No início de mais um ano letivo, pusemos frente a frente a professora de uma escola pública e a outra de um colégio particular. Descreveram experiências, debateram ideias – e no fim até concordaram uma com a outra.
É um dos maiores dilemas dos pais e um assunto que neste ano levou milhares de portugueses à rua. A batalha entre escolas públicas e privadas é antiga e, nos últimos meses, foi reacendida quando o governo decidiu reduzir os apoios financeiros que dava aos estabelecimentos particulares para receberem alunos da rede estatal. Os defensores de uma e de outra voltaram a debater se a escola privada é para ricos e a pública para pobres.
No início de mais um ano letivo, pusemos Sofia Martins, professora de História de um colégio, e Sofia Lourenço, que ensina Matemática e Ciências Naturais numa escola pública, a falar do melhor e do pior de cada um dos lados da barricada.
«Trabalhar na escola privada dá-nos mais segurança. Não vivemos na incerteza de não ter colocação», garante Sofia Martins, de 41 anos, que dá aulas no Colégio Sagrado Coração de Maria, em Lisboa. «Sim, isso é verdade», admite Sofia Lourenço, de 37, da Básica de Conde de Oeiras, desabafando: «Nunca sabemos se temos emprego no ano seguinte.» Agora sente-se mais segura porque é do quadro, mas nos seus 14 anos como professora mudou seis vezes de estabelecimento. Entre os mais de 1500 alunos que lhe passaram pelas mãos já teve bem-comportados e rebeldes, portugueses, do Leste Europeu, de Angola, do Brasil. «É uma das vantagens da escola pública. Há contacto com várias realidades.» E, sem hesitar, dispara: «Já no privado há uma seleção de alunos.» A colega do Sagrado não nega que o meio social, cultural e económico dos colégios possa ser diferente, mas não aceita a ideia de que no setor particular só há famílias e meninos perfeitos. «Também há dramas familiares e pais com dificuldades em pagar.» Sofia Martins aproveita, aliás, para desmistificar uma outra ideia. «Ao contrário do que se pensa, os professores do privado não ganham melhor do que os outros.» A colega confirma.
Apesar de pertencerem a dois lados opostos, ambas compreendem que o Estado só pague ao privado quando não há vagas no público e defendem que a violência não é exclusiva de nenhum local. «Nas públicas há uma violência mais física, parece-me», diz a professora do privado, acrescentando: «Nos colégios há mais controlo e quando não há aulas os tempos livres são ocupados.» A outra Sofia acrescenta: «No público os conflitos saem para fora da escola.»
Diferente, considera a Sofia da escola estatal, é a «liberdade de ensino». «Podemos usar vários métodos pedagógicos, ou seja, distintas formas de ensinar. No privado são mais pressionados a seguir uma certa linha. Trabalham mais para as médias.» Mas a Sofia do Sagrado – que adora a equipa de professores com que trabalha – rejeita a ideia de que os colégios favoreçam os alunos sem mérito e garante que também ela gosta de os pôr a pensar: «Dentro dos critérios definidos temos liberdade.»
«Mas podem não fazer testes, por exemplo?», questiona a colega do público. «Podemos, desde que definido», explica a professora do privado. «Nós até fazemos testes sem marcação», alega a outra. «Pois, isso não», conclui a do particular, considerando que esta calendarização anual dos testes é uma das vantagens do privado. «Há mais rigor nas questões logísticas, o que ajuda muito as famílias.»
Mas, afinal, onde se aprende melhor? Há de tudo, num e noutro lado, garantem as duas: «Há ótimos professores nas públicas como há nas privadas.» O mais importante para o sucesso, concluem, é a população escolar, os alunos, os pais, o meio. A prova são as escolhas que as Sofias fizeram para os dois filhos de cada uma. Os gémeos de 10 anos da professora do colégio estudam num estabelecimento público e os filhos, de 2 e 3, da colega da estatal, estão num privado.
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SOFIA MARTINS, 41 anos, começou por trabalhar como guia no Panteão Nacional, mas em 2002 foi dar aulas de História e de História de Arte para o Colégio Mira Rio, em Lisboa. No ano seguinte mudou para o Sagrado Coração de Maria, onde hoje leciona História aos 2.º e 3.º ciclos e também ao secundário.
SOFIA LOURENÇO, 37 anos, é professora de Matemática e de Ciências Naturais do ensino básico. Dá aulas há 14 anos, tendo começado a sua carreira numa escola de Montemor-o-Novo, no Alentejo. Hoje, integra o quadro do Agrupamento Conde de Oeiras, onde «se sente muito feliz».
Apesar de pertencerem a dois lados opostos, ambas as professoras compreendem que o Estado só pague ao privado quando não há vagas no público e defendem que a violência não é exclusiva de nenhum.