas da administração – dois desses técnicos ajudam-no a elaborar o orçamento, que costuma demorar duas semanas a concluir.
Além de ser o homem das contas, é também o responsável por manter os espaços verdes, acompanhar as obras feitas e garantir que no recinto há tranquilidade, silêncio e organização. Para isso, contratou 36 vigilantes, homens e mulheres que guardam o local sagrado.
«Começo a trabalhar às oito da manhã e termino no dia seguinte», diz o sacerdote. Por regra, levanta-se às 7h15, toma o pequeno-almoço, vai um bocadinho ao gabinete e interrompe para dar missa. Cada padre do Santuário costuma presidir a uma celebração diária. Há sete missas oficiais, pelo menos. Por motivos de agenda, Cristiano Saraiva fica muitas vezes com a missa que é celebrada às nove da manhã, na Capela da Morte de Jesus. Depois volta ao gabinete, ou tem reuniões. Almoça no refeitório com os restantes sacerdotes do Santuário.
Em média, o Santuário encomenda cem mil hóstias por mês, agora para maio foram pedidas 500 mil. Já o vinho, em regra tinto, é escolhido pelo colega e administrador Cristiano Saraiva.
Ao todo, há dez capelães. Alguns, como Cristiano Saraiva, o reitor e o vice-reitor têm cargos executivos e de direção de serviço. Outros desempenham apenas tarefas litúrgicas, como dar missas e confissões. Seja qual for o papel de cada um, os capelães vivem todos juntos, divididos pelas duas casas de retiro. Às 19h30, sem exceção, jantam. Muitas vezes voltam para os gabinetes, outras aproveitam para pôr a leitura em dia, ouvir música ou fazer desporto.
O capelão Sérgio Henriques, de 48 anos, tem o hábito de fazer caminhadas noturnas de 45 minutos. E é costume ter a companhia de alguns colegas, incluindo a do reitor, Carlos Cabecinhas. O padre Henriques, também da diocese de Leiria, integra igualmente o núcleo dos sete: desde setembro de 2015 lidera o serviço de liturgia do Santuário.
Só no ano passado, realizaram-se 9890 celebrações e fizeram-se 104 529 confissões em português e 20 966 em língua estrangeira.
Faz as escalas dos padres para as várias missas, para os terços e para as outras celebrações e define a distribuição dos quarenta confessores fixos, que são sacerdotes de congregações, e dos 117 confessores eventuais (padres, incluindo os de algumas paróquias que estão de passagem pelo Santuário).
«Só no ano passado, realizaram-se 9890 celebrações e fizeram-se 104 529 confissões em português e 20 966 em língua estrangeira», diz o padre, que todos os dias tem de confirmar que nas várias capelas há o que é necessário: alfaias, estolas sacerdotais, paramentos, vinhos e hóstias. Até porque pode haver missas a qualquer hora, mesmo às cinco da manhã. Ao todo, há mais de quatro mil missas por ano no Santuário.
Durante muito tempo, as hóstias eram fabricadas ali, mas hoje são feitas em Lisboa, pelas irmãs Clarissas, na zona da Estrela – no edifício onde a vidente Jacinta passou os últimos dias de vida em 1920. Em média, o Santuário encomenda cem mil por mês, agora para maio foram pedidas 500 mil. Já o vinho, em regra tinto, é escolhido pelo colega e administrador Cristiano Saraiva.
Sérgio Henriques, que antes de assumir o cargo dirigiu o departamento de liturgia da diocese e era pároco em Vieira de Leiria e em Carvide, cria também os guiões das celebrações. É ele quem tem também de assegurar que os altares e as capelas estão impecáveis. Em épocas especiais, como o Natal ou a Páscoa, encomenda a decoração ao arquiteto do Santuário.
De resto, os espaços são enfeitados pelos elementos da sua equipa, que «aproveitam as flores dadas pelos fiéis». Para tudo, o diretor conta, além dos voluntários, com 12 elementos, incluindo uma costureira e um grupo de nove pessoas lideradas por Otília Vieira, 56 anos, que limpam o espaço e cuidam dos paramentos dos padres e dos bispos.
O quinto sacerdote que integra este órgão de comando é Manuel de Sousa Antunes, 89 anos. É o mais velho e o que está há mais tempo a trabalhar no executivo do templo. «Cheguei aqui em 1976», conta, recordando o ano em que foi convidado pelo então bispo D. Alberto Cosme do Amaral para coordenador do serviço de apoios aos doentes, que o então recém-nomeado reitor, Monsenhor Luciano Guerra, estava a criar.
O capelão foi também um dos impulsionadores do Movimento da Mensagem de Fátima – uma associação canónica que divulga as palavras que Nossa Senhora.
Dirige o departamento e vive na Cova da Iria há 41 anos. Todos os anos promove vinte encontros e retiros com peregrinos com problemas de saúde. «E temos semanas de férias para crianças e jovens com deficiência, o que permite ao mesmo tempo que os pais possam ter uns dias de descanso», diz o capelão. Manuel Antunes é padre há 66 anos e, mesmo radicado em Fátima, andou sempre de malas às costas.
«Durante 16 anos, andei por Portugal, Ilhas e até Brasil com a imagem peregrina», conta, referindo-se à réplica da imagem de Nossa Senhora que as várias dioceses podem solicitar ao Santuário durante algum tempo. Acompanhava a imagem no avião, no barco e no carro e ficava a dormir na diocese onde era exposta. Depois regressava ao Santuário com a imagem. Hoje já há 13 réplicas requisitadas pelo mundo inteiro.
O capelão foi também um dos impulsionadores do Movimento da Mensagem de Fátima – uma associação canónica que divulga as palavras que Nossa Senhora terá transmitido aos pastorinhos, que agora trazem o Papa a Portugal e que todos os dias levam estes sete homens a entrar nos seus gabinetes, mesmo ao pé do local onde tudo terá sucedido há cem anos.
TECNOLOGIA PARA PROTEGER A IMAGEM
A imagem de Nossa Senhora que está na Capelinha das Aparições, feita de madeira policromada, foi alvo de um rigoroso estudo científico realizado em parceria com o Instituto Politécnico de Tomar para se verificar o estado de conservação. Os exames incluíram uma TAC para analisar o interior da peça e um biofilme para descobrir o lixo e a poeira que se acumulavam.
Os resultados conhecidos há dois meses revelam que o suporte da escultura se encontra em bom estado, mas confirmam que há alguns danos no revestimento policromo, como estalados, lacunas de pequena dimensão e fissuras. Segundo Marco Daniel Duarte, que tem a tutela da arte e património do Santuário, estão a ser preparadas algumas alterações para garantir que a imagem não se degrada com o tempo, como uma nova redoma com climatização, por exemplo.
«Sempre que os papas precisam de uma imagem que simbolize o culto mariano no catolicismo pedem que a imagem de Nossa Senhora que está na Capelinha das Aparições vá a Roma.» O próprio Papa Francisco já a requisitou a 12 e a 13 de outubro, pouco depois de substituir Bento XVI.