Quando uma mulher chega aos 77 anos em forma, como Jane Fonda chegou, passa a ter direito a dizer tudo o que lhe vem à cabeça. A rainha da aeróbica está de volta, a fazer um papel à sua medida num filme que se chama, curiosamente, A Juventude, e que lhe pode valer mais um Óscar. Numa conversa íntima, revela que já não salta como saltava, mas ainda faz caminhadas e explica como mantém a beleza que lhe permite ser a cara de uma marca de cosmética.
Jane Fonda está novamente na ribalta. E gosta disso. Tudo graças a A Juventude, do italiano Paolo Sorrentino. A eterna Barbarella está com 77 anos, mas os setenta dela são os novos 50. A mulher está em forma. O aperto de mão é bem firme, a voz é a mesma e não tem agentes ou publicistas atrás. É mesmo One Woman Show.
No terraço de um hotel de Cannes, em maio passado, encontrou-se com a imprensa internacional para falar de A Juventude, onde aparece apenas um pouco numa das cenas finais – e, por um pouco, leia-se… cerca de cinco minutos! Faz de atriz diva e é de tal modo categórica que a interpretação está no caminho para os Óscares – já lhe valeu o Hollywood Film Award de Melhor Atriz Secundária. Exagero? Judy Dench venceu o Óscar de Atriz Secundária ainda com menos tempo de ecrã em A Paixão de Shakespeare.
Além do filme de Sorrentino, que estreia a 10 de dezembro, Fonda esteve no ano passado em destaque na comédia Sete Dias sem Fim, de Shawn Levy (em Portugal, disponível apenas no circuito Home Cinema) e nas séries Grace and Frankie e Newsroom. «Estou a aparecer muito, é?» Mas logo a seguir lembra: «Isto não é um regresso, ok? Nunca me fui embora! Não era é tão chamada. Hollywood não gosta de dar papéis a velhas como eu! Sabe, energia nunca me faltou. Tenho tanta energia, que sorte minha!»
A Juventude é uma história de dois amigos na terceira idade (interpretados por Harvey Keitel e Michael Caine) que filosofam sobre a idade, as artes e a vida num hotel dos Alpes. Sobre isso, ela própria tira uma lição. «Quando temos paixão e curiosidade pela vida, a idade cronológica não interessa! Veja o meu exemplo: tenho a idade que tenho mas sou muito prestável e continuo com muita paixão pela vida. Uma das grandes manifestações do filme é aquele jogador sul-americano pequeno e gordo – parece que vai morrer. Mas quando lhe dão a bola parece outro! Afinal, ainda tem paixão. Ele é a grande metáfora do filme.»
O pequeno jogador é uma alusão maldosa de Sorrentino a Diego Armando Maradona. Maldosa é também, de alguma forma, a atriz convencida que Jane Fonda interpreta. «É um prazer fazer de diva. Coisa que nunca fui. Sempre fui uma atriz e nunca diria aquilo que ela diz a um realizador! Ela gosta de fazer uma entrada que dê nas vistas e eu nunca tive potencial para isso. Sempre fui uma pessoa com pouca confiança e não vou agora contar os porquês. É uma história aborrecida.»
Quando chegou aos 55 anos, deixou de entrar em filmes. Casou com Ted Turner, o patrão da CNN, escreveu um livro de memórias e não queria saber muito de cinema. Regressou aos 65, com Uma Sogra do Pior, ao lado de Jennifer Lopez, em 2005. «Já era velha, mas queria voltar a tentar. O Ted deu-me muita confiança e ensinou-me a rir, o que para mim foi determinante – tinha vindo de uma família em que o riso não acontecia. O que fiz nunca ninguém tinha feito: o regresso de uma mulher aos 65 anos para recriar uma carreira! Estava finalmente confiante!»
Se a personagem da diva é uma antítese da atriz na vida real, a mesma diva refere num dos diálogos do filme que a televisão é o futuro. Nem de propósito, a série que Fonda protagoniza com Lily Tomlin, Grace and Frankie, é uma das mais aclamadas do ano nos EUA. «O curioso disso da televisão é que quando comecei, no final dos anos 50, diziam que era o fim do cinema. Claro que hoje dizem que é a Net, mas não vai ser nada. Haverá sempre o amor pelo ato de ir para uma sala escura com amigos e ficarmos colados ao grande ecrã. O cinema será sempre uma experiência social! Mas também é verdade que os melhores escritores de cinema estão agora na televisão. Na televisão é possível um outro tipo de risco. O cinema é tão caro que não há hipótese de se tomarem riscos… Hollywood agora joga pelo seguro quando decide fazer um filme grande. Quando se arrisca algo temos de ir para a televisão, como aconteceu com a Grace and Frankie. Eu quis fazer algo sobre mulheres maduras… resultado: Netflix!»
O poder das mulheres é um tema querido para a atriz. Sempre que pode, a veia feminista começa a latejar. «Continuo a ser uma ativista pelos nossos direitos! Nos EUA é uma questão importante, ainda não temos direitos iguais… As mulheres ganham menos do que os homens! Espero que se a Hilary Clinton vencer algo possa mudar. Certas mulheres presidentes não fazem nada pelas mulheres e não estou a falar de Dilma, que desconheço o que tem feito. O meu ex-marido preferido, o Ted Turner, esteve com ela… Vou perguntar-lhe.»
Os amores e as paixões são também temas em que desagua com frequência em qualquer conversa. O jornalista bem pode fazer perguntas, mas ela continua a misturar temas se achar que tem alguma coisa de interessante para dizer Por exemplo: não tem problemas em reconhecer que já se apaixonou duas vezes por colegas atores. Não revela quem são, mas uns segundos depois, corrige: «Não diria que foi amor, foi mais um affair. Depois, claro, sempre fui uma apaixonada pelo Robert Redford, com quem trabalhei em três filmes, mas não aconteceu nada, porque ou eu estava casada ou ele estava casado.»
No fim da conversa, deixa um desabafo. A paixão pela vida está no pleno, mas viver todos dias cansa. Cansa muito. Não é uma tirada literária ou uma queixa. Ela sabe que é uma privilegiada. «O que cansa é ser uma empregada de mesa que vive das gorjetas e ter duas crianças em casa para sustentar. Na verdade, não é cansativo ser uma atriz de cinema. Só preciso de meditar. Comecei a meditar aos 70 anos depois de ter ido a um mosteiro budista durante oito dias. Mas não se pense que meditar é fácil. Dói muito.»
O SEGREDO PARA A BELEZA?
«VODCA MARTINI E NÃO FAZER DEMASIADAS PLÁSTICAS»
Aos 77 anos, é a mais velha das embaixadoras da L’Oréal – que tem caras como Irina Shayk, Laetitia Casta, Julianne Moore, Beyonce ou Cláudia Vieira. Como se sente neste papel?
_É tão divertido! Continuo a beliscar-me por continuarem a escolher-me! Sinto-me com muita sorte de ainda me contratarem. O que é engraçado é que há trinta anos eu não era percecionada como um ícone de moda, pois não? Aliás, eu estava a marimbar-me para a moda. Desato a rir quando vou aos eventos como «fashion icon»! Sinto-me bem a competir com mulheres com menos de metade da minha idade. Sou um exemplo para as mulheres mais velhas.
Há segredos para a sua beleza?
_Não fazer demasiadas plásticas e martini feito com vodca! Mas aqui em França não se consegue beber. Ontem estive num iate a jantar e pedi um! Serviram-me um pouco de vermute daquelas garrafas Martini. Os franceses só percebem de vinho. Estou ansiosa por regressar a casa. Quanto às plásticas, com aquilo que fiz, ganhei uma década. Outra das minhas regras: dormir sempre oito horas! Há dias saí de uma festa às 22h00 para poder dormir! Escrevi um livro sobre envelhecer bem e o mais importante, além de não fumar, é estar sempre ativa fisicamente. Em termos de fitness é óbvio que já não faço o que antes fazia. Tenho uma anca falsa, um joelho falso e o meu polegar também. Tenho muito metal. Sou uma mulher biónica. Ainda assim consigo fazer caminhadas e praticar pilates e ioga.
Mas acha que as plásticas podem ser um vício?
_Sim, podem…
É interessante perceber que gosta de brincar consigo própria. Na comédia Sete Dias sem Fim brincava com os implantes estéticos mamários…
_Esse papel da tipa com as mamas falsas foi divertido. Gosto de me rir de mim própria. Mas só agora… foi o meu ex-marido quem me ensinou.
CINCO DÉCADAS DE CINEMA E NÃO SÓ
BARBARELLA
1968
O marido na altura, o realizador Roger Vadim, convenceu-a a fazer um filme que ninguém imaginava que pudesse ser um veículo para uma atriz com o seu prestígio, uma excentricidade de ficção científica com glamourização erótica.
OS CAVALOS TAMBÉM SE ABATEM
1969
Um clássico de Sydney Pollack, com Jane Fonda a interpretar uma personagem que se bate numa desumana maratona de dança. Valeu-lhe a nomeação para o Óscar de Melhor Atriz.
KLUTE
1971
Justa vencedora do Óscar na pele de uma prostituta, numa parelha memorável com Donald Sutherland. Um thriller adulto e sólido de Alan J. Pakula. O corte de cabelo tornou-se mítico. Possivelmente nunca esteve tão bonita no cinema.
O REGRESSO DOS HERÓIS
1978
O filme que lhe deu um dos Óscares. Mensagem política contra a guerra do Vietname, Coming Home, de Hal Ashby, funcionou como objeto de agitação social. Fonda era, na altura, a maior estrela do cinema americano. Meryl Streep roubou-lhe o trono.
OS FAMOSOS VÍDEOS DE AERÓBICA
1982
A palavra aeróbica ganhou rasto com Jane Fonda. Em 1982 foi lançado o primeiro Jane Fonda Workout Video, inspirado no Jane Fonda Workout Book, em que a atriz ensinava exercícios físicos. O sucesso foi tal que os ginásios tornaram-se moda e começaram a seguir os seus planos de fitness. Era a febre das cassetes VHS e Fonda fez milhões de dólares. Ao todo foram lançadas 24 cassetes e seis DVD.
A MANHÃ SEGUINTE
1986
Uma ressaca filmada por um dos cineastas que marcou o cinema americano dos anos 1970 e 80, Sidney Lumet. Ao lado de Jeff Bridges, conseguiu outra nomeação ao Óscar numa interpretação onde expunha marcas do seu envelhecimento.