Não quero. Não posso. Não consigo. Não me apetece. Negar convites ou pedidos não é necessariamente má vontade, incapacidade ou preguiça. Pode ser apenas uma escolha lúcida para impedir que toda a gente mande nos nossos horários – menos nós. Largar a cegueira do «sim, senhor» e aprender a dizer «não», sem sentimento de culpa, é libertador. Sobretudo se for antes de perdermos a paciência.
Preciso de mais tempo para mim.» A frase é comum. E ouvimo-la (e repetimo-la?) muitas vezes. Na realidade, apenas demonstra falta de noção da raiz do problema. Não vamos arranjar mais tempo. Quando muito – e aí pode residir parte da solução – vamos arranjar forma de ter menos coisas para fazer. Mas para isso temos de aprender a dizer «não». A delegar. A estabelecer prioridades. A escolher. E sobretudo a pôr de parte o complexo do super-homem e da supermulher, achando que é sempre possível encaixar mais uma tarefa.
No consultório da psicóloga Catarina Lucas não faltam doentes cansados de se desdobrarem. «As exigências da sociedade atual têm vindo a complexificar-se, obrigando as pessoas a multiplicarem-se para lhes fazer frente», diz a psicóloga. «Isto acarreta um prejuízo da vida pessoal e muitas vezes familiar. Contudo, parece impossível deixar algumas das responsabilidades para trás.»
Família, trabalho, conjugalidade, amigos e compromissos sociais criam agendas lotadas. E ninguém espera pouco do próximo. Os níveis de exigência e competitividade que a sociedade reclama são elevados. Catarina Castro Lopes, psicóloga da Psinove, confirma-o. «Isto pode fazer que as pessoas se tornem também mais exigentes consigo próprias.»
E o ciclo perpetua-se: «As tarefas e os afazeres acumulam-se não deixando tempo nem espaço para parar ou desligar. Vivemos cada vez mais em modo “fazer” esquecendo muitas vezes o “ser” e o “estar”. E, por vezes, estamos tão absorvidos nas nossas obrigações e necessidades de produtividade, que desvalorizamos a nossa necessidade de lazer e de relaxar, sem culpa associada.»
Em vez de tentar operar o milagre da multiplicação do tempo, é importante reaprendermos o que qualquer criança de 2 anos faz na perfeição quando lhe dizemos que é hora de ir para a cama: dizer não. Convictamente. Mas a verdade é que temos medo de dizer não. Porque temos medo de ofender ou magoar alguém, porque temos receio de perder uma boa oportunidade, porque não queremos que nos achem egoístas ou mal-educados. Ou, simplesmente por hábito, somos compelidos ao «sim».Mesmo quando tudo em nós grita «não».
Dizer sim é mais fácil. Em casa evita os olhares gelados, a porta fechada com mais força do que o necessário, as respostas monossilábicas durante o resto do dia, o «não se pode contar contigo para nada!» No trabalho descansa o receio de se ser substituído por alguém mais disponível, evita os cochichos dos colegas e o mau humor do chefe.
«É a incerteza da reação da outra pessoa, ou o receio das consequências que leva muitas pessoas a dizer “sim” quando querem dizer “não”. Na realidade isto é bastante comum, sobretudo quando existe pouca assertividade, insegurança e uma baixa autoestima», diz a psicóloga Catarina Lucas. Quando falha a assertividade – enquanto estilo comunicacional que nos permite dizer o que pensamos sem ferir a suscetibilidade da outra pessoa –, a passividade instala-se e o «sim» é dito. «A assertividade é o intermédio entre uma postura agressiva e uma postura submissa que nos permite manter diálogos coerentes em que ambos os intervenientes se possam fazer ouvir. Quando esta assertividade falha, cai-se muitas vezes na passividade, o que leva a dizer “sim” quando se deseja o contrário.»
O senso comum parece dizer-nos que dar negas aos outros não é uma boa forma de fazer amigos, de vingar profissionalmente ou de manter a melhor das relações com o parceiro. Mas a verdade é outra: escolher bem aquilo em que gastamos o nosso tempo impondo limites a tudo o que é menos prioritário é o caminho mais curto para nos podermos focar e comprometer com o que mais importa. Além disso, evita conflitos… connosco próprios: «Ao dizer “sim” quando se quer dizer “não” para evitar um conflito externo acaba por se criar um interno, e isso não é bom para nós nem para as pessoas que nos rodeiam», diz Catarina Castro Lopes.
Muitas vezes, o que na realidade se passa é temermos as consequências do «não». «Na hora de dizer “não”, as pessoas fantasiam várias reações negativas de quem vai receber a recusa. Sentem medo do desagrado que podem causar e antecipam a culpa, a rejeição e o abandono», explica Catarina Castro Lopes. E é exatamente este tipo de pensamento que enfraquece a capacidade de, delicadamente, mandar alguém ir pregar para outra freguesia. Mas estes pensamentos podem ser enganadores. «Será que o “não” vai fechar todas as portas para o seu futuro, ou acabar com as suas relações?
Muitas vezes verifica-se precisamente o contrário. Quando nos afirmamos e impomos limites, os outros respeitam-nos mais, admiram-nos e sentem-se mais próximos de nós, pois demos a conhecer o que não estamos dispostos a permitir.»
Para quem não consegue dizer não, a vida torna-se um malabarismo diário. Tal como os artistas de circo estão focados em manter no ar, em movimento, todas as bolas que lhes passaram. Mas o espetáculo não pode durar eternamente e, inevitavelmente, alguma delas vão acabar por cair. Ou todas. Mesmo quando temos a ilusão de estar a ser eficazes no multitasking, estamos apenas a iludir-nos. «O cérebro é muito bom a iludir-se a si próprio», diz Earl Miller, neurocientista do Massachusetts Institute of Technology (MIT), citado pelo The Guardian. «O cérebro humano não é capaz de focar a atenção em duas ou mais coisas ao mesmo tempo. O que faz é mudar o foco de atenção com uma rapidez incrível», acrescenta o especialistas em atenção e atenção dividida.
Podia ser um mero engano e uma ilusão inocente, esta de nos julgarmos capazes de coisas que não somos. Mas não é. O trabalho acumulado e mal feito, a sensação de estar sempre dois passos atrás do que é desejável, as queixas dos outros e a falta de descanso levam que o desgaste e a frustração se instalem. E pode trazer implicações graves na vida pessoal e até na saúde mental.
«O tempo despendido na execução de todas as solicitações acaba por “roubar” tempo para o próprio, para atividades de bem-estar e lazer, para estar com a família ou apenas para estar consigo próprio», diz Catarina Lucas. «São cada vez mais frequentes nas consultas de psicologia os sintomas depressivos e ansiogénicos fruto desta sobrecarga, da pressão, da incapacidade para fazer face à adversidade que vai surgindo nos múltiplos contextos. E a perceção, por vezes errada, de que não se consegue estar à altura de todas as exigências pode conduzir a estes estados de sofrimento psicológico.»
Seguido ou não de justificações, o «não» é um direito que assiste a todos e que não devemos usar com contenção, sob pena de uma parte da vida canibalizar a outra. E, claro, é um direito de todos. Por isso, tão importante como saber dizer «não» é aprender a ouvir um «não» como resposta.
ASSERTIVIDADE PRECISA-SE
»Quem comunica de forma assertiva tem tendência a sentir um maior nível de bem-estar nas suas relações, demonstrando respeito por si próprio e pelos outros. Para quem procura afirmar-se e comunicar de forma assertiva, a psicóloga Catarina Castro Lopes deixa algumas dicas.
» Arrisque. Experimente dar a sua opinião mais vezes, reflita no que o(a) faz adotar uma postura mais passiva e utilize essa informação para ultrapassar alguns receios que possam existir.
» Respeite-se. Procure defender os seus direitos e interesses. Ensaie o seu comportamento. Treine o modo como quer agir e falar.
» Identifique as suas emoções e pensamentos. Tente perceber que pensamentos e emoções o(a) impedem de expressar o que necessita.
» Se sentir medo ou ansiedade, procure acalmar-se respirando profundamente e lentamente quatro ou cinco vezes a partir da região abdominal. Mantenha um tom de voz firme e pausado.
» Comunique da forma direta, aberta e honesta. Comunique o que quer dizer calmamente mantendo um tom de voz neutro e focando-se no conteúdo da sua afirmação, mesmo que a outra pessoa seja agressiva. Seja o mais direto possível e, se fizer sentido uma explicação adicional, apresente-a de forma curta e objetiva.
» Use o «eu». Comece as frase com expressões como «eu acho», «eu penso» ou «eu gostaria». Isto permitir-lhe-á assumir o controlo do que está a dizer e a transmitir que se assume responsável pelas suas opiniões e comportamentos.
» Através da linguagem corporal, procure mostrar confiança, calma e compreensão. Mantenha-se direito(a) e com os ombros ligeiramente puxados para trás.