A semana passada, o Facebook pediu desculpas aos seus utilizadores por ter censurado uma fotografia que ganhou um Pulitzer. A imagem de uma criança a correr em terror depois de um ataque de Napalm no sul do Vietname é um dos ícones do fotojornalismo. A primeira-ministra norueguesa tinha colocado a imagem no seu mural invocando liberdade de expressão, mas o algoritmo de Mark Zuckerberg não se compadeceu. A foto foi apagada do mural da primeira-ministra, de todo o seu gabinete, das páginas de jornais que o tinham publicado. E isso desencadeou um protesto. O diretor do Aftenposten, o maior jornal norueguês, escreveu uma carta aberta a Zuckerberg, dizendo que não lhe cabia o papel de super-editor. E o americano recuou, admitindo que a importância histórica da imagem justificava a sua publicação.
O New York Times divulgou pela primeira vez a imagem no dia 8 de junho de 1972. Os editores do jornal tiveram muitas dúvidas e uma forte discussão sobre se deviam ou não mostrá-la. O próprio fotógrafo, Nick Ut, hesitou antes de enviar a imagem para Nova Iorque. A fotografia de uma criança nua é a fotografia de uma criança nua, mesmo que possa ganhar um Pulitzer. «Esta foto nunca devia ter sido publicada», diz no seu livro No Caption Needed um dos maiores investigadores das relações entre sociologia e fotografia em todo o mundo, Robert Hariman. «Nesta imagem, as normas morais são postas de parte para invocar um propósito. Então a quebra de moral que existe na exposição daquela criança é suplantada por uma moralidade superior, uma dor inexplicável que não tem outra maneira de nos entrar em casa.» Traduzindo, Hariman diz que a fotografia de uma criança nua deixa de sê-lo para passar a ser a única forma de expressar a dor lancinante de um povo.
Mas será que a publicação desta fotografia era mesmo necessária para o mundo perceber o drama que se vivia no sudeste asiático? A pergunta é traiçoeira. Muitas vezes, a atitude mais nobre que existe no jornalismo é não mostrar. Não mostrar o corpo de uma criança que se afogou no Mediterrâneo, por exemplo. Não mostrar a dor de uma criança que se despe porque as roupas estão a arder, depois de um ataque inesperado. Percebo as dúvidas que os editores do New York Times tiveram antes de publicar aquela imagem brutal da tragédia vietnamita. E, na verdade, percebo que tivessem optado por pô-la na primeira página. Naquele caso, era a exposição cristalina dos efeitos de uma guerra cada vez mais suja, onde o recurso ao Napalm se tinha banalizado, com consequências graves sobre civis inocentes.
Percebo que a nudez desta criança é a vulnerabilidade de um povo inteiro. Um algoritmo do Facebook não percebe. E não pode ser o Facebook a editar o que devemos ver. Mas a imprensa tem essa responsabilidade. E é uma responsabilidade. Fotografias como esta, que parecem expor um ser humano, só se publicam quando o que está em causa é a defesa da humanidade. Não se publicam horrores só porque são impressionantes. Os cadáveres depois de um ataque terrorista, as decapitações de um grupo radical, pedaços de corpos que sofreram acidentes não servem para outra coisa que não seja chocar. São vazios de conteúdo, ao contrário daquele foto de uma criança nua depois de um ataque de Napalm. O Facebook não percebe isto. Nós devíamos perceber.