A região tem despertado nos últimos anos o interesse de investidores que chegam de outras paragens. E não é apenas o vinho que os atrai. Alguns são estrangeiros com poder de compra e veteranos em gestão de empresas. Outros vêm de outras regiões do país e apostam em novos negócios. Há quem decida criar o seu próprio emprego e há quem faça grandes investimentos e crie condições para outros se fixarem.
João Carlos Paes Mendonça
PRODUÇÃO DE VINHO
DO RECIFE (BRASIL) PARA ARMAMAR
João Carlos Paes Mendonça (na fotografia acima) foi dono da terceira maior cadeia de supermercados do Brasil. Vendeu-a e agora tem uma rede de 13 centros comerciais em algumas cidades do Nordeste, sete emissoras de rádio, um jornal, uma estação de televisão e alguns investimentos na área do imobiliário.
Ter um negócio no Douro, que conhecia ligeiramente, surgiu da necessidade de «ter alguma coisa para matar um pouco o tempo» quando viesse passar uns dias ao apartamento que possui em Lisboa. Um périplo pela região, em 2011, levou-o à Quinta da Fonte do Toiro, na Folgosa do Douro, Armamar. «Fiquei empolgado. Mais pela emoção do que pelo negócio em si, decidi comprá-la.»
A dimensão da propriedade – 140 hectares, 70 dos quais com vinha e 14,5 com olival –, a localização e a paisagem que dali se desfruta pesaram na decisão. Desde então, reconverteu as vinhas, melhorou a adega e fez algumas intervenções. Até o nome foi mudado. Agora chama-se Quinta Maria Izabel, em «homenagem a todas as mulheres brasileiras». Sobre o que já gastou guarda, por enquanto, segredo.
«O nosso objetivo é produzir vinhos do Porto e de mesa, bem como azeite, de grande qualidade e que seja diferenciador», diz o empresário de 76 anos. «Uma boutique onde tudo é “costurado” à mão por pessoas e não uma fábrica de produção em massa.» Este é o conceito que pretende implementar no local. Para isso, está a ser dada grande atenção à vinha para que depois o trabalho fique simplificado na adega. Os primeiros vinhos da quinta sairão para o mercado no primeiro trimestre de 2015: DOC Douro (tinto reserva, rosé e branco) e um porto vintage. Portugal e o Brasil, onde conhece bem o mercado retalhista e as preferências do consumidor, serão os mercados prioritários, mas tudo vai depender da demanda. A Europa e Angola são outros alvos.
Joaquim Moreira
PRODUÇÃO DE AZEITE
DO PORTO PARA VILA FLOR
Joaquim Moreira (na fotografia acima) começou a trabalhar no ramo têxtil aos 19 anos. Hoje, aos 48, tem unidades de produção de malhas e laboratórios na Trofa. Mas, apesar de empenhado naquele mercado, em 2006 começou a sentir necessidade de desenvolver um projeto ligado à terra, que trouxesse «alguma calma e equilíbrio» à sua vida. «O têxtil é uma atividade muito desgastante, que obriga a muitas viagens, a muito improviso e stress.»
O azeite foi uma escolha natural, «por gostar dele, adorar oliveiras e todo o significado dos dois ao longo de milhares de anos». Nunca teve qualquer ligação à agricultura mas meteu-se de cabeça com a ambição de produzir «o melhor azeite do mundo». Chamou-lhe Acushla.
Teria muitos locais onde se instalar em Portugal, mas decidiu-se por Trás-os-Montes, «a zona onde é mais difícil produzir mas de onde saem produtos maravilhosos». Demorou meio ano a encontrar a Quinta do Prado, em Vila Flor. Onze hectares de olival antigo e os outros 225 povoados por eucaliptos, que arrancou e substituiu por oliveiras novas para produzir azeite em sistema intensivo biológico.
Em 2013, construiu um lagar na quinta, que este ano já ampliou. É que, além da produção própria, também começou a comprar azeitona de agricultores da região. E outros olivicultores procuram o lagar de Joaquim Moreira para produzir azeite próprio. Com a evolução do negócio, lançou uma segunda marca, AZ Douro. Ao todo, quando estiver a produzir na máxima força, poderá lançar para o mercado 600 mil litros de azeite por ano.
A experiência na área têxtil trouxe-lhe mais–valias que está a aproveitar para a comercialização do seu azeite gourmet, premiado em vários concursos internacionais. Orgulha-se de «para já, não haver dificuldade de comercialização» e espera que assim continue, já que é preciso rentabilizar os mais de cinco milhões de euros investidos. Criou seis empregos fixos e recruta cerca de dez pessoas por mês para trabalho sazonal. Para já, não pensa deixar o negócio da roupa, mas «talvez dentro de dez anos possa dedicar ao azeite 80 por cento do tempo».
Bárbara Fráguas
COSMÉTICA
DO PORTO PARA MIRANDA DO DOURO
Todas as dez burras de raça mirandesa que fornecem o leite com que Bárbara Fráguas (na fotografia) manda fazer dez toneladas anuais de sabonetes têm nome: Cleo, Guigui, Heidi, Freineda, Índia, Isca, Faceira, Carocha, Avela e Verga. Mas não precisam que as chamem para correrem até à cerca assim que veem a dona.
É em Atenor, Miranda do Douro, que desde 2009 se desenvolve o projeto da Tomelo (o nome da empresa vem da designação local do rosmaninho) que junta ainda o empresário Jorge Lira e a empresa Contudo, no Porto. «É um projeto que nos interessa economicamente mas também contribui para salvaguardar a raça asinina de Miranda do Douro», diz Bárbara, 43 anos.
A linha de cosmética começou com sabonetes de leite de burra de aromas como mel, azeite ou lavanda. Depois avançou para os cremes e, graças a uma parceria com o projeto Lhana, de Duas Igrejas, também em Miranda, lançou recentemente um sabonete envolvido em lã de ovelha, que funciona como esfoliante. A venda «está garantida» em lojas gourmet e de produtos regionais e, ainda que em pouca quantidade, em vários países da Europa onde há emigrantes.
O leite é extraído por ordenha manual quando as crias já são capazes de se alimentar e não dependem exclusivamente das mães. Cada burra pode garantir diariamente um litro e meio de leite, durante dois ou três meses. Depois é pasteurizado, congelado e transportado até uma unidade de produção de sabonetes em França. Chegam a Atenor em bruto e o restante processo é feito cá.
A grande ambição de Bárbara «é que todo o ciclo possa um dia ocorrer no planalto mirandês e criar postos de trabalho». Para isso já têm projeto aprovado no lote que compraram na zona industrial de Vimioso – pagaram um cêntimo por metro quadrado. Para aumentar a produção e rentabilizar uma fábrica própria, já estão a investir na internacionalização, procurando mercados no Brasil, nos EUA e no Norte da Europa.
Bárbara e o marido, José Jambas, também criaram a empresa Oriolo – Ambiente e Ecoturismo e estão prestes a recuperar três casas em ruína para receber visitantes. Fotografia da natureza, observação de fauna selvagem e anilhagem de aves fazem parte das atividades que vão disponibilizar.
Abílio Tavares da Silva
PRODUÇÃO DE VINHO
DE LISBOA PARA SÃO JOÃO DA PESQUEIRA
A Quinta de Foz Torto, em São João da Pesqueira, perto do Pinhão, é a menina dos seus olhos. As uvas para produzir vinho já foram vindimadas, mas ainda por lá há uvas de mesa, tomates, nabiças, pimentos, morangos, maçãs, pêras, maracujás… Abílio Tavares da Silva (na fotografia) contempla mais uma vez o seu «pedaço de paraíso» e colhe os três tomates – «dos que sabem a tomate, mesmo» – que leva para o almoço. «É por causa disto que vim para cá. Às vezes até tenho um pesadelo em que me aparece um chinês ou um russo a oferecer uma fortuna por isto… Espero que não apareçam!»
O engenheiro informático de 54 anos decidiu vender os negócios de software e call center em Lisboa para dar uma volta completa à vida. «Um dia cheguei a casa e disse à minha mulher: vamos para o Douro!» A paixão tinha começado em finais da década de 1980, nas deambulações por unidades de turismo rural em todo o país. Num dia quente de julho chegou com a família a uma quinta em Mesão Frio. Estava tanto calor que o proprietário desafiou-os a deixarem as malas no carro, a vestir os calções e a irem diretamente para a piscina. Depois dos mergulhos, tinham à espera uma bola de carne acabada de fazer e vinho branco fresco. «Nesse dia decidi que o meu futuro passava por aqui.»
Ainda passariam alguns anos até se libertar da vida lisboeta – «em que é tudo para ontem» –, o tempo de se formar em Enologia na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real, e de procurar a quinta com bom potencial vitícola que desse para desenvolver um projeto de enoturismo. Encontrou-a em São João da Pesqueira e gastou dois milhões de euros na reconversão dos 14 hectares de vinha e na criação de uma adega. Começou a produzir o vinho Foz Torto em 2012. Dentro de dois anos, quando estiver despachado da burocracia, deverá poder receber hóspedes.
Karsten Søndergaard
HOTELARIA
DE RANDERS (DINAMARCA) PARA TABUAÇO
Quando Karsten Søndergaard (na fotografia) visitou Portugal pela primeira vez, queria comprar uma propriedade no Alentejo. O negócio não se concretizou. Alguns anos mais tarde, em 1985, veio ao Alto Douro à procura de vinho do Porto. Apaixonou-se pela região. Comprou a Quinta do Pégo, em Tabuaço, para produzir os seus próprios vinhos e da casa em ruínas fez um hotel de quatro estrelas, inaugurado há cinco anos, dando emprego a cerca de uma dezena de pessoas.
O dinamarquês costuma dizer que «já deixou o futuro para trás». Um futuro no mundo dos vinhos que começou em 1978, quando a mulher, Anna Marie, criou a AMKA, uma empresa de importação de vinhos e bebidas espirituosas de todo o mundo para o mercado dinamarquês. Dois anos depois, o casal já trabalhava a tempo inteiro no projeto a que se juntaria, em 1992, o único filho. Hoje, têm representação em 11 países da Europa, nomeadamente em Portugal.
Quando pensou em adquirir uma quinta no vale do Douro, o empresário agrícola de 65 anos tinha ideias bem definidas: «À volta de quatro hectares de vinha com uma casa bonita e bem situada.» Mas foi bem mais além do idealizado. «Acabei com uma quinta de 43 hectares e um hotel», diz o empresário a sorrir. Pelo meio, e apesar dos oito milhões de euros investidos, esteve quase a desistir. «Foram oito anos a marcar passo devido à imensa e estúpida burocracia que existe em Portugal. Parece que existe só para manter empregos», ironiza.
O Hotel da Quinta do Pégo é um quatro estrelas com dez quartos, aberto em 2009, com vista para o Douro e que está a ter uma «ótima ocupação». Cerca de 90% dos clientes são estrangeiros, com os dinamarqueses à cabeça. Karsten acredita que «o futuro não são as praias, são regiões como esta, com história e onde se pode apreciar como surgem coisas como o vinho».
Laura García e Vítor Vilela
APICULTURA
DE CANTÁBRIA (ESPANHA) PARA SABROSA
Conheceram-se na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, onde Vítor estudava Ecologia Aplicada e Laura, aluna de Erasmus, foi fazer Ciências do Ambiente. Os interesses comuns acabariam por pesar na união e no futuro preso com mel de abelha. Concluídas as licenciaturas, decidiram ser apicultores profissionais. Compraram algumas colmeias, familiarizaram-se com a atividade, conheceram apicultores por toda a Europa e em 2009 começaram a fazer o mestrado em Engenharia Agronómica, em França. Em 2011 fizeram uma candidatura a fundos comunitários e, com a ajuda da UTAD, começaram a trabalhar a sério criando a Apibéricos.
Atualmente, têm cerca de 600 colmeias, o que no verão representa quarenta milhões de abelhas espalhadas por apiários de Sabrosa, Pedras Salgadas (Vila Pouca de Aguiar), Vila Nova de Foz Coa e Aveiro. Mas o objetivo é chegar às mil e instalar-se também em Espanha. Com a empresa a crescer terão de pensar em reforçar a equipa, pois agora já admitem que são «escravos das abelhas». «Não há férias de verão, nem fins de semana, nem feriados… às vezes nem noites», diz Laura. «As abelhas estão sempre a trabalhar e não esperam por ninguém. Temos de acompanhar o seu ciclo de produção», completa Vítor. O inverno deixa tempo para respirar, mas nessa altura procuram participar em congressos internacionais. «Para tratar bem das abelhas é preciso muito conhecimento.»
Num ano bom, a empresa pode produzir sete toneladas de mel, além de pólen, cera e própolis, mas também faz produção biológica de enxames. Vítor garante que «a venda está assegurada e a bons preços». Os espanhóis são os principais clientes, seguidos dos portugueses e dos franceses. Entretanto, começaram recentemente a dedicar-se ao apiturismo para mostrar o que fazem e proporcionar aos turistas que visitam a região a oportunidade de serem apicultores por um dia. O programa pode incluir várias atividades no meio das abelhas, ou à mesa, provando diversas iguarias com produtos derivados da colmeia.
Celeste Pereira
ANIMAÇÃO TURÍSTICA
DE FAMALICÃO PARA VILA REAL
Durante os 18 anos em que foi jornalista, Celeste Pereira (na fotografia) leu muitos estudos e relatórios para escrever sobre a falta de união na região do Douro e, sobretudo, de capacidade para trabalhar como um coletivo. Em 2009, quando lançou a empresa de comunicação Greengrape, sentiu isso na pele e começou a idealizar a melhor forma de criar um projeto de promoção dos vários intervenientes na região e em que todos se entendessem à volta de uma ideia comum. Tinha a convicção da importância que esta zona do país pode ganhar «trabalhando em rede, ganhando dimensão e massa crítica suficiente para viabilizar a comunicação e a promoção internacional».
Para conseguir alargar horizontes, Celeste, 44 anos, elegeu o vinho do Porto como produto-âncora. «Geralmente lembramo-nos dele quando precisamos de dar um presente, mas parece que esquecemos que é a nossa principal marca», diz a empresária. «Como se não bastasse, continuamos a dar tiros nos pés quando ainda se mantém a discussão sobre se deve ser chamado vinho do Porto, vinho fino ou generoso.»
Foi neste contexto de necessidade de «um Douro estruturado em rede, que valorize o território como destino turístico, os vinhos e outros produtos da região» que surgiu o Alltodouro.com (todos para o Douro). Celeste Pereira define-o como «o projeto social da Greengrape», voltado para a animação turística e a venda, na internet, de novas experiências no Douro, que são fornecidas por vários parceiros, como as relacionadas com mel, cavalos, piqueniques, etc. O projeto já conheceu altos e baixos, mas Celeste e as quatro colaboradoras estão decididas a «continuar a lutar para fazer avançar uma rede que reúna toda a gente, com benefícios para todos».
Anabela Costa e Odete Marques
TURISMO CULTURAL
DE LISBOA E MAFRA PARA VILA NOVA DE FOZ COA
Anabela Costa só tem ligações a Murça, em Vila Nova de Foz Coa, através da mãe, que cresceu lá antes de ir para Lisboa. Como gosta de «tradições, coisas antigas e aquilo que é nosso», deu-se conta de que a aldeia estava cada vez mais “descaracterizada”, a ponto de «qualquer dia os jovens não saberem como era a arquitetura tradicional e como as pessoas viviam antigamente». Por isso, e para contribuir para que a memória não se perca, «num belo dia de 2009» decidiu começar a comprar ruínas numa zona que ao longo dos anos foi sendo abandonada.
A mãe considerava que seria «impossível alguém fazer turismo ali, no fim do mundo, onde o diabo perdeu os calções, e que iria investir o que tinha e o que não tinha». Mas, determinada, Anabela arriscou, convencida de que as pessoas valorizam esta zona do país e o sossego que proporciona. Fez o projeto para a recuperação de cinco casas e convidou Odete Marques para se lhe juntar. A amiga nasceu na Figueira da Foz e fez vida em Lisboa, mas gostou da ideia e, aos 62 anos, decidiu instalar-se de armas e bagagens em Murça do Douro. Anabela, 57 anos, deverá seguir o mesmo caminho quando se reformar. Até lá, todos os fins de semana faz a viagem entre Mafra e o Bairro do Casal.
Depois de ano e meio de obras, em novembro de 2011 começou a funcionar um projeto de turismo cultural que é completamente novo para quem sempre trabalhou em marketing e vendas. O Bairro do Casal tem duas casas T1 e três casas T2 totalmente equipadas, com capacidade para 22 pessoas, e há áreas comuns como o jardim, a piscina e a sauna. As duas sócias investiram mais de 400 mil euros e não há lugar para arrependimentos. «Pelo número de clientes – dois terços são portugueses – e pelo reconhecimento, já valeu a pena», diz Anabela.
O Bairro do Casal garante emprego a tempo inteiro a uma funcionária na época baixa e a mais duas na alta. Para terem os turistas ocupados com atividades ligadas à cultura e à natureza, trabalham em parceria com várias entidades públicas e privadas, como o Museu do Coa e o Parque Arqueológico do Vale do Coa.