Afigura de embaixador que conhecemos, representante de um país noutro, nasceu com a diplomacia moderna, nos estados italianos, no começo dos nossos Descobrimentos. Na Biblioteca Vítor Emanuel II, em Roma, há um manuscrito, de oito páginas, que foi entregue em Madrid ao ministro espanhol católico colocado no Vaticano. O Instruttione… (o título é maior do que este parágrafo, fiquemos pela palavra-chave) é do século XVII e é o manual do perfeito embaixador. No essencial, diz: «A pessoa com quem tens de tratar: o Papa. Reverencia-o, sem pôr em perigo a dignidade do rei de Espanha, teu mestre.»
Às vezes há que ir às fontes simples, sobretudo quando nos querem enganar com teorias sobre novas circunstâncias. Porque relacionei o começo da diplomacia com os nossos Descobrimentos, aparentemente a despropósito? Porque foi o nosso Garcia de Orta (c. 1501-1568) que cunhou a superioridade dos factos e da experiência vivida sobre as ideias feitas: «Não me contradigam textos de autores, aquilo que eu vi com os meus olhos.»
Os embaixadores, sabemos o que são. Na frase «o embaixador de Vanuatu em Majuro» talvez tenhamos de ir ao mapa ver onde fica Vanuatu (é no Pacífico) e, ao Google, saber de onde Majuro é capital (é das ilhas Marshall). Mas não temos dúvidas de que o referido embaixador foi escolhido por Vanuatu e deve obediência a Vanuatu.
Repito, não se deve dar crédito a quem nos quer convencer de que as coisas simples deixaram de o ser. Nesta semana, o homem eleito para o mais poderoso cargo do mundo escreveu no Twitter: «Muita gente gostaria de ver Nigel Farage representar a Grã-Bretanha como seu embaixador nos Estados Unidos. Ele faria um bom trabalho!» Esta sugestão sobre o cidadão britânico Farage foi assinada por Donald Trump, o futuro presidente americano. Falei dela à primeira pessoa com que me cruzei na rua, o sr. Santos, que me disse: «Não pode. Os embaixadores da Grã-Bretanha, quem os escolhe é a Grã-Bretanha.» E andou. O sr. Santos, porque Trump ainda o vamos ter por quatro anos.
O jornal inglês The Guardian ouviu Sir Christopher Meyer, um antigo embaixador britânico em Washington: «Um embaixador britânico em Washington existe para defender os interesses do Reino Unido nos Estados Unidos, não os interesses americanos no Reino Unido.» E mais explicadinho: «Não pode haver presidentes estrangeiros a decidir quem devem ser os nossos embaixadores.»
O muito que escrevi neste ano sobre Trump durante as presidenciais americanas foi motivado pelo que vi dele e ouvi dele, às escâncaras e alto (reconheça-se, ele não se esconde). E é isto: Donald Trump não presta para o que foi eleito. Quem de direito elegeu-o, OK. Mas não me contradigam aquilo que vi, e, pelos vistos, vou ver e ver e ver – Trump não presta. E a prova é ele não entender o que o sr. Santos e Sir Christopher dizem com a simplicidade de um «está a chover», se está a chover.
Entretanto, tentemos perceber o que move Trump nas suas insólitas manifestações. Nigel Farage – este, agora «proposto» para embaixador – foi o primeiro político estrangeiro a ser recebido pelo presidente eleito. Sabe-se agora, havia mais gente na sala do encontro, na Trump Tower. Farage, líder do partido de extrema-direita UKIP, levou uma delegação de financiadores da sua campanha a favor do brexit. E, nesse encontro – repito, já depois de eleito –, Donald Trump propôs a Farage e aos amigos para lutarem na Grã-Bretanha contra os parques eólicos que estragam as vistas a um dos dois campos de golfe que ele possui na Escócia. Sim, o que faz Trump tem lógica. Não tem é decência.
[Publicado originalmente na edição de 27 de novembro de 2016]