Robert De Niro está de novo nos ecrãs com Mãos de Pedra, estreado nesta semana, um filme de boxe em que volta a ser lendário. Aos 73 anos, já não pode fazer o papel de pugilista, como em O Touro Enraivecido (1980), mas interpreta um treinador memorável. Entrevista exclusiva com o ator que continua a ter aura de gigante – com direito a abraço para um português em particular.
Ao longo da sua carreira já o vimos em diversos filmes sobre boxe. O mais importante e ainda O Touro Enraivecido, de Martin Scorsese, mas há três anos também enfrentou Sylvester Stallone em Ajuste de Contas. Qual o lugar que este Mãos de Pedra pode ter nesse tipo de filmes?
Depende de como a imprensa o vai percecionar. Obviamente que não estou qualificado para o poder comparar ao filme do Martin Scorsese. Fala‑se muito que o cinema dos nos 1970 e que era… Ok, ótimo, embora as vezes os filmes com menor escala sejam os mais interessantes de fazer. Acontece o mesmo em relação aos projetos televisivos. Por exemplo, a televisão e mais estimulante para muita gente, inclusive atores, mas acreditei neste filme porque o Jonathan [Jakubowicz], o realizador, agrada‑me. E um cineasta que filma com muito coração e gostei da sua energia e espontaneidade no filme de estreia [Los Barcos de La Esperanza, realizado em 2000]. Além disso, e boa pessoa, direto, e sabe ouvir. Um tipo muito inteligente, adoro realizadores que aceitam sugestões de todos, esses são sempre os melhores. E preciso perceber que no cinema todos podemos ter ideias. Quando o Jonathan vê que as coisas não dão, é muito prático e tenta logo outra coisa. Eu, devo dizer, nunca me impus nestas filmagens.
E inevitável falar de O Touro Enraivecido. Reviu-o antes deste projeto? Costuma rever os seus filmes mais antigos?
Não. Quase nunca…Só se estiverem a dar na televisão e apanha-los por acidente e ai dou-lhes uma outra hipótese.
Uma outra hipótese? E assim tão doloroso ver-se no passado?
Às vezes custa muito. O que me custa, agora falando a sério, não e ver os filmes, mas sim espreitar o que estamos a filmar ainda durante a rodagem. E ai que vemos os erros todos. Dou-lhe um exemplo: estou agora a fazer um filme e estive a ver o material em bruto e, garanto, pode mesmo ser doloroso. Na volta, não se trata de querer ser bom mas e apenas uma coisa de vaidade, quem sabe? Tem que ver com aqueles momentos em que não conseguimos que a cena fique como imaginamos ou se digo a fala com algum erro… E certo que há maneiras de não pensarmos sempre nessas coisas, mas gosto de ver esses erros nem que seja para minha própria referencia. Ainda assim, a vantagem de ver essas cenas diárias e que podemos chegar a conclusão de que é preciso reescrever a cena e voltar a rodá-la.
Interpretar uma lenda do boxe, o treinador Ray Arcel, cria num ator uma dose de responsabilidade enorme. Por outro lado, por ele ser tão conhecido, dá-lhe uma maior fonte especifica de pesquisa?
Sim, gosto disso mas sei que o [pugilista] Roberto Duran ficou muito feliz por ser o Edgar Ramirez a interpretá-lo. Aliás, o filho dele até ajudou o Edgar neste trabalho. Claro que o Ray já não esta vivo, mas de facto pude ver muito dele, em especial quando estava com o Duran. Vi também muitas entrevistas dele, fotografias… E falei com a mulher. Estivemos juntos algumas vezes e isso ajudou muito. Foi ai que começou a minha transformação.
Os filmes de boxe são sempre contos sobre o triunfo e o falhanço. Olha muitas vezes para os triunfos e as derrotas pessoais?
As derrotas podem ser muito frustrantes. Do que gosto no boxe e da sua clareza: quando perdes, perdes mesmo. Quando ganhas, ganhas mesmo. Ainda que por vezes nem mereças. Por exemplo: nos íamos rodar este filme em Porto Rico com um certo investidor, mas depois as coisas não deram certo. Isso trouxe muita desilusão, as pessoas estavam a espera de verbas que nunca vieram. Graças a isso voltamos ao Panamá, que era onde deveríamos ter ido logo em primeiro lugar. Quanto mais não seja porque até o governo panamiano nos apoiou e o Duran sempre esteve ao nosso lado. Fui eu que sugeri à produção falar com o governo do Panamá e com o pessoal rico de lá. Há males que veem por bem. Gosto muito de trabalhar com artistas latinos, já o tinha feito em A Missão, que foi rodado na Colômbia. Foi bom trabalhar com latino‑americanos. Foram bestiais. Digamos que nos divertimos todos.
Este filme é importante não apenas pela história dos protagonistas, mas por mostrar o momento, no final da década de 1970, em que o boxe se tornou um desporto de milhões e com sentido global, sobretudo devido aos investimentos das transmissões televisivas. Para Ray Arcel foi o fim de uma era. E para si?
Sim, o mundo mudou. Não apenas no boxe. Tudo mudou. A maneira como vemos cinema também mudou. Por vezes, também vejo um filme no ecrã do computador… Ainda assim, é claro que há cinema em que é mesmo preciso vermos com o público ao lado, como as comedias, por exemplo. No outro dia, em Nova Iorque, para celebrar os quarenta anos de Taxi Driver, fizeram uma projeção pública. Não pude ficar para ver porque fui dar entrevistas. Tive muita pena.
A frase «Estás a falar comigo?», de Taxi Driver, ficou na história e é um dos grandes momentos de cinema que se tornou inesquecível. Tem noção disso?
Não sei, a minha frase preferida é a de Quanto Mais Quente Melhor, quando a Marilyn Monroe diz: «Ninguém é perfeito…» Já agora, como está o meu amigo Bruno de Almeida? Mande-lhe um abraço meu.