Vinho e Mel

Notícias Magazine

Aqui há uns meses, muita indignação houve em torno da deliberação de um juiz, no caso de uma paciente cuja intervenção médica veio a resultar em graves prejuízos para a sua saúde física e mental, impedindo-a de ter uma vida normal, incluindo nessa vida normal, uma vida sexual plena e satisfatória. Dizia o juiz, justifi­cando a decisão de diminuir o valor da indemnização, que a vida sexual depoisdos50anosnãotinhaamesmaimportânciaqueavi­da sexual de alguém mais jovem.

A confusão entre aquilo que deve ser o exercício de uma sexua­lidade saudável e, sobretudo, livre e o exercício de uma sexualida­de que esteja ao serviço de uma moral religiosa, valida da apenas pe­la possibilidade ou capacidade reprodutiva dos intervenientes, ainda prevalece, mormente em países católicos e conservadores como o nosso. Depois da idade reprodutiva, o sexo já não tem tanto valor, porque a partir dele não pode ser gerada vida. Esta linha de pensa­mento é especialmente gravosa para as mulheres, que terminam a sua vida reprodutiva mais cedo do que os homens. É ainda mais preocupante quanto insidiosa, porque acaba por ser demonstra­da mesmo nas acções de muitos dos que dizem não professar essa linha de pensamento.

E é aqui que entra Madonna. Nunca fui fã do seu trabalho. Não por qualquer embirração com a sua proposta musical, mas porque a pop que sempre trabalhou nunca me cativou, preferin­do uma mais próxima do formato clássico de canção, como a dos Beatles, por exemplo, e com uma imagem menos trabalhada, ou que parecesse menos consequente do que a ditadura da imagem da pop moderna. No entanto, sempre gostei de Madonna precisa­mente por ousar quebrar estereótipos e convenções do que deve­ria ser a pop, uma cantora, uma mulher no mundo artístico e uma mulher, no sentido lato da palavra. Ao longo de mais de 30 anos, Madonna envolveu-se em inúmeras polémicas em torno da sua nudez, da assunção de uma sexualidade desinibida, forte, domi­nadora, de uma postura de mulher independente, com poder e com ideias claras acerca de si e do seu destino.

Hoje, aos 56 anos, continua a provocar o status quo, trazen­do à discussão pública um dos últimos tabus praticamente «vir­gens» da sociedade ocidental: a ideia do que deve ser a conduta e postura de uma mulher após os 50 anos. Começando pela ideia do que deve vestir, ou do que é «apropriado para a idade» (um absurdo se se pensar que um corpo saudável de 50 anos pode ser mais inte­ressante visualmente do que um corpo de 20 anos mal cuidado), se­melhante a outra ideia igualmente perniciosa e absurda que é a do que é «apropriado para uma mulher vestir depois de ser mãe».

Estas ideias feitas mais não são do que uma tentativa de apri­sionamento da mulher e da sua liberdade de acção e de expressão, tornando-se mais visíveis e impiedosas à medida que envelhece e que o seu «valor reprodutivo» diminui.

A reacção ao beijo de Madonna a um rapper de 28 anos de­monstra bem o quanto ainda precisamos de ponderar acerca dos estereótipos relacionados coma idade e com a sexualidade femini­na. A ideia de que uma mulher pode ser sensual ou sexualmente in­teressante depois de uma certa idade ainda é um tabu. A sensação de que as mulheres têm um prazo de validade, de que a sua vida se­xual termina depois dos 50anos,tem de ser combatida, porque não é verdade.

Procurem o nome Baddie Winkl e evejam as fotos que tirou, aos 86 anos, para uma campanha de uma marca de fatos de banho. Ou o de Sarah-Jane Adams, uma designer de jóias transformada em it-girl pelas fotos que publica no seu Facebook e Instagram e que mostram uma mulher em plena posse da sua beleza e sensualidade aos 59 anos.

Ao adágio que diz que os homens são como o vinho, ficando melhores com a idade, contraporia o de que as mulheres são como o mel: não têm prazo de validade.

ANA BACALHAU ESCREVE DE ACORDO COM A ANTIGA ORTOGRAFIA
26-4-2015