Rafeiros ou com pedigree, peludos, rasteiros, cães, gatos e outros animais de estimação estão cada vez mais nas redes sociais. Os seus donos criam-lhes perfis pessoais – com fotos e tudo – e põem-nos mesmo a falar na primeira pessoa.
Scuba Arroja Gil entrou no Facebook pela mão da família. É um infante pequeno e endiabrado, bastante audaz para quem ainda não tem um ano, com corpinho macio e olhos como duas castanhas. A “mãe”, Ana Isabel Arroja, perdeu-se de amores desde que o teve nos braços a primeira vez. O bebé mirou-a com expressão solene, derreteu-a de ternura. Foi um instante até Ana perceber que as fotos do caçula faziam disparar likes e decidir criar-lhe o seu próprio perfil, animada pelo feedback dos seguidores. Scuba, o jack russell terrier, tem hoje perto de 1400 amigos, narra as façanhas na primeira pessoa e encanta todos os que lhe acompanham a rebeldia. Um cão muito à frente nesta tendência atual de os animais terem as suas próprias páginas nas redes sociais.
«Na altura ele era bebé, fofo e um jack russell não muito comum: costumam ser mais brancos e castanhos, ele saiu malhadinho. Achei que merecia um perfil, até porque é um terrorista de primeira e aventuras não lhe faltam», conta a animadora da Rádio Comercial, 35 anos, deliciada com o sucesso instantâneo do benjamim dos Arroja Gil: «Sou completamente adepta das redes sociais, muito por culpa da minha profissão, e quando fomos buscá-lo desatei a partilhar imagens no Facebook e Instagram. Achei graça ao retorno, a minha filha foi a grande impulsionadora da ideia (é ela a verdadeira dona do cachorro). Decidimos então criar uma página só dele.»
Scuba partilha as sonecas e os passeios, as desgraças e traquinices, a relação travessa com os “irmãos”: Swatch, o velhote lá de casa, e Benji, resgatado da rua em março por um imponderável do coração: os donos foram incapazes de resistir a um apelo de adoção que eles próprios partilharam e ficaram com ele. A página foi sua desde o início, como se o cão pudesse realmente responder às pessoas e não houvesse um dono por detrás dos posts. Ana Arroja reconhece, divertida, ser «só uma espécie de assessora» que o ajuda a manter a escrita em dia e galhofa imenso com tudo: «O Scuba segue alguns amigos que também têm página de Facebook, conversam entre eles, trocam experiências e às vezes até é reconhecido na rua, embora não ligue muito a isso. Ele quer é brincar, não liga à fama.»
Segundo um estudo encomendado em julho de 2011 pela PetPlan, a maior empresa de seguros especializada em animais de estimação, um em cada dez animais do Reino Unido tem perfil próprio no Facebook, Twitter ou YouTube, além de mais de metade dos donos partilharem fotos dos pets nos seus perfis pessoais. O fenómeno de petworking (networking entre animais de estimação) é de tal forma assombroso que o diretor da PetPlan, Neil Brettell, garante haver patudos «mais populares que muitas celebridades com conta no Facebook e noutras redes sociais». O spitz alemão anão Boo, por exemplo, considerado o cão mais fofo do mundo, tem mais de 14 milhões de likes (para comparação: a atriz Nicole Kidman pouco passa dos nove milhões) e já se tornou personagem de livros e boneco de peluche. É como se as pessoas quisessem mostrar ao mundo quem são os seus amigos mais queridos.
«Tudo começa por os donos acharem piada ao que os seus animais fazem, daí até quererem partilhar com o mundo vai um passo e o Facebook apresenta-se como a plataforma perfeita para esse desejo», justifica Rui Lourenço, especialista em redes sociais. «Claramente, o cão já não fica preso na casota. Cada vez mais pessoas têm animais de estimação. Com o aumento dos divórcios, muitas vezes são os animais que quebram a solidão da casa.» Dado que as redes sociais desempenham um papel tão central na vida da maioria dos indivíduos, fazer os pets participarem do fenómeno é uma forma de envolver a família como um todo. «Gosto da ideia de que o perfil de um animal possa unir pais e filhos em torno do mesmo projeto. Quem disse que as redes sociais afastam as pessoas? Talvez até as unam…»
A experiência de Rui diz-lhe que são os cães que conquistam mais fãs, de um modo geral. Seguem-se os gatos, pássaros, cabras, coelhos, tartarugas, peixes, furões, cobras, lagartos e outras espécies insuspeitas que os donos se lembram de levar para casa. «Sendo os nossos animais de companhia, os que estão perto de nós, podemos tirar-lhes fotos ou filmá-los. Há utilizadores que ganham muito dinheiro à conta dos vídeos das travessuras no YouTube», sublinha o especialista, para quem um pouco de imaginação humana e fotogenia animal pode fazer milagres. «Apenas uma pequena percentagem consegue atingir esse sucesso, acima de tudo ganham satisfação pessoal», avisa. Quanto aos posts, serão ainda uma maneira de pessoas envergonhadas dizerem o que não diriam de outra forma. «Quase como um jogo de role playing que as distrai da vida.»
JÁ NEM LHES FALTA FALAR
Gucci não se parece com a família adotiva na cor, muito menos no tamanho, mas é a menina dos olhos dos Vaz desde que a receberam com amor e olhares enlevados, vai para dois anos. João Pedro, 21 anos e apaixonado por animais exóticos, conseguiu convencer os pais de que teriam tudo a ganhar com um furão champanhe a explorar-lhes os recantos domésticos. A mãe escolheu o nome chique e sugeriu criar-se um perfil para a companheira, tinha ela então três meses e era um bicho raro em Portugal. Bernardo, 13 anos, hábil com os computadores, foi incumbido da missão de lhe fazer a página de Facebook. Geri-la é algo que lhe anima a maior parte dos dias.
«A Gucci é uma princesa muito mimada e querida, que adora brincadeira e é vegetariana: não gosta de carne nem de peixe, aquilo que devia comer; prefere esparregado, massas e cereais de chocolate ao pequeno-almoço», descreve-a o rapaz, habituado a pôr-se no lugar do furão para lhe apanhar os estados de espírito. «Costumamos publicar fotos e vídeos dela a brincar, a dormir, em várias poses.» O perfil rapidamente juntou 194 seguidores – incluindo a cadela de um conhecido de Bernardo – e há quem vá à página para acompanhar as proezas de Gucci com um limão na cozinha, informar do nascimento de ninhadas ou deixar mensagens de força, como quando a mascote fugiu e a família ficou em pranto. «Volta sempre, Gucci, mas primeiro avisa que vais almoçar fora», postou um fã, a tentar animar. «Se calhar, se puserem aí fora uns biscoitos de chocolate de que ela gosta tanto…», sugeriu outro.
Mafalda Vaz (o facto de partilhar o apelido dos donos do furão é pura coincidência) também mal se lembra do passado antes de Sinatra, como se a sua vida tivesse começado quando acolheu o labrador retriever de quatro anos e meio, um gigante de porte real e cor de mel. «Sendo um cão tão sociável e adorado por várias pessoas, incluindo familiares e amigos no estrangeiro, criámos-lhe a página de Facebook em 2011 para todos poderem matar saudades», explica a administrativa de 26 anos. Frank Sinatra de Faustino Vaz tem 127 amigos oficiais e muitos mais a aceder para saberem dele (o seu perfil não é privado), posta regularmente fotografias pessoais e profissionais suas, promove locais dog friendly e segue na rede social outros canídeos que, entretanto, lhe seguiram o exemplo.
«Temos um grupo de “caovívio” no Facebook, chamado Os Amigos da Expo, e muitos desses cães fizeram a sua página depois do nosso. Incluindo a Luna Magode, com quem o Sinatra está numa relação aberta. São amigos de longa data, passam juntos férias e muitos fins de semana», revela Mafalda, surpreendida com o alcance do que começou por ser uma brincadeira caseira: «Já aconteceu algumas vezes eu dizer o nome dele, na rua ou em exposições caninas, e alguém replicar “Ahhh, este é que é o famoso Sinatra Vaz”.» O estrelato traz consigo a responsabilidade acrescida de dar voz aos que não podem falar, razão por que o labrador, além de esbanjar charme, aproveita a visibilidade para partilhar apelos de animais abandonados, de associações que precisam de ajuda e de eventos divertidos para pets. Scuba Gil faz outro tanto para ajudar o próximo.
«Vivemos um momento importante de mudança social e a valorização dos animais tornou-se um signo do nosso tempo. As pessoas com interesses semelhantes estão ávidas de terem acesso aos temas relacionados com animais, aos seus temperamentos e às narrativas de como vivem», adianta a brasileira Ceres Faraco, doutora em psicologia e especialista em comportamento animal. A fama, diz, depende diretamente da dedicação dos donos a apresentarem os atributos dos patudos. «Pets peludos e de formas arredondadas, como os bebés, são bastante admirados. Há quem se interesse pelos brincalhões e os traquinas. Também os que convivem com pessoas ilustres tendem a receber delas esta condição.»
Para Ceres, aquilo que para muitos não passa de uma brincadeira que se estendeu pela internet é, antes de mais, uma forma de coesão entre a família e os grupos, baseada no sentimento de pertença a uma mesma tribo com interesses comuns. «As pessoas constataram que são muito mais atraentes socialmente quando estabelecem comunicação através da identidade dos seus animais. Este facto já foi evidenciado em investigações sobre o impacto da parceria com animais na vida social humana», resume a psicóloga. E a explicação dá que pensar, de tão simples: «É sabido que os pets funcionam como atratores sociais. Eles auxiliam o início de contactos sociais e são propícios a constituir uma rede muito mais ampla do que aquela que a pessoa estabeleceria por si mesma.» Além de que eles próprios se tornam família.
AMOR A QUANTO OBRIGAS
Patrícia Abigail Azevedo, 25 anos e a trabalhar num quiosque da 2Life no verão, conhece bem este sentimento de amor sem restrições por um animal. Matilde Catarina veio contrariar as leis da física ao expandir a casa e o coração de todos com a sua alegria, a cauda em movimento perpétuo. Filha de mãe cocker spaniel pura e pai incógnito, tão esperta que só lhe falta falar, toda a gente trata a cadela de seis anos como se fosse mais uma pessoa. «Eu e a minha irmã pensámos criar um perfil no Facebook para a Matilde quando ela tinha dois anos, porque toda a gente a adorava e dizia que era muito linda, sociável e tudo o mais», explica a dona, responsável pela maioria dos posts de fotografias e estados de alma do bicho. «Entre as duas, sempre inventámos vozes para os nossos animais. Achámos que lhe ficaria bem ter uma página só dela.»
Matilde tem 116 seguidores (entre os quais uma gata e dois cães), mantém uma relação aberta com um amigo de Patrícia, por graça, e nem se apercebe de que a dona escreve sobre ela para senti-la perto. Os pais, de Buarcos, estão a viver no Luxemburgo e levaram-na consigo, só voltam a trazê-la nas férias de verão. A cadela já não vai tanto ao seu perfil para falar de si, com as donas incapazes de lhe anotarem as peripécias à distância, mas continua a publicar vídeos e imagens caseiras para manter a família unida. Algo que Afonso Barbosa, inventor de uma rede social que permite criar perfis para os animais de estimação – a Pet2mate –, considera a tendência do momento.
«É normal que existindo fotos nos telemóveis, e estando as pessoas ansiosas por mostrar ao mundo o animal lindo que têm, as publiquem nas redes sociais», aponta o programador, acreditando que a moda também traduz uma «obrigação subliminar para tratarem ainda melhor» dos pets. «Os patudos fazem parte das nossas vidas, são parte integrante da família. São e serão tratados como filhos.» Com tantas mascotes e donos equipados com telemóveis com câmara, os bichos deixam-se apanhar nas mais diversas situações, conquistando fãs pela qualidade das imagens, o nível de cuteness, as situações espontâneas que captam a real essência das mascotes e o quanto os donos gostam delas. «O único problema é que o Facebook não foi desenhado para animais e faltam muitos elementos de interação, assim como formas de pesquisa», repara.
A pensar nisso, concebeu uma rede social única no país, que permite criar perfis de animais associados a um dono e tem já mais de 18 mil utilizadores. «Dentro de cada perfil é possível publicar textos ou imagens, há um chat para os petlovers comunicarem e o caráter de dating inicial caiu, mas deu lugar à adoção, onde as associações podem partilhar e centralizar todos os seus animais», adianta Afonso. A ideia surgiu-lhe quando procurava no Facebook um gato para cruzar com a sua persa. Dada a quantidade de comentários, percebeu o potencial de um espaço que desse conta de ninhadas, veterinários, animais perdidos e outros serviços essenciais a uma comunidade formada em torno dos pets. «Os humanos sem animais seriam mais pobres», conclui, ele que não rejeita de imediato uma solicitação suspeita. É bem capaz de ser um novo amigo de quatro patas a querer adicioná-lo.
REDES SOCIAIS SÓ PARA PETS
Pet2Mate
Disponível em português, inglês e espanhol, a rede social de Afonso Barbosa permite criar perfis de animais associados a um dono, com o objetivo de interligar petlovers, animais, veterinários e lojas. Tudo isto a custo zero e com a página de Facebook a ascender já aos 34 mil fãs. Toda a informação em www.pet2mate.com.
Animal Club
É outra rede social totalmente voltada para os companheiros de quatro patas e estreou-se no Brasil, em maio de 2011, quando o programador Hiury Barbiero e a web designer Paloma Rondon procuravam amigos para o poodle Chameguinho. Os utilizadores publicam fotos, vídeos e notas do que os seus animais mais gostam. Tudo aqui: http://www.animalclub.com.br/.
Petbook
Começou como grupo no Facebook, onde soma já perto de 4400 membros, e está à espera de atingir o número redondo dos cinco mil para iniciar a rede social em www.petbook.pt, encabeçada pelo cachorro Piruças Possidónio Kassapo. Cães, gatos, aves, répteis, hamsters, aranhas, exóticos e tudo o que seja bicho é bem-vindo. Aqui: https://www.facebook.com/groups/petbook.pt/.
The Pet’s Universe
A filha Fernanda deu a ideia e o pai, Flávio Mendes, especialista em novos media, logo tratou de criar esta rede social, onde os donos dão voz aos animais e podem incluir fotos e vídeos, adicionar amigos, integrar comunidades, participar nos fóruns, consultar as dicas do Dr. Koleira e até ver o horóscopo do pet. Saber mais aqui: http://www.thepetsuniverse.com/.
MatchPuppy
O registo é mais simples do que preencher os formulários da Segurança Social, e mais rápido. Michael Chiang, o fundador, exasperou-se com a demora em encontrar namorada para o seu maltês Louis, percebeu que outros donos teriam igual problema e criou a MatchPuppy, rede social canina que pretende expandir-se de Nova Iorque para as grandes cidades dos EUA sem, contudo, sair do país, visto que a ideia é donos e cães encontrarem-se. http://www.matchpuppy.com/
4 PERGUNTAS A CERES BERGER FARACO, especialista em psicologia e comportamento animal
Por que razão são os cães e gatos que conquistam mais fãs?
Um dos motivos é que são as espécies mais frequentemente tidas como membros da família e, no que diz respeito aos cachorros, são os animais de estimação mais comuns entre os internautas. Esta convivência é determinante para a eleição dos mais populares.
O que é que as pessoas procuram ao certo quando criam perfis de Facebook para os seus pets? Fama? Interação? Um meio de se evadirem do dia a dia?
Procuram legitimação. Terem significado num mundo extremamente populoso, com muitos indivíduos a tentarem conquistar a mesma atenção e interesse de outros seres vivos. O que alicia para este comportamento é a oportunidade de ser especial ou, pelo menos, muito mais interessante para as demais pessoas. A isto, somam-se os resultados de pesquisas que indicam que os jovens adultos se sentem mais ligados à comunidade e às suas relações em geral caso tenham um forte apego aos animais.
O que é que os donos ganham (ou podem ganhar) com esta exposição?
Desde os gregos que existe o costume de personalizar e deificar os animais, sobretudo os mais temidos e fortes, ou os úteis e amigáveis. Esta condição é partilhada entre o animal exposto e os seus tutores. Há muita projeção de conteúdo do inconsciente neste tipo de manifestação. Muitos relatos assinalam que nas redes sociais todos parecem estar mais interessados no gato e no cão, e no que eles estavam a fazer, do que nas pessoas. Logo, para alguns é uma forma de obterem o interesse de terceiros numa parcela do seu quotidiano, já que partilham a vida com estes animais.
As pessoas tendem cada vez mais a humanizá-los?
Nos últimos 30 anos, num contexto marcado por conflitos, evidenciaram-se mudanças significativas no mundo ocidental, tanto nas configurações sociais como nos regulamentos que tratam da relação do humano com as demais formas de vida. É o caso do reconhecimento do animal de companhia como membro significativo da família em centros urbanos e a proposta de rever o conceito de família, alterando a sua constituição para membros unidos por laços emocionais e não apenas por laços de sangue.