A “maldição” do casamento depois de muitos anos de namoro

Uma relação longa não é sinónimo de um casamento duradouro e há casais que estão juntos durante anos e se separam pouco depois de darem o nó. Explorar os sentimentos é fundamental quando se pensa em avançar para o altar.

Às vezes dizer “sim” pode ser o princípio do fim. Assim parece, ao olharmos para as histórias de alguns famosos. A estrela de televisão Danielle Staub e o empresário Marty Caffrey começaram a namorar em 2016 e casaram dois anos depois, mas o enlace não chegou sequer aos quatro meses. A cantora Miley Cyrus e o ator Liam Hemsworth até tiveram um relacionamento longo – perto de dez anos, embora com altos e baixos – mas o casamento, no final de 2018, não passou dos oito meses. O ator Mario Lopez e a antiga Miss USA Ali Landry namoraram seis anos antes de darem o nó, numa cerimónia no México, mas o casamento durou um par de semanas.

Fora dos ecrãs e dos palcos, também há situações destas. “Há casos de mais de uma década de relacionamento, mas depois o casamento não durou. Casos em que namoraram vários anos, compraram casa, marcaram casamento e depois não o concretizaram”, diz Cláudia Morais, psicóloga clínica e terapeuta de casal há 20 anos, que também se tem dedicado à investigação e já publicou diversos livros.

Cada caso é um caso. Mas há padrões que não têm escapado à especialista. “Há pessoas, e é muito frequente nos relacionamentos longos em que não haja casamento, que vão de facto adiando esse passo, muitas até com leveza e brincadeiras, dizendo que o casamento não acrescenta nada. Mas emocionalmente o que há é uma aversão ao compromisso, ainda que depois, na prática, o compromisso seja real. É algo mais emocional do que racional.”

Porque avançam, então, para o altar? Segundo Cláudia Morais, existem casais com essa tal aversão que, à medida que os anos vão passando, “se vão sentindo progressivamente mais seguros em relação à proximidade e vão relaxando perante a ideia de casamento”.

Mas há outros casos, explica, “em que um dos membros do casal sente, inconscientemente, essa aversão ao compromisso, enquanto o outro busca incessantemente muita proximidade”. Gera-se uma espécie de “círculo vicioso”. Um corre atrás e o outro foge dessa busca, desse compromisso. E, por vezes, “ao fim de anos e discussões, o casamento surge quase como se uma das partes tivesse sido vencida pelo cansaço”. Contudo, dificilmente será um casamento longo e feliz, pois, inconscientemente, a pessoa sente-se “sufocada”.

A tal aversão ao compromisso, o evitamento, mais não é do que um “mecanismo de defesa inconsciente que adotamos algures no nosso crescimento, seja na infância ou noutras relações românticas, e é uma forma de o nosso cérebro nos tentar proteger de sofrimento”. A pessoa pode, ao longo da vida, ter desenvolvido uma “hiperindependência”, que se pode expressar de várias formas, inclusive nos compromissos, considera Cláudia Morais.

Estas pessoas tendem, também, a ter “hipersensibilidade à crítica”, acrescenta. Por isso, muitas vezes as queixas do parceiro(a) são entendidas como ataques pessoais.

“Selo do casamento”

O casamento após uma relação longa pode ser simplesmente uma resposta a uma necessidade muito específica, mais ligada com a vida social ou financeira. Ou então ser uma espécie de “fuga para a frente”, por haver “problemas que parecem muito repetitivos e irresolúveis ao longo da vida do casal”. A dado momento, o casal tem necessidade de cimentar a relação, “com o selo do casamento”, para seguir em frente, refere agora Luana Cunha Ferreira (@luanacunhaferreira.psi no Instagram), psicóloga clínica, terapeuta e professora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Não é incomum, a seguir a “uma crise que abana as estruturas fundamentais do casal, haver a necessidade de algo mais forte que reforce o compromisso, investimento e confiança naquela relação”. Para muitos, o casamento é esse “selo”.

Estas fugas em frente podem funcionar, dando a nova energia e esperança de que o casal precisa. “Mas se os problemas se mantiverem, se não houver um enfrentamento ajustado à dimensão, à gravidade e à frequência dos problemas, naturalmente que esse selo do casamento pode não chegar”, alerta Luana Cunha Ferreira, que ajudou a fundar a Associação Casa Estrela do Mar, escreveu um livro e tem colaborado em diversos eventos e publicações. Os casais devem tentar identificar os problemas, procurar estratégias de resolução e entendimento e, se não funcionar, procurar ajuda em terapia de casal, recomenda.

Quem olha de fora pode criticar estas situações de casamentos relâmpago. Mas “não são telenovelas”, retoma Cláudia Morais, explicando que “ninguém está nestas situações de ânimo leve”. “Se as pessoas estão muitos anos sem conseguir dar esse passo, e se o dão porque se sentem obrigadas e depois se separam, há sofrimento.”

Muitas vezes, os julgamentos vêm da própria pessoa que tem hipersensibilidade à crítica e que ao longo do namoro percebe que não quer estar na relação, “mas não dá atenção aos próprios sentimentos porque tem medo de desiludir, de ser visto como mau caráter, de desapontar os familiares e amigos que olham para a relação como um modelo”. Sem conseguir dar voz aos próprios sentimentos, este elemento do casal leva a relação até ao extremo, até ao compromisso do casamento. E aí pode sentir-se “assoberbado pelos próprios sentimentos”.

Por vezes, uma pessoa está numa relação mas não está conectada com os seus próprios sentimentos. É como “se estivesse meio anestesiada e, quando se aproxima o dia do compromisso, a única coisa que sabe é que não quer ou não consegue, há uma inundação emocional”, reforça a psicóloga Cláudia Morais.

O facto de uma das partes se sentir sufocada não significa que esteja condenada. Se alguém se sente sufocado, o caminho nem tem de ser insistir no compromisso nem tem de ser o de desistir. O caminho mais saudável é explorar os sentimentos.

Se os membros do casal se sentirem confortáveis com o modelo de relação (com ou sem casamento) não é preciso intervir. Mas, se um ou os dois estiverem em sofrimento e se sentirem desconfortáveis, devem procurar ajuda.

A terapia vai permitir aos membros do casal terem mais empatia, porque “passam a conhecer as necessidades do outro de forma mais clara”, sublinha Cláudia Morais. Isso traduz-se numa “solução de compromisso, que pode passar pelo casamento ou por continuar tudo na mesma, mas com uma escolha consciente e não com alguém a anular-se”. Porém, também pode implicar rutura, pois “as pessoas apercebem-se que querem coisas diferentes”.

E depois do fim?

Mesmo que já exista uma “propensão para alguma forma de evitamento, se houver um investimento numa relação e ela termina porque um elemento se sente sufocado e o outro abandonado, um e outro podem sair com feridas”, avalia Cláudia Morais. Não é de estranhar que, no futuro próximo, tentem evitar relações sérias. Mas, como somos seres sociais, é bem possível que se envolvam novamente.

Uma separação ou divórcio, muitas vezes, é algo “traumático e estas pessoas podem ter “receios acrescidos”, assinala por sua vez Luana Cunha Ferreira. Porém, com este tipo de experiências também se “ganham ferramentas de autoconhecimento e identificação de padrões”. E, possivelmente, as pessoas estarão “melhor equipadas para a próxima relação”.