Calçado seguro e confortável para os primeiros passos das crianças. Foi o que tentaram fazer Margarida Roseiro e Carla Mendes quando criaram os moleke. O negócio destes sapatos feitos com amor até à sola tem crescido como os pés dos bebés: firme, equilibrado e confiante na marcha. Para evitar escorregadelas.
Todas as noites, durante os primeiros meses de vida da filha mais nova, Carla Mendes julgou que enlouquecia de tanto pensar. A bebé crescia, dava mostras de querer elevar-se, ensaiava os primeiros passos. A mãe vasculhava lojas, esquadrinhava a internet e arrepelava os cabelos frustrada por não lhe encontrar uns sapatos estáveis e moles, ao mesmo tempo adaptados à curva do pé gorducho, mas também giros e pouco convencionais – nada do típico calçado dos bebés, que ou não tem sola ou dá ares de ser ortopédico. Um dia, mandou vir um par dos EUA. Esperou três meses para receber dois sacos enormes, a anos-luz do que tinha encomendado online. Restava-lhe chorar ou agir. Foi quando se juntou à amiga Margarida Roseiro para criarem a Moleke e os moleke: uma espécie de mocassins para pequenos índios modernos.
«A procura dos sapatinhos para a minha filha Inês coincidiu com uma fase em que queria fazer algo diferente da área de eventos e comunicação», diz Carla, 39 anos, formada em Marketing e Publicidade. «Trabalhava nisso há 14 anos, sentia necessidade de mudar. E a verdade é que tudo aconteceu em paralelo num momento de viragem, parece que era a altura certa.» Talvez o ímpeto fosse diferente se estivesse sozinha com a sua curiosidade incansável: no mínimo, a Moleke seria outra coisa qualquer, com outro nome. Mas conhecia a sócia vai para 15 anos – os maridos são amigos há muito e trouxeram-nas para a vida uma da outra, além de serem todos vizinhos em Oeiras. «Pensei logo nela para dividir a ideia, não podia fazer isto com mais ninguém. O projeto é a nossa cara. Nasceu das duas com a mesma força.»
Margarida Roseiro confirma que o seu mundo deu também uma volta saborosa no ano passado com os mocassins artesanais que ambas concebem e reinventam até à perfeição. «Sempre fui muito plástica. Tenho uma marca de acessório e roupa desde 2002, a Mimimoon. Adoro fazer coisas bonitas, meter as mãos na massa e criar segundo as emoções do momento», explica a designer de joias de 35 anos, particularmente sensível aos pormenores graças à experiência em fotografia e joalharia. Ter filhos rapazes em casa, um de 12 anos, outro de 10, não lhe deu tantas dores de cabeça como a Carla: resolveu a questão dos primeiros passos com sentido prático e meias antiderrapantes, até precisarem de sapatos mais robustos. «Era outra época, uma década faz muita diferença.» A única coisa que não mudou desde então foi a importância de os miúdos brincarem, experimentarem, mexerem. «Eles são terra-a-terra e divertidos por natureza. Os moleke tinham de refletir essa essência.»
Em fevereiro do ano passado a dupla criou oficialmente a marca, mas só em novembro, ao lançarem a página no Facebook, começaram a sentir que a Moleke avançava em força, depois da tormenta que foi afinar agulhas para porem tudo a andar. «Levámos imenso tempo até encontrar um fabricante que percebesse a nossa ideia e fosse capaz de lhe dar forma – uma empresa familiar no centro do país, com cinquenta anos de experiência em calçado, ótima a dinamizar a nível técnico», diz Carla, sem querer revelar o nome do parceiro nesta fase tão incipiente. Mais do que um projeto laboral de sucesso, qualquer uma delas encara os sapatinhos como outra das suas gravidezes: lenta a maturar, difícil de dar à luz e espantosa de viver passo a passo com amor de mãe. Serão sempre meninos aos seus olhos, a exigir cuidados e atenção permanentes.
«Muita gente diz que adora o nome e ficamos tão felizes! Porque até isso foi difícil, a última coisa que amadurecemos», diz Margarida, recordando as muitas folhas que encheram antes de o clique surgir. Um dia acordou assim, com o nome na cabeça. «Moleque é uma palavra africana que os brasileiros também usam. Significa menino – menino de criança, não de rapaz – e associo-a àquela capacidade que os pequenos têm de fazer traquinices.» Ainda lhes falta concluir o site para terem loja online em breve e crescerem além-Facebook. Segue-se a presença em algumas lojas de Lisboa e Porto já nesta coleção primavera/verão (preferem não adiantar quais enquanto decorrerem as conversações) e o sonho, um dia, de abrirem a sua própria loja física, onde poderão inventar toda uma vida em torno da marca. «Pensamos ter roupa infantil e outras coisas, sempre com a filosofia despojada dos moleke», adianta Carla, adepta de se dar passos pequeninos e seguros. «Somos como as crianças, crescemos aos poucos.»
De momento, disponibilizam quatro modelos de pele macia e tons naturais (classic, ballerina, royal e boots), do tamanho 16 ao 24, antiderrapantes e cem por cento portugueses, com franjas como os dos índios norte-americanos e laços para as meninas. O couro é respirável, a estrutura confortável: moldam-se à estrutura óssea dos pés em crescimento, o que os torna ideais para a iniciação à marcha. De resto, justificam as amigas, são já muitos os pediatras e podólogos que defendem que os sapatos mais apertados e rígidos, com um bom apoio de calcanhar, só fazem sentido a partir dos 2 anos (a idade que a Inês tem agora). «Até essa etapa, devem simular o mais possível o pé descalço e permitir-lhes andar à vontade para crescerem como deve ser.»
Os pedidos mais intensos chegam-lhes, curiosamente, da parte das mães – elas incluídas –, ansiosas pelo momento em que a Moleke fará calçado para adultos à imagem do dos miúdos: sapatos simples, irreverentes e de peles flexíveis, com cores que combinam com tudo e um look entre o étnico e o urbano para todos os gostos. «Muita gente sugere-nos fazer números maiores para uma tendência ainda pouco explorada em Portugal, mas muito comum lá fora: a do comfort clothing, em que uma pessoa recebe amigos em casa, ou está no chão a brincar com os filhos, e não quer usar pantufas nem o calçado da rua», diz Carla Mendes, incentivando os clientes a fazerem-lhes pedidos específicos dentro do género. «Também nos pedem os modelos com sola de borracha, algo que está em testes de protótipo final, porque os miúdos já não andam com os outros mas os pais querem continuar connosco.» Não há como uns moleke para se ter os pés bem assentes na terra.