Eu tinha 23 anos, já trabalhava, tinha o meu ordenado e o meu carro. Não precisei de autorização dos meus pais. Bastou comunicar-lhes. No dia marcado, eu, a minha namorada e dois amigos, com o velho Fiesta cheio até ao tejadilho, arrancámos para o Festival Sudoeste, na Zambujeira do Mar.
Aquele verão de 1998 não se vai apagar da minha memória. Curiosamente, não pelos concertos. A Wikipédia garante que os The Cure, a PJ Harvey e os Portishead subiram ao palco. É possível. Mas confundo-os com os Massive Attack, o Jon Spencer, o Beck, os Moloko ou os Chemical Brothers. Não por causa das sonoridades. Por causa do calendário. É que também fui ao Sudoeste de 1999, de 2000, de 2001 e de 2002. Em 2003 não fui. Em 2004 regressei. Não me lembro de todos os anos. Muito menos de todos os concertos. Mas sei que boa parte do adulto em que me tornei nasceu naqueles festivais. E em algumas edições do Super Bock Super Rock. O Optimus Alive só chegou mais tarde, já eu era crescidinho. E os Rock in Rio são espetáculos de música e marketing. Não é bem a mesma coisa.
De todas as razões para assistir a um festival de verão – sobretudo aqueles em que temos de ficar longe de casa – a música é capaz de ser um detalhe. As amizades, as relações, as saudades dos pais, as saudades dos amigos que se fazem, as tentações ou a resistência às tentações, tudo isso torna um festival de verão uma experiência notável. Ontem foi o último dia do Super Bock Super Rock. E apesar de as condições serem hoje muito diferentes das que encontrei na Herdade da Casa Branca em 1998 (casas de banho asseadas para toda a gente, chuveiros organizados ou terminais multibanco eram miragens distantes num festival que tinha começado no ano anterior), quem passou pelo Meco pela primeira vez não terá tido experiências muito diferentes das que eu senti naquele verão.
Se eu quisesse prender isto a um gancho de atualidade, guardaria esta crónica para um dos próximos domingos, mais perto do arranque de outros emblemáticos eventos do género, como Vilar de Mouros, o próprio Sudoeste, Paredes de Coura, Andanças, Boom ou qualquer outro das dezenas que neste ano terão lugar de norte a sul. Mas se eu publicasse esta crónica mais tarde, já não ia a tempo de vos tentar influenciar. A vocês, pais, que ainda estão na dúvida sobre se devem ou não deixar os vossos filhos juntar-se aos amigos para arrancarem para uma destas confusões.
Não me interpretem mal. Eu não vejo os festivais de verão como ritos de passagem que é preciso ultrapassar para alcançar um nível superior de maturidade ou para entrar na vida adulta. Mas nos dias que correm, com tanta coisa formatada, programada, prevista e calculada, fugir de tudo para assistir a um festival de música com amigos, durante três ou quatro dias, é bem capaz de ser o corolário da vida deles até este momento.
É claro que é diferente alinhar numa coisa destas com 23 anos ou com 16, como algumas das vossas crias que vos pedem para ir. Mas vocês lá saberão as filhas e os filhos que têm e quando podem finalmente dar esse passo. No entanto, se é para confiar neles, se é para deixá-los ter uma experiência que lhes pode ficar cravada na memória, e ainda por cima recheada de música, caramba, que seja num festival de verão.
Se vão proibi-los com medo do álcool, da droga ou do sexo, vocês, melhor do que eu, que ainda não tenho adolescentes, sabem que isso é uma questão de motivo e oportunidade. E se há coisa que os vossos filhos são bons a criar é isso mesmo: motivos e oportunidades. Vocês podem adiar. Mas não podem fugir.
Publicado originalmente na edição de 20 de julho de 2014.