Na Agência Espacial Europeia o professor Matt Taylor é o responsável pelo robô Philae e pela sonda Rosetta. Há dias, pela primeira vez um objeto humano pousava num cometa. Podíamos ver o milagre da sonda Rosetta – batizada em homenagem à pedra em que os homens modernos aprenderam a ler umas das suas civilizações maiores – e podíamos olhar o pousar do Philae – com nome da ilha do Nilo onde o sábio Champollion descobriu o obelisco que permitiu decifrar os hieróglifos. Passado sábio agora lembrado quando o homem desbrava o futuro. Eis o que acontecia de enorme na quarta-feira da semana passada: o professor Matt Taylor apontava-nos uma obra do homem pousando num cometa! E, no entanto, para onde olharam os tolos nesse apontar magnífico, histórico e científico? Para a camisa do professor. Esta é a história que melhor ilustra a frase batida: «Quando se aponta para a Lua, o tolo olha para o dedo»…
O britânico Matt Taylor, jovem, barbudo e tatuado foi o cientista chamado para falar da glória humana de cavalgar um cometa. Na sua página do Twitter, ele apresenta-se assim: «Trabalho na missão Rosetta na Agência Espacial Europeia. O que é bom», e fotografa-se com um grosso charuto – um homem feliz. No dia grande, apareceu com uma camisa feita por uma amiga, feita de alegria, cores de azul-bebé a roxo, com explosões de sóis cor de laranja e muitas mulheres de banda desenhada, olhos fatais, fartas de seios e generosas de anca. «Sexista!», gritaram os tolos nas redes sociais.
A questão é: como é que há quem decrete o que deve vestir um cavaleiro de cometas? A pesporrência do ignorante contemporâneo nunca deixa de me espantar. Ao ousado Edmond Halley, que avisou com meio século de antecedência, e já para depois de ele morrer, que um cometa haveria de voltar a passar em 1758, só por isso (quer dizer, só por lhe adivinhar a passagem, sem o cavalgar) batizaram o cometa com o seu nome. Um retrato de Halley, exposto na Royal Society, em Londres, mostra-o de camisa de seda púrpura – olha, próxima de um dos tons de Matt, se calhar, em matéria de camisas, há mesmo um padrão no gosto dos companheiros de cometas. Em todo o caso, e é aí que eu quero chegar, não se ouviu, na Londres do século XVIII, nenhum carroceiro a xingar: «Então não querem lá ver! O homem anuncia uma órbita de 75 anos pró-cometa e apresenta–se com uma camisinha daquelas?!» Não, ninguém refilou. Bons tempos em que se respeitava a divisão entre os sábios e os tolos.
Mas admitamos o direito moderno de todos se meterem em tudo e apreciemos a crítica sexista. Como se sabe, as pessoas do género do Matt dividem-se em seis categorias: homens que gostam de mulheres, homens que gostam de homens, homens que gostam de mulheres e de homens, homens que gostam de ornitorrincos (e/ou outras espécies) e homens que não gostam, ponto. O gosto do nosso físico Matt Taylor surpreendeu talvez por ser raro, gosta de mulheres. Sabemos desde o professor Tournesol, os cientistas são uma raça de originais. Matt Taylor gosta de mulheres. Proclamou-o na camisa. Vai daí, deita pedra na Geni!
Sorte teve o Albert Einstein. Houvesse já esta quadrilha do «que raio de originalidade é essa?!», ou o homem acamava a sua trunfa com brilhantina ou tinha de escolher entre a sua despenteada cabeleira e a teoria da relatividade. Isso faz-me lembrar que uma vez ao beijar a nuca de uma namorada espetei-me num gancho. Será que devo ir manifestar-me para a Sorbonne por ela ter acolhido Marie Curie, cujo carrapito me evoca uma dor tremenda?
Os cientistas devem ser postos na linha. Matt Taylor foi. Dois dias do Matt da camisa, ele apareceu de cinzento, pediu desculpa aos ofendidos e chorou. Foi um pequeno choro para um cientista mas um grande salto para a tolice. Os criadores bem podem chegar aos cometas, mas cá em baixo quem ainda manda são os eunucos.
[Publicado originalmente na edição de 23 de novembro de 2014]