Conceber um projeto que torne a dermatologia acessível a todos. Era esse o desafio do programa da Fundação La Roche-Posay, Dermatologist from the Heart. O projeto vencedor vai permitir implementar a consulta de dermatologia, até agora inexistente, na ilha açoriana do Corvo.
São apenas 430 os habitantes da ilha do Corvo, a mais recôndita dos Açores. Ao isolamento característico da insularidade juntam-se algumas dificuldades peculiares: o relevo e o clima dificultam o transporte, 16% da população tem mais de 65 anos e, das 186 famílias residentes naquele território com 17 quilómetros quadrados, 41% são compostas por uma única pessoa.
A avaliação do estado saúde é assegurada por uma única enfermeira e um único médico, especialista em medicina geral e familiar. São ambos residentes na ilha. Qualquer outra especialidade médica implica deslocação a outra ilha. No total das nove ilhas do arquipélago, há apenas meia dúzia de dermatologistas, parte deles a atuar apenas no setor privado. Foi com tudo isto em mente que os dermatologistas João Teles de Sousa e Maria Goreti Catorze se sagraram vencedores da edição deste ano do programa Dermatologist from the Heart, promovido pela Fundação La Roche-Posay. Chamaram-lhe «Dermatologia da Ilha do Corvo».
O galardão que receberam no passado fim de semana no XIV Congresso Nacional de Dermatologia premeia a ideia de rastrear a população da ilha. A proposta é simples: em dois dias consecutivos, observar toda a população com 18 anos ou mais, num total de 350 pessoas. O objetivo é rastrear doenças de pele, com especial ênfase para o cancro e as dermatomicoses, infeções cutâneas provocadas por fungos.
Maria Goretti Catorze explica que a escolha do Corvo se deveu à «ligação profissional e também afetiva» com as ilhas, uma vez que já colabora com o Hospital do Divino Espírito Santo, em Ponta Delgada, desde 2001. João Teles de Sousa, que também colabora com hospitais açorianos desde 2008, reforça que a iniciativa da foi o clique que faltava para avançar com a proposta. Contam com os dez mil euros do prémio para implementar o projeto no terreno.
Manuel Rita, de 66 anos, é habitante da ilha do Corvo e gere em conjunto com a filha uma pequena guest house familiar. Reagiu com um entusiasmado ao prémio: «Ora isso é que é uma boa notícia.» Explica que para os corvinos ir a uma consulta de especialidade envolve uma deslocação até às ilhas de São Miguel, Terceira ou Horta e custos entre os cem e os 200 euros. Assim, confessa que muitos habitantes não vão fazer as consultas que lhes são recomendadas por causa do valor. «Depois, às vezes, quando sabemos das nossas doenças já é tarde e a más horas.» Por dois dias, João Teles de Sousa e Maria Goreti Catorze vão encurtar a distância. E acreditam que a implementação do projeto não será difícil. O plano, conforme explica João Teles de Sousa, é «começar por estabelecer uma relação com as autoridades políticas, sanitárias, médicas e, muito provavelmente, também com as religiosas. O padre é uma pessoa importante, que pode ajudar na divulgação.» E sendo a população pequena, será fácil estabelecer contacto. Afinal, Vila Nova do Corvo é o único povoado da ilha e a única estrada que existe não tem muito mais do que sete quilómetros.
Maria Goretti Catorze calcula que para o rastreamento dos 350 habitantes com 18 anos ou mais vão ser necessários dois ou três dias a dividir pelos dois autores do projeto. «A pele é um órgão exposto e isso simplifica o trabalho porque permite uma observação fácil. Mas se alguém se quiser juntar ao projeto, será bem-vindo!»
Lançado em 2011, em França, o programa Dermatologist from the Heart tem como objetivo incentivar e apoiar iniciativas de espírito comunitário, nos países em que a marca está presente. Com a parceria da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia (SPDV) – nomeadamente através do corpo de jurados, todos elementos da sociedade –, este projeto traduz aquilo que a marca assume como a sua grande missão: melhorar a qualidade de vida das pessoas.
A dermatologista Carmen Lisboa, um dos elementos do júri da edição deste ano, explica que «o Dermatologist from the Heart é um prémio diferente da maioria dos prémios e das bolsas atribuídos habitualmente. «Não tem como objetivo apoiar diretamente investigação médica. Ele premeia projetos que veiculem as competências e os conhecimentos dos dermatologistas para a comunidade, tornando a dermatologia acessível a todos», refere a médica.
Tornar a dermatologia acessível a todos, pelo menos na ilha do Corvo, é o que fará o projeto deste ano. Os autores acreditam que, embora seja uma intervenção pontual, o impacto se prolongará no tempo, não só com os benefícios que um rastreio atempado pode ter na vida das pessoas, como porque se propõe a divulgar medidas de medicina preventiva que esperam que perdurem nesta comunidade.
O programa tem como objetivo incentivar iniciativas de espírito comunitário e conta com o apoio da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venerologia.
INOVAR NA DERMATOLOGIA
Foram nove as candidaturas ao programa Dermatologist from the Heart, envolvendo 22 dermatologistas. De norte a sul de Portugal. Estes são os outros projetos concorrentes.
1 Viver com dermatite atópica, de Manuela Selores, Susana Machado e Fernando Mota.
«A ideia é ajudar e acompanhar os doentes», explica Fernando Mota. Um programa educacional para os pacientes e seus pais (no caso de crianças pequenas). Susana Machado refere que esta «é a patologia inflamatória mais comum na consulta de dermatologia pediátrica e que há imensos cuidados que as crianças, os pais e quem toma conta delas, por exemplo no infantário, deve ter».
2 Ensinar psoríase ao doente, de Tiago Torres, Glória Velho, Isabel Amorim e Mónica Caetano.
A psoríase é uma doença crónica que afeta entre 1% a 3 % da população e que está associada a comorbilidades, por exemplo, a nível cardiometabólico. Este projeto propõe sessões educacionais aos pacientes, de forma a conhecerem melhor a doença, os seus sintomas, manifestações, impacto na qualidade de vida e, simultaneamente, incentivar a promoção de bons hábitos e comportamentos.
3 Programa nacional de rastreio e formação de atletas de alto risco de cancro cutâneo, de André Pinto, Júlia Vide, Manuel António Campos, Margarida Rato, Nélia Cunha e Rui Pedro Santos.
Nem sempre os praticantes de desporto se protegem contra a radiação solar. Este trabalho propôs um programa de educação para a saúde a decorrer em seis cidades, e uma campanha de rastreio de cancro cutâneo, direcionada para a população que pratica atividades desportivas de risco para esta doença.
4 Uma carrinha, para dar uma olhada, de Ana Isabel Moreira.
O principal objetivo desta iniciativa seria o rastreio de populações de alto risco e jovens carentes para o cancro cutâneo. A ideia proposta foi alugar uma carrinha, equipá-la com material médico necessário e visitar escolas, praias e outros sítios públicos, fazendo sessões de rastreio e fornecendo à população – sobretudo aos jovens entre os 13 e os 17 anos – informação educacional.
5 Diagnóstico precoce e prevenção do cancro cutâneo no Alentejo, de Marília Fonseca.
O principal objetivo desta iniciativa é dar atendimento dermatológico à população carente do distrito de Évora, com população dispersa, envelhecida e com trabalhos agrícolas, no exterior, sob o forte sol de verão. Marília Fonseca propõe não só sessões de esclarecimento à população como treino de profissionais da saúde no reconhecimento de fatores de risco e sintomas precoces de cancro da pele.
6 Fim de semana psoríase, de Nuno Menezes.
Este projeto visa combater o mito de a psoríase, «além de não ter cura – o que é verdade–, é uma condição para a qual não há muito a fazer», explica Nuno Menezes. Na verdade, há. Por isso, o dermatologista queria promover reuniões com doentes interessados «para divulgar o que há de novo no tratamento e mesmo para que o padrão de exigência dos doentes para com o médico possa aumentar». Propôs a organização de uma corrida para dar visibilidade à doença junto da população geral.
7 Fototipos de pele diferentes, a mesma necessidade de ajuda, de Carla Rodrigues Sereno.
A proposta foi organizar sessões plenárias gratuitas para pessoas de pele negra que vivem na área urbana de Lisboa, dando-lhes assim acesso fácil a informação dermatológica sobre o seu fototipo e cuidados necessários. A ideia nasceu porque, sendo médica na zona de Amadora e Queluz, Carla verificou que grande parte desta população não tem acesso a informação rápida e especializada e não pode pagar uma consulta privada.
8 Estratégias para otimizar a prevenção do cancro cutâneo, Ana Filipa Pereira, Osvaldo Correia, António Picoto e João Maia Silva.
Mudar comportamentos e detetar sintomas atempadamente devem ser a chave de combate à doença. Mas, como explica Osvaldo Correia, «para otimizar a mudança de comportamentos será provavelmente necessário usar uma linguagem e estratégias de comunicação diferentes para cada nicho». Esse era o objetivo deste projeto.
AMÉRICO FIGUEIREDO, PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE DERMATOLOGIA E VENEREOLOGIA
«SENTIMOS AS NECESSIDADES DA POPULAÇÃO»
A crise é tema de todos os dias. Sabendo nós que esta conjuntura condiciona o acesso aos cuidados de saúde, em que medida é importante uma componente de solidariedade e altruísmo entre os médicos portugueses?
_A classe médica sente as necessidades da população e colabora, dentro das suas possibilidades, na diminuição do impacto socioeconómico e financeiro. A contribuição dos médicos é feita não só de forma voluntária, porque têm uma obrigação ética e formação para o fazer, mas também de forma obrigatória, com o desvalorizar de uma forma imensa do valor do trabalho médico.
Perante isto, as pessoas têm tendência a privilegiar a ida ao especialista em medicina geral e familiar, em detrimento de outras especialidades, como dermatologia?
_Acredito que a tendência seja essa. De uma forma simplista, acredita-se que o médico de família pode resolver a maior parte das situações. Mas a medicina mais económica é aquela que procura de imediato as soluções mais adequadas. A nós, dermatologistas, o que nos custa ver, por exemplo, é o doente que traz uma «sacada» de medicamentos, que consome imensos recursos e que, tendo uma situação médica relativamente simples, pelo facto de não ter procurado um dermatologista logo no início, fez um percurso penitencial.
Em que medida é que este tipo de iniciativa da indústria, como o Dermatologist from the Heart, promovido pela La Roche-Posay, pode ser um estímulo ao altruísmo da comunidade médica?
_Contribui bastante para o surgimento de novas ideias. Ajuda os dermatologistas a pensarem em projetos que sejam solidários. Claro que são iniciativas pontuais, que não resolvem os problemas de fundo, mas podem ajudar a criar ótimas ideias de futuro. Para resolver questões de fundo e de monta existem outros prémios e trabalhos importantes, a nível da produção científica nacional e que, de resto, colocam a dermatologia portuguesa numa posição internacional de destaque por comparação com outras áreas. No entanto, estas iniciativas são sempre muito bem-vindas, sobretudo a nível do estímulo à criatividade que geram.