Equilibre o seu peso para sempre

Magda Gonçalves passou por elas desde os 5 anos, até perceber que usava a comida para lidar com questões na sua vida que iam muito além da fome. Em Vencer a Batalha com a Comida ajuda os outros a conseguir o mesmo.

Fome de amigos. Fome de inclusão. Fome de aceitação. Aos 5 anos, Magda Gonçalves era filha única e muito amada, mas não deixou de se sentir uma estranha ao entrar para a escola. De onde vinha aquela sensibilidade desmesurada? As meninas da sua idade brincavam em grupos e ela só queria voltar para o abraço da avó e dos pais. Temia ser gozada, criticada, ferida pelos outros. A comida tornou-se a sua melhor amiga e lá chegou o tempo em que pesava 115 quilos, continuando na mesma a morrer de fome emocional. Foi preciso bater no fundo para descobrir que comer é um espelho de como agimos noutras áreas da nossa vida, mais do que uma questão de força de vontade ou boa alimentação. No livro Vencer a Batalha com a Comida conta justamente como conseguiu o sucesso a longo prazo – há anos que se fixou nos 60 quilos – comendo tudo o que lhe dá prazer sem engordar.

«Lidar com um problema frustrante que nos causa medo, insegurança, incerteza, impotência, e sabendo que não dá para resolvê-lo no imediato, pode fazer-nos encontrar na comida algo para lá do seu valor funcional e nutricional», explica a coacher em Psicologia Alimentar, formada em 2014 no Institute for the Psychology of Eating (Colorado, EUA) e na Hawthorne University (Califórnia). No seu caso, foi logo na primária que se evidenciou a relação obsessiva que tinha com a comida. «Sentia-me um monte de banha, desajustada. Sabia que tinha de comer menos, mas o sofrimento só aliviava assim.» Passar a infância e a adolescência fora de Portugal também não a ajudou a enraizar-se: aos 9 anos, o pai foi trabalhar para a Suíça e a família deixou Lisboa; aos 11, mudaram-se para Norwich, Inglaterra; aos 13 seguiu-se Londres, onde viveu e trabalhou na área dos eventos corporativos até regressar a Portugal, em 2006.

Aos 36 anos, 31 dos quais em luta com as suas próprias oscilações na balança, Magda já se odiou. Achou-se uma falhada, indigna de amor, um nojo, como ela própria dizia, procurando denegrir-se. Não percebia que quanto mais se focava no alívio imediato da comida, menos notava o que a magoava. E então comia de novo, distraindo-se dos verdadeiros sentimentos, incapaz de quebrar o círculo vicioso. Por muito peso que perdesse – e perdeu-o várias vezes: 20, 30, 40 e até 57 quilos –, voltava a engordar e àquela eterna ansiedade. «Sempre que emagrecia sabia ser uma questão de tempo até engordar outra vez. Pensei em suicídio e aí decidi procurar as causas deste inferno.» Descobriu-as numas férias com o marido aos EUA, em 2011, no centro de tratamento de distúrbios alimentares Rosewood Ranch, no Arizona. Foram as seis semanas mais difíceis da sua vida, mas também as melhores.

«De repente dizem-me que está tudo errado, posso comer o que quiser, e eu só pensava: “Meu Deus, estão doidos! Vou ficar com 300 quilos!” Cada vez que me sentava à mesa era uma tortura: estava a ir contra tudo o que eu achava que funcionava para mim. Cheguei a comer bolo de chocolate a chorar, tal o medo de não conseguir parar.» Só assim Magda aprendeu que comendo as suas coisas preferidas com controlo, planeando, reduzia drasticamente a necessidade de se exceder. «Frutos que deixam de ser proibidos tornam-se menos apetecidos. O que faço agora é analisar as ligações entre a mente, o corpo, a alimentação e o modo como os aspetos sociais, emocionais e culturais da vida influenciam o metabolismo. Ajudo as pessoas a entender os motivos da sua insatisfação com o corpo e da relação problemática com a comida, num processo que visa eliminar os ciclos de aumento e perda de peso, com toda a carga negativa que isso lhes traz.»

Primeiro, elabora um plano alimentar único, de raiz, tendo em conta horários, intolerâncias, vida familiar, necessidades físicas, emocionais, gostos: se o paciente odeia aveia ou couves-de-bruxelas, por alma de quem vai ter de comê-las? Depois, há umas poucas regras não negociáveis: seguir o plano à risca; não saltar refeições; incorporar uma fonte de proteína de cada vez que se come (pode ser peixe, carne, ovo, frutos secos, um batido proteico); acreditar que vai funcionar e trabalhar por isso. «Se a pessoa quiser, pode comer chocolate todos os dias: é uma questão de programar e ritualizar o momento para não sentir culpa.» Caso sinta um desejo incontrolável (um craving), pode fazer um pedido de ajuda e mandar-lhe um e-mail, ligar a um amigo, escrever no diário: no fundo, usar as ferramentas que lhe são ensinadas para resistir àquele pico.

«Se ao fim de 20 minutos ainda quiser bolachas, então vai comê-las à vontade, mas com muito maior probabilidade de se ficar por três ou quatro, em vez de devorar o pacote», garante. O que comemos é apenas metade da nossa relação com a comida. «Aos poucos percebemos ser capazes de controlar o que supúnhamos incontrolável, sem privações que nos levariam a consumir em demasia mais tarde.» E os trabalhos de casa ajudam imenso, diz. Que medos é que tenho: de perder o emprego, ficar sozinho? Algum ressentimento? Um namoro antigo ainda a ocupar espaço que já não queríamos que tivesse? «É preciso aprender a digerir também essas situações para não acabarmos a digerir comida extra.» Há toda uma lavagem cerebral, no bom sentido. «Levámos muito tempo a desenvolver um comportamento compulsivo inconsciente e isto é um reformatar de disco rígido do nosso cérebro.»

A ESPECIALISTA ACONSELHA

RECONCILIE-SE COM O CORPO.
A gordura que possamos ter a mais, segundo os ideais ditados pela sociedade, tem muito pouco a ver com o nosso valor como pessoa. Uma postura de respeito por nós passa por adotarmos hábitos saudáveis, que nos deem prazer e nos façam sentir a nossa beleza e força interior. Não temos de gostar de tudo no nosso corpo, mas podemos na mesma cuidar dele.

FAÇA O QUE LHE DÁ PRAZER
Quanto mais nos privamos diariamente do prazer, mais o nosso desejo por ele se intensifica. O processo de recuperação através da Psicologia Alimentar permite-nos ir muito além da mera dieta, assumindo a confiança, poder pessoal e autonomia emocional para enfrentar qualquer situação na vida sem ativar comportamentos compulsivos.

A COMIDA NÃO É O INIMIGO.
Desenvolvemos distúrbios alimentares e adições como um escape à dor causada pelas nossas emoções, daí o problema não ser a comida e sim a disfunção social e de sentimentos. Quanto mais pensarmos e acreditarmos que já somos quem desejamos ser, mais essa versão de nós mesmos se tornará realidade. A ação intencional é o que desarma as crenças limitativas baseadas no medo.

E SE FALHAR?
A mudança de hábitos é um caminho de avanços e recuos, que se faz por etapas até que o novo hábito seja integrado e as recaídas possam ser encaradas como normais, nunca como erros fatais. Escorregar não é falhar. É uma oportunidade de aprender mais sobre nós mesmos, criar novas rotinas e comprometer-se com elas todos os dias para mudar a forma como pensamos acerca dos alimentos.

Vencer a Batalha com a Comida
Magda Gonçalves
Ed. Matéria-Prima
198 páginas
15,80 euros