
1.
O material de escritório parece infiltrado por uma fraternidade estranha, uma fraternidade de matérias em estado de espera. Quando arrumadinho.
O mundo foi limpo das suas impurezas e aquilo que era existência e excitação é agora paisagem.
Tudo foi transformado numa coisa para ser vista, e não tocada ou apoderada por músculos sentimentais. Como se o mundo ainda não fosse preenchido pelo sangue e por outros líquidos não teóricos.
A vida existe e tem pântanos – mas aqui não.
O podre, a febre: depois de certas arrumações exaustivas tais palavras parecem uma invenção falsa daqueles que ouviram falar do inferno. Porém o mundo é isto: não é um recipiente vazio que brilha, mas um recipiente já partido. Eis, pois, o universo: os vidros estão espalhados pelo chão, e se os teus pés se aproximarem de mais ficarás ferido.
2.
Desconfia da limpeza excessiva, meu caro.
Gonçalo M. Tavares escreve de acordo com a antiga ortografia
[Publicado originalmente a 14 de dezembro de 2014]