Poeira aos olhos
Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.
Talvez o que vou contar seja transversal à geração X, que cresceu com a televisão a preto e branco, um único telefone em casa com um fio gigante para chegar a todas as divisões, matinés no Rock Rendez-Vous e saídas à noite no 2001. Ao longo das décadas de 80 e de 90, enquanto Portugal mudava lentamente, Lisboa evoluía muito depressa. Os ares da democracia vieram para ficar, estávamos na cauda da Europa, mas queríamos crescer. Fomos ambiciosos e disciplinados, acreditámos que seríamos um pequeno grande país.
Tal como aconteceu com muitos desta geração, tive um pai democrata, que foi contra o regime, e por causa disso perdeu o emprego, e depois da Revolução de Abril perdeu outro, pela mesma razão. Ser democrata em Portugal nunca foi fácil. A Esquerda extremista ou caviar (ou ambas, por vezes até, pasme-se, encarnadas na mesma pessoa) sempre fez questão de colar o Centro e a Direita à ideologia fascista e antidemocrática. Já passámos mais anos em democracia do que em ditadura, contudo, o estigma é cultivado nos media e na sociedade em geral, como se defender ideais de Direita seja algo pouco digno, um sinal de fraqueza ou de falta de inteligência. É o lápis azul ao contrário. A Direita democrática nunca foi fraca, simplesmente andou a reboque dos prejuízos dos governos socialistas que andaram a brincar com Portugal.
O meu pai era um engenhocas. Passava horas intermináveis na sua oficina em casa. Tinha uma folha A4 pendurada entre as ferramentas que dizia: “Aqui não se aceitam conselhos de quem saiba mais, mas de quem tenha feito melhor”. Nenhum de nós herdou o seu dom, mas ficou para sempre a memória de um ser humano corajoso e idealista, um espírito indómito e independente.
A memória é um dos patrimónios mais preciosos do ser humano. Ao esquecermos rapidamente, corremos o risco de apagar tanto o bem, quanto o mal. Um dos estratagemas de alguns políticos em Portugal também passa pelo aproveitamento dessa falha coletiva que assola a massa encefálica de alguns portugueses. A memória nacional é seletiva, os salazaristas só recordam os grandes feitos do tirano, os esquerdistas apenas enaltecem as conquistas de Abril. Assistimos diariamente a uma tentativa de branqueamento de um ex-ministro que, enquanto governante, se envolveu em polémicas e que, pasme-se mais uma vez, reclama para si várias medidas propostas pelo PSD que chumbou ou boicotou: creches gratuitas, recuperação do tempo integral de serviço dos professores, redução das SCUTS, entre outras.
Não basta ter retórica e puxar à lágrima fácil em entrevistas em programas de entretenimento. É preciso ser consistente e consequente. Pedro Nuno Santos não fez melhor. A poeira que espalha pelo ar não irá distrair todos aqueles que têm boa memória e que continuam a acreditar que ainda vamos a tempo de ser um pequeno grande país.