Em 1999, Paula Coelho mudou-se para Portugal. Nos EUA estava habituada a fazer mil e uma coisas de algodão, por cá encontrou um vazio nas artes criativas. Queria materiais e ferramentas, não havia. Queria locais onde comprá-los e não havia. Por isso abriu ela um espaço que é uma referência nacional para os amantes do «faça você mesmo». Nem os estrangeiros lhe resistem aos encantos.
Paula teria uns 7 anos quando deu conta da destreza manual que a prendeu para o resto da vida. «A minha mãe era dona de casa, fazia as gravatas da Loja das Meias para ganhar um extra e deixava-nos aplicar, a mim e aos meus irmãos mais novos, os triângulos de entretela e tecido para a ajudarmos.» Algumas vizinhas, deliciadas com o jeito da garota, ensinaram-na a fazer crochet e a bordar: que linhas, agulhas, tecidos, pontos, efeitos, técnicas, truques. Então os pais quiseram tentar a sorte nos EUA em 1975. Foram viver para Filadélfia, onde toda a gente está familiarizada com o patchwork e há fartura de livros especializados, que ela devorava à falta de workshops e tutoriais na internet. Vislumbrou ali um caminho.
«Patchwork significa trabalho com retalhos e todos associamos isso às famosas mantinhas», explica a empreendedora, de 49 anos. Do mesmo modo que as senhoras em Portugal aprendiam a tricotar desde o berço, nos EUA criavam colchas para compor sofás, paredes, enxovais e até oferecer no dia da formatura, com tecidos de valor sentimental para o recém-graduado. «Antigamente era o aproveitamento de trapinhos que as pessoas faziam por necessidade, já que os panos eram caros e nenhum retalho se desperdiçava. Hoje é uma brincadeira de cores, em que cortamos os tecidos e os montamos de forma artística.»
Tanto testou cortadores, placas de base e réguas com marcações, os cortes cada vez mais precisos e rápidos, que em breve podia vestir-se da cabeça aos pés ou decorar uma casa só com o que confecionava, se lhe apetecesse. Era capaz de transformar quadrados de algodão em complexos padrões matemáticos, unidos e acolchoados pela técnica do quilting. Fazia carteiras, bolsas, malas, cortinas, almofadas, capas de livros, estofos de cadeiras, bonecas, saias, quadros. Quando não estava a estudar, a tirar o Curso Profissional de Secretariado e finalmente a trabalhar como assistente executiva numa multiótica – era o que fazia quando veio embora em 1999, numa sucursal em Palm Beach, na Florida –, andava entretida com o seu hobby. «Sou viciada nos tecidos», sublinha. «Fazem-me feliz.»
Ainda assim, sonhava em largar Filadélfia, onde se sentia uma estranha. Tentou Nova Jérsia por três anos, a Florida por mais três, mas a meta era Portugal. Retornar às origens mesmo não sabendo falar a língua. «O meu marido é português, começámos a namorar numas últimas férias que fiz cá e isso ajudou a decidir-me.» Sendo oficial da Marinha, não podia largar tudo e ir-se embora, então veio Paula. «Ainda procurei um emprego ao nível do que lá tinha, mas fiquei um ano e tal a trabalhar com o meu cunhado na loja de tecidos da família, em Alverca, por ser a única que percebia daquilo.»
Entretanto teve nova filha, engravidou da terceira e decidiu que ficaria com elas e o seu mais velho em casa, sossegada, a fazer patchwork. Ao descobrir que não havia lugar nenhum onde pudesse comprar os materiais necessários, ia tendo um ataque. «O país é conhecido lá fora pela qualidade dos seus algodões, exportamo-los e tudo, e eu não encontrava um único tecido de algodão? Não estava a acreditar.»
Foi aí que Paula Coelho decidiu colmatar essa falha no mercado. Arranjou um espaço no Laranjeiro, perto da Ponte 25 de Abril para ser acessível às duas margens. Grávida da mais nova, a outra filha por ali a gatinhar, fez sozinha todos os móveis: prateleiras de alto a baixo, o balcão principal, os adereços. A 30 de junho de 2001 abriu as portas da Arco-Íris a Metro, procurada por clientes de norte a sul e até do estrangeiro – sobretudo brasileiros, que aproveitam férias e viagens de negócios para lá passar com listas de encomendas. «Tive a Inês em setembro e ao fim de dois dias estava de volta com as miúdas, a interromper o atendimento para amamentar, sem parar a loja.» Também assegurava uma série de artigos de decoração feitos por ela – cortinados, colchas, tudo e mais alguma coisa de que se lembrava e as senhoras compravam – para conseguir manter a parte do patchwork. «Cortava à noite e ia fazendo as peças durante o dia, porque era isso que assegurava o rendimento.» Tinha conhecimentos nos EUA, facilmente encontrava fornecedores e importava materiais únicos – mais de 1300 tecidos de algodão, as bases, cortadores, dezenas de réguas para diversas técnicas, centenas de livros – e ainda artigos de costura, malha, tricot, bordados e outras artes. «Naquela altura eram poucas as pessoas que reconheciam valor a estas manualidades, tal como quase ninguém tricotava por achar que era coisa de avós.»
Só há uns seis anos é que Paula pôde largar a decoração e concentrar-se em definitivo no seu mundo de fantasia. Aos poucos, ajudou a abrir mentalidades – muitas das lojas e pequenos negócios que hoje existem são de pessoas que passaram pela Arco-Íris a Metro. Desde 2008 que organiza workshops pelo país: Porto, Leiria (onde nasceu), Aveiro, Figueira da Foz, Faro, Évora e muitos mais destinos. Em 2012 apostou em força no online para fazer produtos e promoções chegarem longe. No ano seguinte, além de se mudar para uma loja maior (a atual, quase ao lado da primeira), zangou-se com o facto de não haver livros de patchwork em português e escreveu o Brincando com Tecidos e Cores (Ed. Tuttirév).
«A brincar, já lá vão quinze anos.» Ela própria se foi adaptando: diversificou a oferta e estabeleceu que nas três aulas que dá por semana, cada aluno trabalha no que entender. «Antes poucos pegavam nas agulhas. Agora fazem vestidos, malas, patchwork e aprendem sem dar por isso ao executar os seus projetos.» Homens são raros: teve alguns em aulas de costura e workshops, mas são mais envergonhados. O que é uma pena, diz. «Sendo técnicos por natureza, ajeitam-se bastante bem.»
Ana Correia é uma das clientes que já perdeu a conta às compras na Arco-Íris a Metro. «Venho sempre aqui buscar rendas, fitas, tecidos, um bocadinho de tudo.» Nunca aprendeu a costurar, mas fez um vestido verde para o baile de finalistas da filha – o melhor da festa – e só tem elogios para Paula. Carolina Mira concorda: «Isto aqui é um mundo. Abri agora uma lojinha de arranjos de costura, no Centro Comercial do Feijó, e por mim levava tudo.»
FALTA DE JEITO NÃO COLA
Se lhe perguntarem qual a desculpa mais usada para justificar a inércia, Paula Coelho atira: «Não tenho jeito nem me atrevo.» Achamos que cosendo mal, o melhor é desistir. Que só alguém muito dotado faz coisas giras. «Há dias, uma senhora dos seus 40 anos trouxe a mãe na terceira aula, para lhe provar que tinha sido ela a fazer uma bolsa», lembra. Outra encomendou-lhe um vestido, disse que queria mais e foi um sarilho convencê-la de que ela mesma seria capaz de fazê-lo. «Acabou por vir tentar uma aula e saiu com o vestido pronto, só faltava a bainha.» Ao fim de duas semanas, já tinha quatro. «É muito gratificante ver as pessoas receosas de não estarem à altura da qualidade das mães e saírem daqui a rebentar de orgulho.» São pequenos milagres do dia-a-dia que a enchem de energia – Paula vibra tanto ou mais do que os alunos com estes feitos alegadamente inalcançáveis. «Costumo dizer-lhes que na costura, como na vida, não há impossíveis. É tudo uma questão de se aprender alguns truques que simplificam as coisas e saber usá-los nas alturas certas.»