
Em tempo de frio e de matança, a altura é propícia aos bons cozidos, assados e petiscos diversos, a partir de enchidos de carne de porco e produtos afins. Têm história longa, na mesa e na vida das gentes portuguesas.
Recebem por vezes nomes diferentes e, quando os vamos provar, percebemos tratar-se apenas de regionalismos, ou pouco mais; são uma e a mesma coisa, em muitos casos. No tempo em que o invólucro dos enchidos era necessariamente orgânico – hoje, a indústria emprega uma película sintética –, o nome chouriça vivia do facto de ser feita com tripa de carneiro em vez de porco. Há ainda a destacar a linguiça que na linguagem de supermercado passou a significar um chouriço mais fininho, de novo aproximando-se da tripa de carneiro.
Os pormenores, pequenas diferenças agudizam-se tanto mais quanto mais nos aproximamos do assunto, mas importante mesmo é não perdermos a relação com eles; dos nomes tratamos com o conhecimento que vamos adquirindo. Os chouriços são normalmente feitos a partir de aparas de carnes magras, com algumas gorduras trituradas, normalmente passadas por massa de pimentão. No Alentejo chamam-lhe linguiça, o que já dá uma ideia do vasto terreno de dúvida que espera quem se interesse por conhecer mais a fundo o tema. Já a chouriça entende-se normalmente como coisa do Norte, com a introdução da vinha–d’alhos em detrimento do pimentão. Carnes mais magras, à maneira do salpicão, são também mais frequentes. Deliciosa grelhada nas brasas e servida em muitos restaurantes transmontanos, na companhia de alheira. A morcela complementa o trio de enchidos que hoje aqui trazemos, e tem ou sangue ou fígado na sua composição, originando a cor escura que normalmente apresenta. É dos três aquele que não deve ser consumido diretamente, há que passá-lo pelo calor forte de grelha, forno, ou água.
A tríade de que falamos vale pelos seus produtos isoladamente, mas tem também lugar importante no seu todo, até com alguns acrescentos regionais. Corresponde à primeira cozedura e em princípio a única que se faz na água pura e dura; a partir daí, deve existir a utilização sucessiva, que transforma a água em ouro, no qual se coze finalmente as couves. O nosso cozido à portuguesa, erradamente assumido como prato nacional quando é eminentemente regional, contém uma assinatura local indelével no capítulo dos enchidos. Há que recuperar a ideia de proximidade para entender este aspeto na plenitude, porque sempre que, como infelizmente acontece na nossa restauração, colocamos um enchido, carne ou legume de cada proveniência na mesma panela, estamos a desvirtuar o cozido. Ele deve ser reflexo direto, senão espelho, do que localmente cada lugar produz. Em causa está também a repetibilidade do cozido. Um bom cozido exprime sobretudo a validade culinária de uma região. Está visto que há pelo menos assunto para desbravar!