O Mercado de Matosinhos está a mudar. Agora, além de peixe, legumes e fruta, há também empresas de design, arquitetura, moda ou joalharia.
Primeiro problema: em Matosinhos não havia um local onde fosse possível instalar jovens empresas ligadas à moda e ao design. «Havia uma grande procura e não existia um espaço no concelho que reunisse todas as condições para que estas implementassem e fortalecessem as suas ideias e projetos», diz José Bártolo, presidente do conselho científico da Escola Superior de Artes e Design (ESAD). Segundo problema: o mercado municipal estava a perder clientes. Com «apenas cinquenta por cento de ocupação, havia muito espaço vazio», acrescenta o responsável da instituição.
Solução: juntar as duas necessidades num único projeto. Assim, em julho, o imóvel de interesse público passou a integrar a Associação Quadra – Incubadora de Design, um projeto criado em 2009 pela câmara municipal local e a ESAD, com o objetivo de transformar e valorizar o território urbano da Quadra Marítima de Matosinhos. «É uma zona propícia à restauração, à animação e a partir de agora, também, à criação», diz Marta Pontes, representante da câmara municipal. Ao todo são 96 hectares que estão a ser requalificados, com a intenção de «implementar em Matosinhos um polo criativo com uma forte programação visível no espaço público», diz José Bártolo. O primeiro passo da mudança já tinha acontecido em 2010, com a inauguração da Galeria Quadra desenhada pelo arquiteto Siza Vieira. O antigo posto de turismo, situado à porta do mercado, foi a primeira galeria de arte do país inteiramente dedicada ao design, recebendo exposições bianuais e com entrada gratuita. Agora foi a vez de uma parte do mercado ganhar nova utilização.
Sem alterar o edifício, com mais de sessenta anos e recentemente considerado imóvel de interesse nacional, mas renovando-o e reorganizando-o, instalaram-se no primeiro andar mais de uma dezena de «incubadoras». Hoje há 13 gabinetes devidamente equipados onde serão explorados e desenvolvidos projetos nas áreas do design, da produção têxtil, da arquitetura, da moda, da música, da joalharia ou da multimédia. A obra demorou um ano e meio a ser concluída e custou mais de 380 milhões de euros (85% comparticipados pelo QREN).
Juntar a um mercado tradicional de peixe, fruta e legumes novas ideias de negócio é, para Guilherme Pinto, presidente da autarquia, uma atitude provocadora. «Espero que as pessoas se sintam provocadas, capazes de se tornarem criativas no convívio destas duas realidades tão diferentes», disse o autarca à Notícias Magazine.
Pensada não só para acolher mas também para promover e apoiar novos projetos, a Quadra-Incubadora de Design alberga cinco empresas «incubadas», cinco empresas «âncora», já consolidadas, e quatro espaços de co-working. A renda é de seis euros por metro quadrado e os contratos têm a duração de três anos. Em setembro do ano passado foram recebidas 25 candidaturas. O fator inovação, a viabilidade económica e a ligação ao design foram requisitos-chave para a seleção.
Andreia Oliveira, Alexandre Marrafeiro e Tiago Carneiro cumpriram estes requisitos. Juntos dão vida a uma marca de roupa, Klar, nascida em 2012 numa união de esforços e conhecimentos em moda, design de comunicação e artes visuais. Começaram por apresentar coleções no Espaço Bloom do Portugal Fashion, uma plataforma dedicada aos novos criadores, mas cedo sentiram a necessidade de lançar a marca como uma empresa e uma ideia de negócio. «Decidimos concorrer à incubadora porque se enquadrava no nosso projeto», diz Tiago. «Aqui podemos explorar um espaço onde cabe muita coisa.» Apesar do receio inicial em ocupar «um lugar tão improvável», os jovens artistas sentem-se «confortáveis e concentrados» num gabinete insonorizado repleto de tecidos, manequins e muito papel.
Também a estilista Maria Gambina marcará presença numa destas incubadoras, que funcionará como atelier de confeção e para receber clientes, não sendo, no entanto, um ponto de venda. A criadora e professora de design de moda na ESAD está a desenvolver no novo local de trabalho uma linha de «noivas urbanas», aliando o conhecido estilo desportivo a detalhes e acabamentos mais contemporâneos e femininos. O contacto com os comerciantes, diz, é «fantástico e maravilhoso». «Noto que as pessoas estão entusiasmadas e contentes, receberam-nos bem e são muito simpáticas. Não tenho dúvidas de que iremos ser uma família.»
Os pregões e o cacarejar das galinhas são agora vizinhos destes artistas e criadores. Júlia Castanho, 43 anos, vendedora local, vê esta mudança com bons olhos. «O mercado é grande, cabe toda a gente, e precisava de uma restruturação. Traz novos públicos e isso também é bom para o nosso negócio. Não invadem nada porque sabemos que isto um dia vai acabar, ninguém quer vir para o nosso lugar.» Já as peixeiras Maria Dinis, 64 anos, e Helena Cadinha, 51, ainda não sabem bem o que se passa. O que elas gostavam mesmo é de ter «uma loja de chaves, um sapateiro ou até a Loja do Cidadão»
Habituada desde miúda ao cheiro a peixe deste mercado, Joana Ribeiro também irá ocupar um dos gabinetes. A designer de joalharia, 27 anos, antiga aluna da ESAD, soube do projeto Quadra e, vivendo a poucos minutos do mercado, resolveu candidatar-se. «Andava à procura de um espaço próprio onde pudesse instalar a minha oficina e vi este concurso como uma oportunidade de fazer crescer a minha marca na zona onde cresci», diz a jovem de Matosinhos. O seu gabinete irá funcionar como atelier, focando–se sobretudo na criação e na produção de joias, mas também como local de reuniões ou de venda por marcação.
Joana, que aos 16 anos já vendia bijutaria em feiras de artesanato e na internet, garante gostar destas duas realidades. «Acho giro vendedores, peixeiras e talhantes espreitarem para o meu espaço a tentarem perceber o que faço. Sinto que gostam de ter gente nova no mercado e esperam, tal como nós, que esta troca de experiências seja vantajosa e atraia novos visitantes.»
André Tentúgal, músico e realizador, foi convidado pela ESAD para ocupar uma incubadora. «Tive alguma liberdade e senti a sugestão do novo e do diferente.» O músico de 31 anos conta com Vasco Mendes, na realização, e Ana Matos (a rapper Capicua), na produção e na escrita de conteúdos. Juntos pretendem «dar respostas e soluções a entidades que queiram divulgar ou promover através de meios audiovisuais». Trabalhando para além das técnicas tradicionais, os três esperam dar «assistência estratégica» às empresas incubadas, adotando abordagens diferentes que estas possam aproveitar. «Já que trabalhamos numa área criativa, este ambiente ajuda a relaxar e a distrair», diz o músico, que sempre trabalhou em casa. «Motiva e inspira ao mesmo tempo.» Antes da inauguração da Quadra já outros negócios tinham invadido o imóvel para atrair novos públicos. A Taberna Lusitana, o Sushi no Mercado, As Mafaldas ou a Comida de Rua são alguns dos mais recentes inquilinos.
Um dos objetivos do presidente da autarquia é tornar Matosinhos «a capital nacional do design» e apresentar em 2015 uma candidatura formal à Rede de Cidades Criativas da UNESCO. O projeto englobará equipamentos como o Cineteatro Constantino Nery, a Galeria Nave ou a Casa da Arquitetura, e permitirá uma consolidação internacional do projeto.