Fábula (muito pouco) natalícia

Notícias Magazine

Valka Vesprini é uma ratazana. Podia, ainda assim, ter um carácter doce e encantador. Não tem. É egoísta, dúplice, muito ruim, corpulenta e dona de um olhar metálico e daninho que faz lembrar o de certas pessoas.

Vive no esgoto obscuro como se o resto da criação não existisse e empenha-se em afastar qualquer outro mamífero que dali se aproxime, quer venha movido por propósitos sociais altruístas ou por algum simples acaso. Se tantos defeitos não fossem suficientes, Vesprini tem ainda a mania das grandezas.

Valka, a ratazana, está a desenvolver um ambicioso projeto no exacto cruzamento entre a construção civil, o setor imobiliário e a pujante indústria do turismo: pretende construir um dique numa parte mais afastada do esgoto, estabelecendo na albufeira respectiva uma zona privada de caça e pesca, da qual será usufrutuária exclusiva, e uma unidade hoteleira de quatro ou cinco estrelas destinada ao segmento dos ratos do campo, dos ratos domésticos e dos ratos de água, aberta também a algumas espécies de morcegos sibaritas.

Após ter estudado o ancestral procedimento dos castores e os métodos por eles utilizados na construção de açudes e represas, a empreendedora ratazana adquiriu um vistoso penacho para usar sobre a cauda e meteu ombros à edificação do empreendimento. Procurou no exterior uma árvore que pudesse abater e que servisse para bloquear o caudal do esgoto, tratando imediatamente de começar a roer o seu tronco.

Danificou, porém, dois dentes da frente e ficou muitíssimo contrariada. Teria, porém, podido derrubar a árvore apenas com as más vibrações do seu péssimo humor não fosse a feliz coincidência de ali ter aparecido um belo e vigoroso exemplar de Castor canadensis.

Insinuante e persuasiva, Valka Vesprini convenceu o castor a tornar-se investidor e parceiro da empreitada de vistas largas e com grandes perspectivas de crescimento no médio e longo prazo. Ingénuo e pouco iluminado da cachimónia, Crockett acedeu a abater a árvore e a transportá-la para o esgoto, trabalhando há várias semanas no estabelecimento do almejado açude de Vesprini.

O labor, porém, emagreceu-o e a falta de luz tornou-o frágil e enfermiço, quase a sombra do saudável animal que era. Servil e, creio, um pouco apaixonado por Valka, pelo seu carácter dinâmico e impositivo, Crockett nunca se queixa e sabe mostrar-se humilde e grato de cada vez que a benemérita ratazana lhe oferece alguma da comida de que se alimenta.

O açude, por outro lado, está quase pronto a inaugurar-se. Valka Vesprini já sonha com o dia em que há-de ser um dos novos milionários da imortal nação das ratazanas.