A moda portuguesa depende – também – dos jovens criadores com menos de trinta anos para lhe alimentarem a irreverência. Dinamismo e novidade são os grandes trunfos que trazem na manga.
Eles têm um sonho. Passaram anos a estudar e a convencerem-se de que saberiam enfrentar o futuro, uma vez chegada a altura de trabalharem na indústria da moda, mas todos os dias esbarram na crise, num mercado pequeno e numa realidade de nichos que lhes diz que é longo o caminho a percorrer. Perdem horas a magicar texturas e linhas, materiais, cortes arrojados, para constatarem que a maioria das pessoas ainda resume a moda às roupas que compra e veste. O cenário está a mudar, no entanto. Devagar, mas a mudar, muito por conta do talento dos jovens criadores, desejosos de contribuírem para uma nova identidade da moda portuguesa. É esse o seu sonho.
«Infelizmente, a moda em Portugal não está ao nível do que de melhor se faz no estrangeiro. Não por falta de recursos, mas por falta de cultura de moda», diz Mafalda Fonseca, ciente de que o mercado português ainda acredita que tudo se resume a entrar nas lojas e a comprar em massa. «O país tem as melhores empresas na área têxtil, pessoas tremendamente aptas a executar as peças para as grandes marcas, materiais fantásticos e designers emergentes com ótima formação, capazes de competir com os melhores a nível internacional. Fica a faltar, porém, um maior investimento nestes talentos, para que possam mostrar lá fora que também somos bons, que o produto nacional é de excelência e que o design está cada vez mais depurado.»
Foi em outubro de 2012 que MAFALDA FONSECA apresentou a primeira coleção no Espaço Bloom do Portugal Fashion, uma plataforma que ajuda jovens designers a divulgarem o seu talento dentro e fora de portas. O bisavô era alfaiate, a mãe sempre trabalhou na área do têxtil. Mafalda tirou três anos de Direito na Universidade Católica de Lisboa antes de perceber que estava perdida e, em meados de 2009, arriscou tudo em nome da paixão: mudou-se para o Porto, fez um curso de verão de Iniciação ao Design de Moda no Citex (o centro de formação profissional da indústria têxtil), completou com Modelação e terminou o curso de Design de Moda no Modatex (antigo Citex). Pelo caminho fez estágios com Ricardo Dourado, Luís Buchinho, Atelier des Créateurs, e aperfeiçoou as técnicas de alfaiataria e vestuário masculino que hoje a definem.
«É complicado as pessoas perceberem que uma peça de roupa tem história por detrás, uma quantidade inacreditável de gente no processo, por isso não conseguem valorizá-la. Ainda é complicado impor as nossas ideias, são sempre consideradas coisas estranhas», revela a criadora, para quem é necessário o dobro do trabalho para fazer ver que o resultado funciona. A ela, o Bloom ajudou-a a ser notada. Encurtou-lhe o suplício habitual, o que prova que as mentalidades estão a mudar. «Os designers emergentes contribuem para uma nova identidade da moda nacional. É o seu trabalho que começa a trazer a imprensa internacional aos certames para descobrir novos talentos.»
JOÃO MELO COSTA, há quatro estações a apresentar no Bloom/Portugal Fashion, confirma que este ímpeto juvenil veio mostrar que a moda portuguesa pode estar na vanguarda: «Existem criadores com muita qualidade, nomeadamente jovens com potencial para desenvolverem projetos interessantes em qualquer parte do mundo», diz. No seu caso, foi trabalhando sempre para fazer as coisas acontecerem: trocou a Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto pelo Citex, passou pelo atelier de Luís Buchinho antes de tentar desenvolver a sua própria marca e continua ligado ao Bloom para maturar ideias, desfilar criações e ganhar projeção, reforçada quando começou a apresentar durante a Semana de Moda de Londres, desde setembro de 2013.
«Este universo acaba por ainda ser restrito, mas cada vez menos. Julgo que as pessoas começam a apreciar todo o desenvolvimento concetual e a energia inspiradora da moda», observa o designer, tão esperançado como Mafalda Fonseca num futuro de oportunidades para todos. «Pela minha parte, as peças tentam responder a princípios como a qualidade de acabamentos e materiais, experimentação e renovação. O conceito é jovem, fresco, atual, é a isto que o meu público-alvo reage.» E o que é fundamental ter no armário? «As peças que nos façam sentir bem», responde. «Para uns, pode ser aquele casaco amarelo. Para outros uma T-shirt ou uns sapatos formidáveis. A única coisa que não passa de moda é a personalidade com que cada um se veste.»
Também JOAQUIM CORREIA acredita que a roupa fala por quem a veste, como uma imagem de marca, razão por que deve falar bem de quem a usa. «Penso que umas 12 peças são aquelas de que uma mulher (e um homem) efetivamente necessita no seu guarda-roupa mas, apesar disso, todos tentamos evidenciar a nossa identidade, as caraterísticas pessoais, os ideais e muitas outras coisas. E procuramos representar essas vertentes através dos objetos que materializam esses conceitos», afirma o estilista, focado agora no mestrado de Design do Vestuário e Têxtil que está a tirar na Escola Superior de Artes Aplicadas, em Castelo Branco, antes de se lançar de cabeça na indústria da moda. O sonho, para ele, começou quando terminava o curso de Artes Visuais no secundário, em 2010, e decidiu inscrever-se noutro de corte e costura. Em 2013 participou na ModaLisboa, através da Plataforma Sangue Novo, e num concurso internacional promovido pela Arts of Fashion Foundation, onde foi um dos 50 selecionados a nível mundial e teve dois coordenados apresentados no desfile de São Francisco, Califórnia. Joaquim não tem dúvidas acerca do nível de topo da moda nacional, por isso lamenta que a sociedade desvalorize o produto interno e sobrevalorize o internacional. «Apesar de o acesso à informação ser muito maior hoje em dia, há uma frase de Einstein que se mantém atual: “Tristes tempos os nossos, em que é mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito.” Por mim, não me agrada traçar um perfil dos meus possíveis clientes. Gosto de ampliar as possibilidades e o alcance do meu trabalho.»
Os especialistas garantem que foi há 25 mil anos, no final da Idade da Pedra, que o uso de vestuário se vulgarizou com a técnica de produção de fios, embora estudos genéticos efetuados numa espécie de piolho surgido há mais de cem mil anos, dependente do pelo de animais para sobreviver, comprovem a existência de roupa antes disso. A história do calçado é outra cujo início data do final do Paleolítico, e logo aí assumiu uma função simbólica, distinguindo os caçadores (que tinham peles para ditar a moda) dos outros homens. O acesso às peças foi-se democratizando paulatinamente desde o Antigo Egito, altura em que só um grupo de elite se arranjava, enquanto os escravos andavam nus. Hoje, estar na moda é uma questão de personalidade, bom gosto e constante renovação.
Para Andreia Oliveira, um dos três elementos que integram a marca KLAR, a par de Alexandre Marrafeiro e Tiago Carneiro, «os jovens criadores são uma oportunidade para renovar a moda portuguesa, simplesmente porque é necessário dinamismo e novidade. Esta é uma área que não deve estar estática: tem de ser ruidosa, evolutiva e transitória. É isso que cria uma identidade positiva em moda», explica. «Falando nacionalmente, existem nichos e é provável que continuem. O que parece estar a mudar é o interesse da camada jovem pelo nosso trabalho, a crescer em simultâneo com as nossas marcas: embora poucos tenham ainda o poder de compra necessário para se tornarem clientes assíduos, a maioria tê-lo-á no futuro e esses serão o nosso público nacional.»
Segundo os KLAR, o facto de ainda não existir uma crítica de moda «pertinente e marcada» traduz-se numa falta de orientação por parte do público, o que prejudica as vendas e, consequentemente, o crescimento dos projetos. Ainda assim, não têm mãos a medir desde que nasceram com o objetivo de criar uma empresa, um negócio e um futuro, apoiados pelo Bloom. «Esta plataforma providencia tudo – manequins, cabelo, maquilhagem, material técnico, espaço – e sem ela a maioria dos designers, sobretudo os jovens criadores, não teria como suportar estes custos com a mesma qualidade», agradece o trio. A dificuldade de haver poucas sinergias entre os setores industriais e os estilistas emergentes, contornam-na com técnicas mais modernas e materiais tecnológicos.
«Indústria e designers devem perceber ambos os lados: há fábricas que compreendem as nossas dificuldades financeiras e estão dispostas a ajudar, iniciando um laço profissional que cresce se o nosso trabalho crescer também; mas nós temos de entender quando algumas fábricas não estão em posição de colaborar connosco, porque irão perder dinheiro ou tiveram uma má experiência», sustenta Andreia. No seu caso, quando no futuro já não forem jovens criadores e tiverem poder de compra, vão escolher trabalhar com as empresas que os apoiaram desde o início (a ITJV e a Coltec serão duas delas). Por agora, reconhecem que a crise atinge a moda desde que começaram no ramo e não os afeta pela simples razão de terem tido sempre as mesmas dificuldades financeiras. «O financiamento das coleções vem apenas de nós e a intenção é que seja recuperado com o nosso trabalho no tempo devido», afiança.
CRISTINA REAL é outra promissora estilista que reconhece ter de se adaptar ao meio sem desesperos de maior: «Quando se é um jovem criador, obter financiamento para as coleções é complicado visto não sermos conhecidos, não termos empresa e ser limitada a obtenção de patrocínios.» Acrescente-se a isso a falta de sinergias, o facto de as coleções terem peças únicas que saem sempre mais caras e as deslocações às fábricas e às mostras de tendências e tecidos, e surge uma barreira que impede muitos de avançarem. «Atualmente está difícil em todos os setores. As ajudas são muito poucas ou nenhumas, um designer não vive só de amor e sacrifício.»
Cristina deu este ano os primeiros passos na ModaLisboa pela mão da Sangue Novo, após fazer o seu curso de Design de Moda na Modatex e um estágio como assistente de Alexandra Moura nas coleções primavera-verão 2013 e outono-inverno 2014. Sabia, quando começou, que estava a aventurar-se numa área competitiva como poucas. Não foi ao engano, mas a vontade de fazer parte deste mundo de maravilhas suplantou o receio. «Hoje existe uma generalização da moda, com as grandes cadeias, mas depois há as pessoas que procuram entender o conceito, a cor, a forma e a escolha de materiais, acabando por gerar uma ligação de proximidade com os designers», aplaude a estreante. A crise até pode afetar a forma como virá a desenvolver o processo criativo, mas nunca a explosão de ideias que lhe fervilham dentro. «Não é impossível contornar a situação. Ela apenas faz que trabalhemos mais.»