Margarida Rebelo Pinto

Afinal quem é de Marte?


Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.

Atravessamos um momento bizarro e algo assustador para a humanidade que se revela, entre muitos outros fatores, na ascensão de líderes tirânicos e na ameaça iminente de uma terceira guerra mundial. O Mundo está cada vez mais polarizado a nível social, económico, religioso e comportamental. Um sinal dos tempos é o fosso ideológico nas novas gerações que aumentou entre os sexos. Na Geração Z, que engloba pessoas nascidas entre 1995 e 2010, temos mulheres mais progressistas e homens mais conservadores. Elas cresceram ao som dos ecos do feminismo e viveram o movimento #metoo. Nunca, em gerações anteriores, puderam expor de forma aberta e sem culpa o assédio masculino, bem como as mais variadas formas de discriminação que sofrem desde que a humanidade existe. Por outro lado, eles cresceram a ouvir narrativas saudosistas dos homens de gerações acima, na família e na televisão, proclamando os tempos áureos em que eram os machos que mandavam, reclamando um território perdido que lhes incute uma espécie de nostalgia poética de um tempo que nunca viveram. Isso explica o fascínio por figuras autoritárias que representam os valores da masculinidade em declínio. O mesmo parece estar a acontecer em Portugal, basta ver a adesão da juventude à força política representada pelo Chega. São dados indicadores de que a masculinidade tóxica, baseada num machismo estrutural, considerando a priori a superioridade inata inerente ao sexo masculino, está de regresso.

Acredito que uma das questões subjacentes a esta realidade tem a ver com a noção de território. Enquanto as mulheres governavam a casa e a horta durante a ausência masculina, cabia-lhes o papel da preservação da espécie através da permanência e da continuidade. O homem era lutador e caçador, a mulher, cuidadora e recoletora. Cada um tinha o seu espaço de ação definido. Quando o homem regressava ao burgo e ao lar, trazia alimentos ou riqueza oriunda de despojos de guerra, promoções numa escala militar hierárquica, ou outras benesses conquistadas pela sua bravura. Assim, a casa sempre foi um reduto de paz para o homem onde ele podia usufruir do merecido descanso do guerreiro. Já as mulheres, impedidas de alargar o seu raio de influência a outros territórios, entretinham-se a fazer a guerra em casa, com a mãe, a sogra, as irmãs, as cunhadas e as vizinhas, ou com o marido quando este voltava.

As mulheres invadiram o território masculino em várias áreas, nomeadamente a profissional, criando nos homens um sentimento de ameaça permanente. O lado guerreiro na génese feminina faz-me pensar que as mulheres também são de Marte, contrariando a ideia lançada por John Gray no célebre livro de 1992, “Os homens são de Marte, as mulheres são de Vénus”.

Afinal quem é de Marte? No fundo, somos todos.