Joel Neto

Do verbo cambalear


Rubrica "Pai aos 50", de Joel Neto.

Creio que a conversa se avolumou a propósito da inexistência de uma palavra portuguesa para o conceito. Mas o facto de nos termos posto a discutir o termo em inglês, provavelmente, já trazia água no bico.

Portanto, “Toddler: criança com idade algures entre 1 e 3 anos de idade, quando já não é um bebé mas ainda não completou a aquisição da marcha”.

– Curioso – acrescentou a Marta, de telemóvel em riste. – Vem de to toddle. Cambalear de um modo infantil.

E eu:

– Como assim, “quando já não é um bebé”?

Foi uma surpresa porque, não havia ainda meia hora, tínhamos estado os dois, eu e ele, a cantar o “Um dedinho, um dedinho, toca, toca, toca!”, com gestos e tudo, e na verdade ele nem sequer cantava, limitando-se a seguir os meus lábios, divertido, enquanto tentava não perder o comboio dos gestos que já consegue fazer. Pois, por muito que eu quisesse acreditar que continuávamos a ter um bebé, o Prof. Google guardava uma notícia para nós: o que nós tínhamos era um toddler, e as duas coisas não podiam ser mais inconciliáveis, desde logo porque uma significava a ausência da outra.

Nunca me tinha ocorrido. Lembrei-me da quantidade de vezes que ouvi essa frase no último ano e meio:

– Aproveita que é num instante.

– Um instante, é num instante!

– É que é mesmo num instante…

E depois decidi que o significado da descoberta era o mesmo de sempre: que isso de ser pai aos 50, afinal, não só não tinha nada de contranatura, mas inclusive não encerrava qualquer risco, porque ainda uma pessoa não tornara a fazer anos e já o bebé não era um bebé – nem sequer havia tempo para perder as forças, ou a agilidade, ou o ânimo, e muito menos a vida.

Às vezes as coisas significam exactamente aquilo que nós queremos que elas signifiquem. É outra aprendizagem que a idade nos traz, de resto também ela bastante conveniente à prática deste desporto radical a que convencionámos chamar paternidade.

E, é claro, também não deixei de dizer a mim próprio aquilo que, em momentos de perda de semelhante natureza, todos os pais dizem: “Mas porque é que há-de ser o Google a decidir quando o meu filho deixa de ser um bebé? Porque é que há-de ser algum pediatra a proclamá-lo, se sou eu o pai dele?”

Disse-o a mim e, acto contínuo, disse-lho a ele:

– Vai ser sempre o meu bebé, Artur.

E ainda repeti aquela palavra, “bebé”, como se, repetindo-a, a consagrasse verdadeira até nova revisão.

– O meu bebé, ouviste?

Mas só quando, regressado de ir deitá-lo, encontrei ao canto da sala da televisão a cafeteira italiana com que ele tinha estado a brincar, repleta de discos de madeira, cenouras de plástico e um frasquinho de Vibrocil, consegui respirar fundo.