Texto de Ana Pago | Fotografias da Shutterstock
A noite foi infernal de calor, como quase todas nos últimos dias. Joey Barge despertou banhado em suor. Como seria o britânico capaz de vestir calças naquela manhã de 19 de junho, se até estar em tronco nu lhe era insuportável? Não conseguiria, constatou o jovem de 20 anos, operador num call center em Buckinghamshire. Se as mulheres vão para o emprego de saias e vestidos, devia ser pacífico ele ir trabalhar de calções – com a imagem cuidada de sempre, mas mais fresco. Certo? Errado! Descobriu que não podia quando chegou ao emprego e o recambiaram para casa.
«Existe uma regra de etiqueta e protocolo no local de trabalho segundo a qual os homens não podem mostrar a perna», diz Raquel Guimarães, diretora executiva da Fashion School no Porto.
«Existe uma regra de etiqueta e protocolo no local de trabalho segundo a qual os homens não podem mostrar a perna», explica Raquel Guimarães, diretora executiva da Fashion School no Porto e especialista em imagem no contexto profissional/empresarial. Até as meias devem ser subidas o suficiente para não mostrarem a pele ao cruzarem a perna, quanto mais usarem calções.
«Claro que há empresas mais criativas, de cariz mais disruptivo, em que não faz tanto sentido reger-se pelas normas convencionais do fato escuro», sublinha Raquel Guimarães, considerando que o modo de vestir do funcionário deve refletir a essência da entidade empregadora. Ela própria costuma dizer ser muito difícil haver segunda oportunidade para se criar uma primeira boa impressão. «A linguagem não-verbal, que inclui o vestuário, conta muito hoje em dia.» Faz parte do nosso marketing pessoal e dos processos de se criar empatia com o cliente saber como vestir no contexto profissional – aquilo a que se chama inteligência vestimentar. «É natural que as empresas se resguardem, a começar pela imagem dos seus funcionários», diz a especialista.
Para a diretora executiva da Fashion School, é legítimo as empresas terem receio de quebrar os seus códigos de vestuário: abrirem um precedente pode descambar numa dor de cabeça.
O caso de Joey Barge, porém, teve contornos imprevistos. «Mandaram-me trocar de roupa para algo mais apropriado», começou por desabafar no Twitter, incrédulo, após chegar ao call center a suar as estopinhas nos calções. Que injustiça para os homens face às colegas do sexo feminino, de pernas desnudas. Decidido a confrontar os regulamentos da empresa, fez então a sua segunda escolha ousada do dia: um vestido de senhora formal, de corte impecável. Se elas podiam…
Por alturas em que tirou uma selfie no elevador do call center, de regresso ao posto de trabalho, Joey estava mais ou menos seguro de que voltariam a mandá-lo para casa, mas isso não aconteceu. «Ainda perguntaram se eu não gostaria de ir trocar novamente de roupa, dado o vestido ser demasiado vistoso, mas disse que estava bem assim», contou mais tarde ao jornal Daily Mail.
«Se há colaboradores que terão o bom senso de coordenar calções com peças mais clássicas, outros podem aparecer de t-shirt e havaianas.»
Certo é que a proeza deu frutos, já que a entidade patronal reconheceu que a vaga de calor e o espírito combativo do funcionário exigiam uma resposta à altura. «Atendendo às temperaturas atuais extremamente altas, ficou estabelecido que será permitido aos cavalheiros no escritório usarem calções a três quartos de comprimento e sóbrios, nada de cores berrantes – apenas pretos, azuis-escuros e beges», anunciava pouco depois num comunicado interno.
Para a diretora executiva da Fashion School, é legítimo as empresas terem receio de quebrar os seus códigos de vestuário: abrirem um precedente pode facilmente descambar numa dor de cabeça se a equipa não tiver cuidado. «Se há colaboradores que farão uso do bom senso para coordenar uns calções com peças mais clássicas, e que até terão umas calças à mão para vestirem se de repente a situação laboral o exigir, outros podem não perceber os calções num contexto mais formal e no dia seguinte aparecem de t-shirt e havaianas, está a ver o perigo? E então restringem.»
Diante deste cenário rígido, Joey Barge não foi o primeiro a tomar medidas: a 16 de junho, em Nantes, França, seis motoristas de autocarro da empresa Semitan apresentaram-se ao serviço de saia, em protesto contra a proibição de usarem calções quando «as temperaturas atrás do para-brisas podem atingir os 50 graus» – desde 2013 que se batem por esta reivindicação, sem resultado. No Rio de Janeiro, em 2014, o ilustrador André Amaral Silva também foi trabalhar de saia como forma de contornar a interdição aos calções.
Ainda nesse ano no Brasil, três jovens publicitários lançaram o movimento #BermudaSim! para sublinhar que a roupa não influencia a postura ou o rendimento profissional de ninguém, além de não fazer sentido insistir num dress code incompatível com o calor – para situações não programadas como visitas a clientes, reuniões e afins, os trabalhadores podem sempre guardar uma muda de roupa protocolar no escritório.
No ano passado, no Brasil, três jovens publicitários lançaram o movimento #BermudaSim! para sublinhar que a roupa não influencia a postura ou o rendimento profissional de ninguém.
Seja como for, à vontade não quer dizer à vontadinha. Partindo do princípio de que a sua empresa permite, de alguma forma, calções aos funcionários, a especialista em indumentária no trabalho Raguel Guimarães faz algumas ressalvas quanto ao tipo mais indicado a usar. Bem vistas as coisas, ninguém vai querer correr o risco de exagerar na dose.