Dançar

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De todas as operações conhecidas da CIA, entre as ridículas e as tenebrosas, há uma que se destaca, pelo facto inusitado de a arma usada ser a música, mais concretamente o jazz. Foi um programa criado em 1968, depois do falhanço da Baía dos Porcos e da operação Northwoods. Esta última parece mais uma absurda teoria da conspiração do que um projeto factual: foi recusada por John F. Kennedy e tinha por objetivo organizar e cometer, dentro das fronteiras americanas, diversos atos terroristas, entre sequestros, atentados bombistas, sabotagens, etc., atribuindo as culpas a Cuba e justificando assim uma possível invasão – estes documentos foram tornados públicos em 1997. Mas já no final dos anos sessenta, a CIA criou o programa Jazz Ambassadors, em que se pretendia, através da música, melhorar a perceção internacional que se tinha dos Estados Unidos da América, que era especialmente negativa.

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Organizaram-se diversos concertos do outro lado da Cortina de Ferro, com vários talentos do jazz, incluindo Satchmo (Louis Armstrong), Benny Goodman, Dizzy Gillespie e Duke Ellington, entre outros. Os músicos negros eram os preferidos para mostrar ao mundo que, afinal, os americanos não eram racistas. Genuinamente, acreditaram poder, com este programa, vencer a Guerra Fria, evangelizando uma juventude de Leste que ouvia música erudita mas tinha pouco contacto com outros géneros musicais, especialmente o jazz. Este facto parece-me uma das ideias mais fantásticas da humanidade: pretender conquistar o mundo através da música em vez de, por exemplo, fazer explodir Hiroxima ou invadir o Iraque. A música tem um enorme poder transformador, quase imediato, é uma das únicas artes, senão a única, capaz de nos fazer mexer o corpo, de nos fazer dançar, provocar a catarse ou o êxtase. E não tem sequer de ser de qualidade para o conseguir. Uma pintura de Van Gogh não nos põe a dançar, mas uma canção, por pior que seja, é bem capaz de o fazer. O programa americano pode ter falhado, o muro só viria a cair muitos anos depois, mas a esperança, ainda que utópica, não deixa de ser maravilhosa: a possibilidade de uma guerra poder terminar num baile em vez de com a explosão de uma bomba de hidrogénio.

(Ilustração de Afonso Cruz)

[Publicado originalmente na edição de 11 de setembro de 2016]