Água, a riqueza escondida de Portugal

Lisas, gasocarbónicas ou gaseificadas, as águas produzidas em Portugal atingiram números nunca antes alcançados. As marcas multiplicam-se, os processos de produção também. Sempre com a questão ambiental como ponto estratégico.

Portugal é um país de água. Ou melhor definindo, de águas. Muitas, variadas e com uma característica comum: a relação forte com o mercado. Os números dão força a isso mesmo. Comprova a Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais e de Nascente (APIAM) que existem no país 33 unidades de engarrafamento, a grande maioria no Interior, responsáveis por 7500 postos de trabalho diretos e indiretos e pela produção de 1493,8 milhões de litros por média anual. Mais, acrescenta a APIAM, a nossa água ultrapassa fronteiras e chega a 51 países, com 3% do total a ser unicamente destinado a exportação, com a Europa a assumir o grosso das vendas (56,5%) e África em lugar de destaque (25,1%).

Diz a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) que em 2022 – ainda não são conhecidos os valores do ano passado – foi produzido um volume de 1621,8 milhões litros de água lisa em todas as empresas do setor com sede em território nacional. A água gasocarbónica ficou-se pelos 42 milhões de litros. E a gaseificada pelos 23,4 milhões de litros. Valores que comprovam a pujança de um setor em pleno crescimento e com muita margem de progressão pela frente. Mas em que não se esquece a tradição e a história, porque as águas há mais de um século que fazem parte do bem-estar dos portugueses com lugar de destaque.

Com 170 anos de idade, a Água de Luso é a veterana do mercado em Portugal. Ganha a ponta como a marca nacional mais antiga em atividade. E continua proeminente em termos de estratégia, vendas e implementação junto dos consumidores.

“Ocupamos um lugar de destaque junto das famílias portuguesas”, orgulha-se Sara Ornelas, responsável de marketing da Luso. E qual o segredo para tamanha longevidade e presença na casa dos portugueses? “Somos reconhecidos não apenas pela nossa pureza original e pelas propriedades naturais, somos muito mais do que uma simples fonte de hidratação, somos uma tradição que atravessa gerações”, define.

Sara Ornelas, responsável de marketing da Água de Luso, a mais antiga do setor, com 170 anos
(Foto: Walter Branco)

Os segredos que a Água de Luso mantém para continuar merecedora de plano de destaque são tudo menos isso mesmo, segredos. “A inovação e a sustentabilidade são pilares essenciais e que fazem parte da nossa jornada. Somos uma água com particularidades distintas, como o baixo sódio, o pH equilibrado e a baixa mineralização”, aponta Sara Ornelas.

Foco na sustentabilidade

Com o tempo, a Água de Luso foi-se adaptando às novas visões de mercado e experimentando fugir do convencional. Lançou águas que misturam sumos de frutas, por exemplo. E aderiu sem demoras à visão sustentável em nome de um bem maior, o do futuro do Planeta. “Temos garrafas retornáveis e ainda um ecopack de dez litros”.

“As preocupações ambientais já fazem parte da marca desde a sua origem. As nossas garrafas podem ser reutilizadas, em média, 19 vezes. Além disso, fomos pioneiros no Mundo na redução da espessura das cápsulas das garrafas de plástico”, orgulha-se. São também adotados princípios de ecodesign e medidas de redução do excesso de embalagem, nomeadamente de plástico.

“A garrafa de vidro retornável foi o nosso primeiro formato disponível sendo uma opção de embalagem em linha com uma economia circular, uma vez que, após ser utilizada, é recolhida, higienizada, e volta a ser usada no mercado”, assinala Sara Ornelas.

A presença no estrangeiro também não está esquecida e tem sido aposta fundamental, “com a presença em 20 países” de diferentes continentes.

No fundo, o que Água de Luso tentou fazer foi nunca fugir às origens e manter uma filosofia que pode com ela trazer inovação mas que nunca deixa para trás uma história rica nela própria. “Foi isso que trouxe a marca até aos dias de hoje com o sucesso que todos reconhecem e com um portefólio diversificado, com diferentes formatos, que lhe permite acompanhar gerações e promover estilos de vida saudáveis”, explica Sara Ornelas. “Procuramos antecipar mas também acompanhar as tendências e preferências dos consumidores, inovando e melhorando a oferta de forma constante”, exemplifica.

(Foto: Jaimanuel Freire)

Nascida como empresa em 1852, a Água de Luso sempre teve as suas captações naquela vila do concelho da Mealhada, conhecida pelas suas fontes abundantes e onde moram pouco mais de duas mil pessoas, com a Serra do Buçaco como vizinha e testemunha.

“São águas que apresentam características únicas e de uma pureza original, decorrentes da origem subterrânea profunda e sem necessidade de bombeamento”, classifica a responsável.

Um processo natural que nunca fugiu ao essencial que a Natureza dá e devolve. Começa com a queda das chuvas, prossegue com a lenta filtragem da água pela própria Serra do Buçaco, um processo que pode chegar a mil anos e acontece a centenas de metros de profundidade. “Tal permite criar uma água nobre e pura, que não sofre qualquer contaminação humana ou tratamento químico”, garante Sara Ornelas. E, para que a sua fonte das fontes mantenha a pureza de sempre, a Água de Luso apostou em proteger o aquífero do Buçaco através de programas constantes que lhe permitem conservar as características que a fizeram nobre. “A preservação do recurso hídrico e do ecossistema do Buçaco são assumidas e garantidas por planos responsáveis de captação e acompanhamento da qualidade, por iniciativas de preservação da Natureza e Biodiversidade e de reflorestação”, alude.

Petróleo do século XXI

Se a Água de Luso é a mais antiga de Portugal, a Águas das Caldas de Penacova é das mais recentes. Foi pensada e fundada no lugar de Mata das Caldas por Urbano Marques em 1999, quando ali, naquelas terras que encobriam correntes subterrâneas bastantes, descobriu um lado escondido com muito para dar. Urbano, hoje com 81 anos, deixou a área das madeiras, marcenarias e carpintarias onde sempre trabalhara e passou a ter na água o seu único foco. “Tudo nasceu e cresceu comigo”, regozija-se. Com ele e com outros dois sócios, entretanto falecidos. “Dizia-se então que a água seria o petróleo do século XXI e assim é, dada a sua escassez”, realça.

Urbano Marques, 81 anos, fundador das Águas das Caldas de Penacova
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Por Penacova aproveitam-se também as dádivas da “muito generosa” serra do Buçaco e partilha-se com o Luso o privilégio de as aproveitar. Ali, bombas de furos trabalham 24 horas sobre 24 horas em 27 reservatórios que conseguem guardar 100 mil litros de água cada. “Temos um perímetro de proteção que cobre parte da serra”, detalha Urbano Marques.

O investimento foi forte, só nos últimos anos chegou aos oito milhões de euros. O retorno foi igualmente significativo. “Estamos a engarrafar 253 milhões de litros por ano, o que corresponde a uma faturação de 27 580 milhões de euros e a um crescimento anual que varia entre os 8% e os 15%”, descreve. A modernização, aliada à contínua preservação da qualidade da água, é uma das chaves da empresa, que tem em marcha um projeto de substituição de maquinaria “do mais moderno que existe no Mundo” com vista a enfrentar os desafios do futuro. “Queremos também construir um armazém de 8600 metros quadrados para guardar mais stock, os dois que temos atualmente não chegam para tudo, sobretudo no verão, quando as vendas são mais elevadas”, conta Urbano Marques.

(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Todos os dias saem de Penacova “entre 40 e 70 camiões de água carregados”. É uma “produção non stop de janeiro a dezembro”, que tem na proteção ambiental sinal indicador forte: “Trabalhamos com o chamado vidro moderno, plástico que não é composto apenas de petróleo e é 100% reciclável e que vai sendo gradualmente reduzido”. Vendas que chegam não apenas a Portugal mas que se espalham por mercados como o espanhol e o italiano, além dos países africanos de língua oficial portuguesa. “Somos líderes nacionais há nove anos consecutivos e a empresa mais empregadora de Penacova”, afirma com sentido de honra o administrador. “Consideramo-nos uma família, organizamos programas para os trabalhadores e suas famílias, procuramos que se sintam bem e sempre motivados”, sublinha. “Além disso, não temos ninguém a ganhar o salário mínimo, garantimos prémios de assiduidade e de produtividade”, traça, qual empresário que faz da raridade norma.

O segredo dos minerais

Nas entranhas da Lourinhã, distrito de Lisboa, onde o mar casa perfeito com terras vastas, as centenárias Águas do Vimeiro são figura grada da região. Além do engarrafamento de águas naturais, são ali aproveitadas as propriedades termais que lhe deram fama e até um hotel nasceu para acolher quem as queira experimentar.

Diogo Abreu, chief executive officer da Águas do Vimeiro. O mercado interno (mais de 90% do total) domina as vendas da empresa da Lourinhã
(Foto: Mário Vasa/Global Imagens)

Numa empresa com cerca de 70 funcionários em que se cruzam gerações de trabalhadores da mesma família, foram lançados para o mercado 12 milhões de litros de água, tanto lisas como gaseificadas. Mas já foram mais. “Em 2019, a produção chegou aos 40 milhões”, frisa Diogo Abreu, chief executive officer da Águas do Vimeiro. A quebra é fácil de justificar: “Deveu-se à descontinuidade de fornecimento de marcas de distribuição, que não nos interessavam do ponto de vista estratégico e financeiro, além do fim da parceria exclusiva com o grupo Delta”.

(Foto: Mário Vasa/Global Imagens)

Na empresa, acredita-se que a água não é apenas isso mesmo, é um produto superior que se destaca pela diferença entre a concorrência. “É bastante superior em termos de qualidade devido à mineralização e composição. Está cientificamente comprovado que são os minerais que aportam a quem a consome”, defende o responsável. Chegar a tal processo é falar de um complexo e demorado caminho que leva o tempo que a Natureza confere e ordena. “As nossas águas são provenientes diretamente do solo a dois mil metros de profundidade. Correm um determinado percurso, passam por rochas, são filtradas naturalmente, absorvem minerais e adquirem características únicas até chegarem aos aquíferos, que são os pontos de captação. Tudo isto demora entre 30 e 40 anos a completar-se mas conferem-lhe uma identidade muito própria”, diz Diogo Abreu. Que pode ser traduzida nos mil miligramas de minerais por litro, contra a média de 50 miligramas de outras marcas, o que implica mais cálcio, mais magnésio e mais potássio. “Temos regras muito exigentes na qualidade do produto, a nossa água é 100% pura e para a saúde”, assegura. O mercado interno domina as vendas da Águas do Vimeiro, mais de 90% do total, com o mercado externo a não merecer muita importância. “A água é um produto que viaja mal, que tem muito peso e pouco valor”, resume Diogo Abreu.

Preocupação e otimismo

De acordo com um relatório das Nações Unidas, os EUA, a China, a Indonésia, a Coreia do Sul e a Alemanha são os maiores produtores mundiais de água engarrafada. Portugal figura entre os 50 primeiros, na 44.ª posição. Em termos de vendas per capita, lideram Singapura, Austrália, Canadá e Malta. E Portugal volta a surgir exatamente no mesmo 44.º lugar.

O mesmo documento aponta a questão ambiental como prioritária, lembrando que “os recipientes de plástico representam de longe as embalagens mais comuns” usadas na indústria da água. “A cada minuto, mais de um milhão de garrafas são vendidas globalmente, o que leva a um grande problema dado que os materiais plásticos podem levar mil anos até se degradarem”, lembra a ONU.

(Foto: Água de Luso/Facebook)

Segundo a estatística oficial da DGEG, em 2022, último ano com dados disponíveis, foram vendidos em Portugal 773,3 milhões de litros de água de nascente e 863,5 milhões de água mineral. Qualquer coisa como, respetivamente, 77,89 e 86,97 litros per capita. Uma subida, de acordo com a mesma fonte, de 12,79% em relação ao ano anterior, a maior de sempre verificada durante a última década.

As receitas das vendas também sugeriram ventos de feição. Internamente, diz a DGEG, somaram 349,3 milhões de euros, um valor recorde. As exportações atingiram cifras assinaláveis, com um total de negócios de 8,2 milhões de euros, também nunca antes alcançado.

(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Assim vai o tesouro escondido de Portugal, que brota das suas entranhas de norte a sul do território e nos chega a casa puro, imaculado e cristalino. Tão diferente nas suas origens, tão igual na sua generosidade. E que nos é trazido por quem o torna ainda mais completo na sua riqueza, em nome de um bem que abunda num país carente de riquezas naturais. Essa mesma água que corre selvagem e íntegra como se não tivesse dono, apenas propriedade de todos os que temos a quase honra de a poder consumir.


Números

7500
Postos de trabalho diretos e indiretos gerados pelas 33 empresas de engarrafamento de água sediadas em Portugal

863,5
milhões de litros de água mineral foram vendidos em Portugal em 2022, último ano com dados oficiais disponíveis

1493,8
milhões de litros de águas são produzidos anualmente, em média, nas empresas nacionais do setor, segundo dados da Associação Portuguesa dos Industriais de Águas Minerais e de Nascente