O cigarro eletrónico é cada vez mais popular: estima-se que, em Portugal, já existam mais de 20 mil «vapeadores». A Sociedade Portuguesa de Pneumologia não o recomenda e, para já, nem há legislação que o enquadre. A primeira associação de empresários do setor surgiu no mês passado, para fazer frente à «desinformação».
Esta é uma nova forma de fumar que já ganhou nome próprio: chama-se vapear. Já deve ter visto essas pessoas que chupam um canudo parecido com uma cigarrilha mas que deita vapor em vez de fumo, e em vez de cheiro a tabaco emite um odor suave de baunilha, cacau ou outra coisa saborosa qualquer. A verdade é que, em 2014, o cigarro eletrónico vai na sua terceira geração. Funciona com uma bateria que se ativa com o toque num botão, quando se liga, aquece uma resistência que, por sua vez, aquece o líquido no reservatório do cigarro e o transforma em vapor sempre que se inspira. É colorido e pode ser personalizado. Os líquidos – combustíveis do cigarro eletrónico – podem ter diferentes dosagens de nicotina, consoante a necessidade e o vício. Sempre abaixo dos 20 mg/ml: isto porque acima deste número, a nicotina só pode ser vendida nas farmácias e com prescrição médica. E têm vários sabores: a Vapor d’Água, em Lisboa, tem 49 líquidos com sabores diferentes, do whisky ao brandy, do morango à menta, do caramelo ao café. Até há sabor a tabaco, o favorito, por sinal, e muitos clientes misturam os líquidos. Tabaco e menta é um vencedor.
Todas as dúvidas podem ser tiradas em www.ptvapers.com ou www.zonavaper.com. A internet é muitas vezes porta de entrada para as lojas físicas – que já serão cerca de cem, neste momento, em Portugal, e que se prevê chegarem às 500 nos próximos seis meses, num negócio que já emprega mais de mil pessoas e envolve dez a quinze marcas. Quanto aos utilizadores do cigarro eletrónico, estarão entre os 20 e os 25 mil no nosso país. Os números são da recém-formada Associação Portuguesa de Empresas de Cigarros Eletrónicos (APECE), a primeira no setor e que tem como objetivo fazer frente à «desinformação» e combater a «falta de seriedade». Isto porque os dispositivos têm levantado polémica, com críticos e defensores a digladiarem-se na internet – que mais não seja porque o invento é um concorrente de uma das indústrias mais importantes do mundo.
Apesar de ter sido inventado na década de 60 do século passado, o e-cigarro teve maior divulgação a partir de 2006 e explodiu nos mercados asiáticos e norte-americanos. Começou por ser feito à semelhança do cigarro convencional, mas hoje grande parte das marcas deixou cair essa opção para sublinhar na estética a diferença e as características próprias do seu dispositivo.
João Carreira, arquiteto, e Paulo Casimiro, proprietário de uma empresa de serviços tipográficos, acabaram de abrir uma destas lojas. Antes de abrirem, estudaram bem o produto e o mercado. Interessou-os a parte tecnológica, porque um cigarro eletrónico também é um gadget. «Socialmente, é uma solução que agrada a 100%, a dissipação deste fumo nada tem que ver com a densidade do cheiro a tabaco e papel queimado», diz João, explicando, também, porque resolveram entrar num negócio ainda não completamente regulamentado.
Já este ano, o Parlamento Europeu aprovou a revisão da diretiva sobre os produtos do tabaco e recomenda aos Estados membros da UE que legislem sobre ambientes sem fumo, restringindo também o uso do cigarro eletrónico. Para os dois sócios da loja, proibir os e-cigarros em locais públicos como escolas ou hospitais faz sentido, para proteção dos mais novos. Mas, por eles, a proibição para aí: em bares ou restaurantes defendem o uso do cigarro eletrónico. O secretário de Estado adjunto do ministro da Saúde, Fernando Leal da Costa, tem em cima da mesa este dossiê. E só falará quando a lei for transposta. Ainda não há prazo.
Tiago Machado, presidente da APECE, diz que a associação quer promover o debate sobre o cigarro eletrónico para que a cortina de fumo se dissipe, de modo a deixar bem claras as vantagens e desvantagens da sua utilização. «O cigarro eletrónico é um produto de adultos que fumam e querem ter uma alternativa ao cigarro que lhes faça menos mal.» E quais são as diferenças entre o cigarro eletrónico e o convencional? «Queremos explicar que este produto é 1400 vezes menos nocivo do que o cigarro tradicional», diz Tiago. Por isso não pretendem captar novos utilizadores, mas o seu público alvo são os fumadores que pretendem abandonar o vício.
Esta é, no entanto, uma das dúvidas que se levanta. Se estes cigarros promovem ou não o fumo. A pneumologista Ana Figueiredo, pneumologista responsável pela consulta de cessação tabágica do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e coordenadora da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia é peremptória. «A utilização em público destes dispositivos agrava todo o esforço de luta contra o tabaco. Por ser um produto de venda livre, publicitado como inócuo ou a ‘forma saudável de fumar’, leva a que comece a ser utilizado pelos jovens não como substituição do cigarro mas como forma de início de fumar ou vapear.»
João Carreira e Paulo Casimiro dizem não ter histórico de entrar na loja um cliente que não seja já fumador. Mas concordam que o cigarro eletrónico, assim como defende a APECE, não é um método de cessação tabágica. Quem aparece, vai à procura de uma solução que «faça menos mal», garantem. «Se eu, em vez de beber uma cola com açúcar, puder beber uma cola zero, vou fazê-lo. Se a cola me faz bem? Não é isso que estamos a discutir.» É possível estabelecer uma equivalência entre a dose de nicotina presente no líquido da recarga e o número de cigarros tradicionais que seria preciso fumar para a atingir. Na loja há uma tabela que estabelece as equivalências entre líquido vapeado e número de cigarros convencionais. Sempre em termos de nicotina.
É por isso que, um grupo de 50 especialistas em tabaco, cancro e dependências pediu à Organização Mundial de Saúde (OMS) para aprovar os cigarros eletrónicos e produtos do tabaco sem combustão, considerando-os alternativas ao tabagismo com baixo risco. Entre os especialistas que assinaram este apelo estão o ex-ministro da Saúde italiano Umberto Veronesi ou o ex-diretor do Fundo Mundial contra a Sida francês, Michel Kazatchkine. Numa altura em que existem 1,3 milhões de fumadores em todo o mundo, há cada vez mais vozes a levantarem-se contra o conservadorismo da OMS.
Por causa das dúvidas, Paula Vieira, que trocou o cigarro tradicional pela versão eletrónica há cerca de quatro meses, fez questão de fazer o trabalho de casa. «Averiguei a composição dos líquidos e confesso que não me deixou descansada saber que alguns são produzidos na China, tenho muitas reservas relativamente ao controlo de qualidade. Tomei conhecimento de uma marca produzida em França que tenciono passar a consumir porque é sujeita a esse controlo», diz a designer de joias de 53 anos.
Essa é um das batalhas da APECE: a segurança. «Queremos evitar que venham para o nosso país produtos sem certificados», diz o presidente. Já propuseram ao Ministério da Saúde ser a entidade responsável para certificar os líquidos vendidos em Portugal. Mas o que é que sabemos sobre estes líquidos? A Sociedade Portuguesa de Pneumologia avisa que é muito pouco.
Os líquidos das recargas podem ter quatro componentes, segundo a APECE: água, à qual se retira o sal, o sabor adicionado, o propilenoglicol e a glicerina vegetal. Ou seja, a diferença para o cigarro normal é o monóxido de carbono, o chumbo, o amoníaco, cianeto e a nicotina. Tanto a glicerina vegetal como o propilenoglicol são usados na indústria alimentar ou cosmética, servindo, respetivamente, para adoçar ou humidificar.
A pneumologista Ana Figueiredo diz que os efeitos desta substâncias químicas «estão mal estudados». Sobretudo a longo prazo. «A curto prazo, começam a existir descrições de patologias associadas ao seu uso, como dois casos de pneumologia lipóide publicados em Espanha», acrescenta. A própria designação de cigarro eletrónico inclui um «leque grande de substâncias passíveis de ser inaladas, muitas marcas, muitos cartuchos recarregáveis». Por isso não os recomenda a quem está a deixar de fumar.
Miguel é comercial, tem 34 anos e fumava há 19. Desde janeiro trocou os maços de tabaco pelo cigarro eletrónico. «Esta foi a maneira que me pareceu menos custosa», diz. «Tenho vindo a reduzir gradualmente e estou na quantidade mais baixa de nicotina, 5 mg/ml.» A grande vantagem, diz, foi conseguir controlar a dependência de nicotina, coisa que nunca tinha conseguido fazer. «Além disso, só se vapeia o que se quiser. Quando se acende um cigarro, fuma-se até ao fim». Não coloca sequer a questão do vapeador passivo. «Não acho que prejudique quem está ao meu lado.» E assegura: só não vapeia mesmo no avião.
Já Paula Vieira admite que evita vapear nos sítios com proibição de tabaco normal, «porque muitas pessoas não me conhecem e não veem com bons olhos». Fumava há cerca de dez anos, há cinco meses decidiu mudar para o cigarro eletrónico. «Gostei desde o primeiro dia, não pensei em desistir porque me sinto muito melhor agora.» Chegou a falar com um médico sobre o assunto, mas não foi muito longe na conversa: «Não me pareceu suficientemente informado», lamenta.
A questão física parece ser um ponto em comum nas vantagens que os vapeadores atiram à partida. João Carreira e Paulo Casimiro, que antes de abrirem a loja também trocaram o cigarro tradicional pela inovação, fazem desporto e sentem melhorias significativas ao nível da resistência e do sistema respiratório. Paula Vieira sentiu as diferenças também na carteira: «Poupo cerca de 90 euros por mês.» Um argumento de peso.