Não confunda um ataque cardíaco com uma indigestão

Um atraso na assistência em caso de ataque cardíaco pode ser fatal. Por isso, é fundamental não desvalorizar os sintomas, sobretudo nas mulheres, que mais dificilmente os reconhecem e procuram ajuda. Quem o diz é o especialista britânico, que garante que, levando a sério a prevenção, pode baixar-se drasticamente a taxa de mortalidade associada às doenças cardiovasculares.

QUEM É KEITH FOX?
Antigo presidente da Sociedade Britânica de Cardiologia, é professor de Cardiologia da Universidade de Edimburgo e dirige o Programa Científico e Clínico da Sociedade Europeia de Cardiologia, da qual é fundador. Esteve em Portugal, na 5.ª edição do Congresso Novas Fronteiras em Cardiologia, organizado pelo Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte e pela Faculdade de Medicina de Lisboa.

A sua pesquisa centra-se nos mecanismos através dos quais se desenvolve a doença co­ronária. Quais são?
_Neste momento, estamos interessados em perceber as causas do ateroma e sobre­tudo em saber porque é que em algumas pessoas se dá a rutura das placas e noutras não. A nossa pesquisa está focada no pro­cesso inflamatório das placas e em conse­guir detetar precocemente a rutura das mesmas.

E o que é que já se descobriu?
_Alguma coisa. Sabemos que as placas que têm muita gordura são as mais suscetí­veis de romper quando estão inflamadas e que esta inflamação faz muitas vezes par­te de um processo inflamatório geral. Não é uma infeção, mas é como uma resposta a uma infeção. A nossa mais recente pesqui­sa desenvolveu um método de scan espe­cial que permite identificar quais as placas que estão em processo de rutura. A ideia é que se conseguirmos detetá-las podemos eliminá-las. É o que esperamos.

Os fatores externos têm mais peso do que os internos nas doenças cardíacas?
_Não é inteiramente verdade. É uma combinação da genética e do ambiente. O que não tínhamos percebido ainda é que os fatores externos podem «modi­ficar», ou seja, usando uma imagem fácil de compreender, ligar e desligar, os ge­nes. Portanto, genes e fatores ambientais ou estilo de vida «trabalham» juntos pa­ra o desenvolvimento das patologias car­díacas. Assim como para a sua prevenção.

Em Portugal, as doenças cardíacas são a prin­cipal causa de morte…
_Mas vocês, em Portugal, têm imensa sorte. Têm uma taxa de mortalidade mui­to baixa e é óbvio que têm uma dieta muito boa, além de um ambiente muito saudável.

Mas morremos muito de doenças do coração, apesar de todas as campanhas de prevenção. Se as pessoas levassem a prevenção mais a sério, consegue fazer uma estimativa de quantas vidas poderiam ser salvas?
_No Reino Unido, começámos numa po­sição má, com taxas muito altas de doen­ças cardíacas, e agora estamos perto dos níveis de Alemanha e França (não tão bai­xas como as vossas, em Portugal). A taxa de mortalidade associada a doenças do co­ração desceu sessenta por cento, em dez anos, no nosso país. Isto é fenomenal.

E como conseguiram?
_Metade do sucesso deve-se a mudanças no estilo de vida: deixar de fumar, melhor ali­mentação, mais exercício físico. A outra me­tade deve-se a uma mais eficaz prescrição e aplicação dos tratamentos: para a hiperten­são, para a hiperlipidemia [lípidos altos] e pa­ra as diferentes doenças cardiovasculares.

Quais são as armas mais modernas para lutar contra as doenças cardíacas?
_Muitas das armas de que já dispomos não são novas descobertas científicas – têm que ver com o controlo da hipertensão, da dia­betes, dos fatores de risco, ligados ao taba­co, à alimentação e ao sedentarismo. Mas há coisas novas e excitantes no horizon­te: maneiras de levar o corpo a reparar os seus próprios tecidos, encorajando as célu­las-tronco do organismo a fazê-lo. Sabemos que, se tivermos muitos fatores externos prejudiciais, estes mecanismos de repara­ção serão «desligados», por isso é funda­mental encontrar o ponto de equilíbrio.

O que é mais importante: prevenção e con­trolo dos fatores de risco ou a medicação e o tratamento?
_Os estudos epidemiológicos mostram que é metade/metade. É tão importante apostar na sensibilização das pessoas para que tor­nem mais saudável o seu estilo de vida como investir no tratamento adequado às patolo­gias associadas às doenças do coração.

Quais os sintomas de um enfarte do miocár­dio? Quando se deve ficar alerta?
_Gostaria de chamar a atenção para o quão importante é preciso estar alerta nas mulheres, porque muitas vezes estas não agem tão rapidamente como os homens. Os ataques cardíacos são a primeira cau­sa de morte em mulheres. Dores no peito, uma pressão no peito e uma falta de ar persistentes são os principais sinais de alerta.

E, nesse caso, o que deve fazer-se?
_ Apenas chamar de imediato o serviço de emergência [em Portugal, o 112].

E enquanto este não chega?
_O melhor é sentar-se calmamente, tal­vez tomar uma aspirina, e aguardar. Essas são as coisas a fazer de imediato. A pior coi­sa a fazer é desvalorizar, o que muitas pes­soas fazem, dizendo: «Deve ser uma indi­gestão.»

Isso pode ser fatal?
_Sim, não há que tentar substituir-se ao mé­dico, há que chamar imediatamente os ser­viços de emergência, que funcionam muito bem, regra geral, nos nossos países. O atraso na assistência pode mesmo ser fatal. No Rei­no Unido, montámos um sistema integra­do que, desde o momento em que alguém le­vanta o telefone para chamar o 999 até que tem a sua artéria aberta, para todo o país, são oitenta minutos. Não é muito tempo.

Em Portugal não será assim tão célere.
_Vocês têm um bom sistema. Podem fazê-lo.

Como deve organizar-se um serviço hospita­lar de cardiologia para otimizar a assistência na doença cardíaca aguda?
_Para nós, o essencial é ter um sistema inte­grado, para que as pessoas não fiquem con­fusas sobre onde devem dirigir-se e não tele­fonem simplesmente para o seu médico de família. No nosso país, o sistema de emer­gência, uma vez ativado, assim que recebe o doente começa a monitorização e envia ele­tronicamente cardiogramas e todos os re­gistos para o hospital, para que este possa fazer o diagnóstico e decida a abordagem. O doente não passa pelo serviço de urgên­cias, vai diretamente para o serviço de car­diologoa do hospital central da zona.

O diagnóstico é muito importante, mas…
_O diagnóstico é fundamental. Deixe-me dar-lhe um exemplo. Um paciente meu, há pouco tempo, estava a jogar golfe fora de Edimburgo, com amigos, e enquanto subia o campo, sentia dores no peito e pensou: de­ve ser indigestão. Um amigo que estava com ele, no entanto, disse: não, eu já tive isso, é um ataque cardíaco. E chamou o 999. Levaram-no diretamente para o hospital, o ataque car­díaco confirmou-se, e fez-se a intervenção, que agora é uma pequena incisão no pulso, através da qual passamos um tubo minús­culo para o coração e pomos um balão e um stent coronário para o abrir. Fui vê-lo, trinta minutos depois da intervenção, e ele já esta­va a sentir-se ótimo. «Tenho só este penso no pulso» – ele é escocês – «estava a jogar golfe e não acabei o round, posso ir acabar?», per­guntou-me. Não estou a inventar, isto acon­teceu. Fora de brincadeira, é fundamental levar a sério a prevenção secundária.

O coração é o nosso músculo mais frágil?
_ Sou cardiologista. O coração é o nosso músculo mais forte. A sério, o coração é in­crivelmente forte. Já pensou quantas ve­zes bate numa vida? É fenomenal. O cora­ção tem muitas reservas, é muito resisten­te e até alguém com um ataque cardíaco pode fazer uma boa recuperação e voltar a ter uma vida normal.

Que conselho daria aos portugueses para não terem tantos ataques cardíacos?
_A primeira coisa a fazer é mudar o que podem mudar e isso é: deixar de fumar; fa­zer uma alimentação saudável – e vocês têm a dieta meditarrânica, que é fantásti­ca, e acesso fácil a peixe excelente, vege­tais e fruta, nós devíamos imitar-vos –; fa­zer exercício físico; e controlar a hiperten­são, o colesterol e a diabetes.