
Não conhecem o International Consumer Electronics Show (CES)? Claro que conhecem a Feira Internacional de Eletrónica de Consumo, em Las Vegas, foi lá que foi apresentado o primeiro CD, em 1981, antes de a Sony e a Philips o comercializarem no outono de 1982. E em 1996 foi o DVD, e assim por diante. Por isso, todos os anos, sempre em janeiro, não falho o novo CES. Estou em Las Vegas, onde se mostram as novidades e as invenções que vão ser banais, poucos meses depois, entre o comum dos mortais. Quer dizer, não é que eu vá mesmo, mesmo, a Las Vegas, mas sirvo-me dos jornais, uma invenção do tempo em que nem havia ainda o estado do Nevada. Mas o que importa é que não falho um CES.
Neste ano, lá voltei a Las Vegas – comprei jornais no quiosque frente aos pastéis de Belém e fui para o Centro de Convenções de Las Vegas. Então, entre 6 e 9 de janeiro, sentei-me na esplanada do Centro Cultural de Belém, abri jornais e fui a mais um CES, como bom consumidor de eletrónica que sou. Quem quiser saber de tecnologia de ponta – tipo tablet Android 4.0 (2012) – pode largar já esta crónica, ficará desiludido com o que tenho para contar. Do que eu gosto é de invenções malucas. Antes de Las Vegas eu ia muito ao Concurso Lépine, em Paris, que frequentei quase desde o começo, em 1902.
Não conhecem o Concurso Lépine? Claro que conhecem, foi lá que foram apresentadas as lentes de contacto e a esferográfica. Ainda era no Grand Palais e as melhores invenções tinham medalhas e patentes gratuitas. Estas últimas permitiam combater as cópias piratas mas há controvérsia: as lentes de contacto e a esferográfica não foram inventadas por franceses. Aconteceu é que franceses as apresentaram mais tarde no Concurso Lépine e ganharam medalhas e a patente de originais. Mas, para justificar as minhas idas a Paris, testemunho que foi lá apresentado o triturador de legumes com manivela, medalha de ouro, 1931, que deu origem à empresa Moulinex (para ser inteiramente honesto, há que dizer que, em 1928, um belga tinha inventado o passe-vite). Resumindo e citando o filósofo Baudrillard: «O Concurso Lépine nunca inovou e com simples combinação de estereótipos técnicos constrói objetos com uma função extraordinariamente específica e perfeitamente inútil.»
Percebem agora por que troquei Paris por Las Vegas? Então, no CES deste ano, fiquei encantado com o cinto inteligente (smart belt). O cinto Belty alarga ou aperta por si próprio e encontra a zona de conforto sem preocupar o dono por ter de expandir–se (é, não nos iludamos, a tendência é essa, não o contrário…) para o buraco seguinte. Dir-me-ão: tanto trabalho para tão pouca inovação! Errado, a lógica destas feiras é fazer da própria invenção aquele moto-contínuo que nunca nenhum inventor conseguiu. Ora, o cinto há séculos que não mudava. Só o facto de mudar, mesmo inutilmente, já é uma invenção notável.
Mas o que mais me impressionou no CES 2015 foi, claro, o Rollkers. Impressionou-me e irritou-me também, tanto como a invenção do post-it. Eu era adulto quando este foi inventado (1974) e tinha jeito suficiente para o inventar, mas distraí-me. O Rollkers juro que me lembrava de inventá-lo de cada vez que andava na passadeira rolante dos aeroportos: «Que bela ideia vai aqui! Porque não uma passadeira rolante individual?!» Olhem, não patenteei e, nesta semana, um francês, sempre eles, apresentou em Las Vegas uns patins com quatro rodas por pé, uma bateria e um sistema de estabilização que prescinde da aprendizagem. Andando (tal como nas passadeiras), o Rollkers consegue o dobro da velocidade do passo comum.
A minha vingança é que o Rollkers venha a ter o êxito do smart fork que foi o ai-jesus do CES 2013. Era um garfo eletrónico que nos punha a comer devagar para nos facilitar a digestão. No CCB, à hora do almoço, reparei que toda a gente se servia de garfos antigos e sem manias.
[Publicado originalmente na edição de 11 de janeiro de 2015]