Quando a terra treme – como aconteceu no Nepal –, o mar engole ou o terror ataca, muitas vítimas são resgatadas graças a cães especialistas em busca e salvamento. Nuno Paixão corre mundo a dar formação e a ajudar estes animais a fazer o que melhor sabem: salvar vidas.
Em 2001, quando o mundo assistia em choque às imagens do ataque às torres gémeas, no World Trade Center, em Nova Iorque, Nuno Paixão, 42 anos, estava lá, no centro dos acontecimentos. Era a primeira vez que trabalhava num cenário de catástrofe. «A minha missão era dar apoio a cães feridos e garantir os períodos de descanso dos animais. Desse tempo, lembro-me sobretudo da vontade desmesurada que toda a gente tinha de ajudar.»
Filho de um coronel da GNR e de uma empresária da indústria alimentar, nasceu e cresceu em Lisboa, mas as temporadas que passou na quinta da avó Berta, em Mangualde, cheia de bicharada – cães, patos, galinhas, ovelhas –, despertaram a paixão pelos animais. Quando chegou a hora de escolher a sério o que fazer quando fosse grande, não teve dúvidas: Medicina Veterinária. Formou-se em 1996 e a procura de mais conhecimentos e formação levou-o a atravessar o Atlântico e a mudar-se para os EUA, onde estudou na Tufts University, na Cornel University e na Colorado State University e especializou-se naquilo que mais o fascina: comportamento animal. Ainda em território norte-americano, dedicou-se à medicina de urgência e cuidados intensivos de cães de trabalho. Foi isso que o levou a estar no World Trade Center no dia em que o mundo mudou.
Nunca mais parou. No terreno, além de ajudar em resgates, é responsável por garantir o bem-estar e a qualidade de atuação de cães militares em ambientes de catástrofe (sejam desastres naturais ou guerras). Em agosto de 2005, ajudou a salvar dezenas de animais em Nova Orleães, no estado do Louisiana, EUA, após a passagem do furacão Katrina. «Não sei precisar quantos animais salvei. Sei que as várias equipas das VMAT, que são voluntários que vão para terreno sempre que há catástrofes e com quem trabalhei, movimentaram quase 17 mil animais», lembra o veterinário, que resgatou ainda animais selvagens.
«Houve muitos que escaparam do Jardim Zoológico de Nova Orleães e andavam pela cidade, e que eu ajudei a recolher. Um dragão-de-komodo foi encontrado a 400 quilómetros. Pesava uns 300 quilos… Foi assustador ver um monstro daqueles a olhar para mim!» Mas salvou também vidas humanas. «Lembro-me de uma família, pai, mãe e dois filhos, que estavam para ser resgatados do telhado pela proteção civil e a quem foi dito que não estavam autorizados a transportar animais no helicóptero. A família tinha um cão rafeiro que nem pesava 25 quilos… Recusaram ser transportados. A nossa equipa dirigiu-se ao local e acabámos por resgatar a família e o animal. Testemunhei esta situação e vivi muitas semelhantes».
É com orgulho que Nuno Paixão conta esta outra parte da sua vida. Ao seu lado, Jeck, um pastor-alemão de 8 anos, imponente no caminhar e no porte, que, mais do que cúmplice, é um parceiro inseparável no terreno. «É um cão de trabalho muito experiente. Sabe muito mais do que eu. Desde que nasceu, trabalha em ambiente hostil.» Jeck, deitado à entrada do Hospital Veterinário Central, na Charneca de Caparica (de que Nuno é proprietário, e onde regressa sempre que pode), movimenta-se de acordo com as ordens ditadas pela voz do dono. Brave, pastor-alemão de 2 anos, está agora nas mãos de Nuno a dar os primeiros passos para que, um dia, atue como Jeck. «Estou a treiná-lo para busca de pessoas que não querem ser encontradas.»
Israel, Afeganistão, Iraque, Costa Rica, são apenas alguns dos países onde o veterinário português já atuou, usando cães como agentes de segurança policial e militar. Não se deslocou até ao Nepal, recentemente atingido por dois terramotos, mas quis fazê-lo. «Equacionei ir, mas tinha outros compromissos profissionais a cumprir. Tenho acompanhado a atividade de colegas meus e sei que não têm lá apoio nenhum. O Nepal foge da minha área de atuação. Eu trabalho habitualmente no Médio Oriente, América Central e do Sul.» Colabora sobretudo com forças de segurança estrangeiras, nomeadamente o departamento de segurança e defesa norte-americano. Em janeiro de 2010, por exemplo, foi ao Haiti depois de um sismo de 7 graus na escala de Richter ter instalado o caos e a dor, em particular na capital, Port-au-Prince. «Quando somos projetados para cenários como aquele é tudo muito diferente. Não temos meios no terreno. Estamos dependentes da nossa capacidade logística.»
O veterinário português soma larga experiência em ambientes hostis e houve momentos em que temeu não regressar a casa. «A minha primeira guerra foi no Iraque. Vemo-nos no meio de forças que nem nós sabemos quais são… Felizmente, os portugueses são bem vistos lá fora.»
Para Nuno, que soma também pós-graduações em Segurança com Animais e em Medicina Tática, um cão é um elemento tão valioso como um homem e, por isso, já pôs em risco a própria vida para salvar um militar canino. «No Iraque, houve uma emboscada a uma aldeia e um dos nossos cães ficou preso debaixo de uma parede e foi preciso toda a unidade recolhê-lo e trazê-lo à base. Quando me perguntaram se podia ir dar apoio ao cão, disse logo que sim. Quando lá cheguei, havia tiros e explosões por todo o lado. Mas, no fim, olhar para o cão foi suficiente. Ainda hoje me lembro da felicidade estampada na cara daqueles militares.»
O amor pelos cães leva-o a viajar mundo fora, não só por causa das missões, mas também para partilhar com outros o conhecimento adquirido ao longo de vinte anos de carreira. «Já ensinei mais de quatro mil alunos, quer de formação superior quer de formação básica, em pelo menos trinta países.» O Brasil é o país onde mais frequentemente se desloca para dar formação e ensina ainda polícias, militares e bombeiros a garantir os cuidados de saúde e a qualidade de atuação e procedimentos de cães, em ambientes de catástrofe, de desastre, de guerra ou hostis.
Aprender e ser cada vez melhor está-lhe no sangue. Quis aprender mais sobre contraterrorismo e, por isso, está a tirar uma pós-graduação no Instituto de Ciências Policiais, em Lisboa. «Costumo pensar que, um dia, quando morrer, todos os meus pacientes vão estar à minha espera para o juízo final. E eu vou ter de justificar perante eles tudo o que fiz e não fiz, e que só mais tarde aprendi.»