Sapatos à medida de todos e de cada um

Há sapatilhas para atletas que ajudam a bater recordes mundiais, calçado para doentes com pé diabético carregado de tecnologia que promete prevenir úlceras. E depois há marcas que permitem que tudo seja personalizado, desde o tamanho do salto ao material, e que fazem as delícias das noivas. Até há nichos de mercado só para pés pequeninos. Os sapatos querem-se cada vez mais confortáveis, à nossa imagem e a servir propósitos para além do óbvio.

A performance de Tigist Assefa na Maratona de Berlim foi o gatilho para um falatório à escala planetária. A atleta etíope conquistou um novo recorde mundial na maratona feminina e bateu em mais de dois minutos o recorde anterior. O feito deixou o Mundo a olhar-lhe para os pés, como não poderia deixar de ser, já que ela própria chamou a atenção para isso, num valioso gesto em que apontou para as novas “supersapatilhas” da Adidas, as Adizero Adios Pro Evo 1s. As promessas de inovação da marca alemã pareciam ter ali a prova dos nove e, escusado será dizer, a correria ao novo modelo – mesmo apesar do preço, lá iremos – disparou.

Na verdade, o calçado de corrida de alto desempenho é uma disputa por si só, uma acesa guerra entre os gigantes de calçado desportivo. Os amantes de running são um público apetecível e a alta competição é o selo de qualidade. É certo que as sapatilhas não correm pelos atletas, mas ajudam muito. Afinal, que inovação traz este modelo? “É 40% mais leve do que qualquer outra sapatilha de corrida que a Adidas alguma vez criou. Como tal, proporciona um maior retorno de energia aos atletas, ajudando-os a serem ainda mais rápidos”, responde Sónia Fernandes, PR & publishing manager da marca. O modelo foi testado em laboratório, a espuma é fabricada num processo de moldagem sem compressão, que reduz significativamente o peso da sapatilha (138 gramas apenas), e “a sola exterior tem um composto de borracha líquida de tecnologia de ponta que proporciona uma ótima tração com um peso mais baixo, tal como a parte superior da sapatilha, feita em malha leve”. A geometria convexa na biqueira ainda “impulsiona o atleta para a frente” e melhora “a economia de corrida”.

O design é simples e as sapatilhas têm materiais translúcidos e transparentes, numa espécie de metáfora da sua leveza, um jogo de marketing já quase desnecessário depois do que aconteceu na capital alemã. O preço é de 500 euros e o que gerou ainda mais curiosidade foi o facto de serem de uso único, ou seja, a marca recomenda que o par seja usado apenas uma vez em contexto de competição. Há que explicar. “A natureza de alto desempenho deste calçado torna-o otimizado para o dia da corrida, mas a Adidas testou-o com diferentes atletas em diferentes distâncias. A longevidade exata do modelo dependerá do atleta que o usa e das condições em que é usado.” A questão ambiental levantou-se e Sónia Fernandes contrapõe: “96% de todo o poliéster que utilizamos nos produtos é reciclado, bem como escolhemos materiais reciclados sempre que possível. Para além disso, estamos comprometidos a reduzir a nossa pegada de carbono em média 15% por produto, até 2025, assim como até 2050 pretendemos atingir a neutralidade carbónica”.

As novas sapatilhas da Adidas
(Foto: DR)

Esta não é uma sapatilha comum, o modelo foi criado com e para os atletas de corrida, embora não seja “exclusivamente direcionado para os de alta competição”. “Foi concebido para ajudar todos os atletas a serem ainda mais rápidos, mesmo aqueles que não são profissionais. Todos os amantes de corrida podem tirar o melhor partido deste modelo.”

O pé diabético e um modelo inovador

A tecnologia cada vez mais avançada no calçado para atletas enche manchetes de jornais à boleia dos resultados e desperta a curiosidade até dos mais sedentários e céticos. Mas o mercado mexe-se em muitas direções e a saúde é uma delas. Atualmente, há mesmo sapatos adaptados a todos e a cada um – ou, pelo menos, está-se a trabalhar nisso. E Portugal entra nesta corrida. Em Braga, foi concebido um sapato especificamente para pessoas com pé diabético, cujo projeto juntou vários parceiros, nomeadamente a Ropar SA, de Vila do Conde, detentora, entre outras, da marca Ortomedical, que comercializará o produto, e o Centro Clínico Académico de Braga (2CA-Braga), responsável por quase 50% dos ensaios clínicos realizados em Portugal. “Uma das principais complicações da diabetes, que é uma doença crónica, é a ulceração dos pés dos doentes. Começam por sofrer uma perda de sensibilidade e nos casos mais graves podem desenvolver as tais úlceras que podem levar mesmo à amputação”, começa por explicar Raquel Cunha, gestora do projeto no 2CA-Braga.

O sapato chama-se My Care Shoe e integra várias tecnologias que permitem monitorizar o estado e a saúde dos pés destes doentes. Como? Através de sensores, permite monitorizar a pressão, a temperatura, a humidade. Tem ainda um sistema que atua quando é detetada sobrepressão e outro que permite estimular a circulação sanguínea. Não é só, a informação recolhida pelo sapato está disponível numa app móvel, que permite acesso em tempo real a tudo o que está a acontecer. “Caso sejam detetadas hiperpressões, o doente recebe um alerta na app e pode proceder ao ajuste da pressão e desta forma evitar a ulceração do pé”, refere Raquel. Segundo Mónica Gonçalves, diretora executiva do 2CA-Braga, que resulta de uma parceria entre o Hospital de Braga e a Universidade do Minho e que ajuda a validar clinicamente dispositivos médicos e medicamentos experimentais, “isto é uma novidade a nível nacional e europeu”.

O My Care Shoe tem sensores e atuadores para prevenir úlceras do pé diabético
(Foto: DR)

O modelo do sapato sem esta tecnologia já estava registado no Infarmed, é comercializado pela marca Ortomedical, que conta largos anos de experiência na produção de calçado para pé diabético. Mas agora todos os sensores, atuadores e a bateria serão integrados na estrutura, entre a sola e a palmilha, sem que o doente os sinta. Já foram realizados dois ensaios clínicos, falta o ensaio final para perceber se a monitorização ao longo do tempo previne, de facto, a ulceração. O sapato será vendido como um dispositivo médico, depois de certificado. Marcelino Pinto, responsável pela Ortomedical, vai agora em busca de fornecedores de sensores e baterias, a restante produção será da responsabilidade da Ropar SA. “Os médicos também têm de acreditar neste sapato para o prescreverem”, sublinha. Além disso, diz, “o sapato poderá vir a ser personalizado conforme as necessidades de cada doente, pode ter só sensor de humidade, atuador de vibração para estimulação do sangue ou palmilha de pressão”.

Da personalização aos pés pequeninos

Se formos além do desporto e da saúde, no tema dos sapatos à medida de cada um a personalização é uma área que tem vindo a ganhar terreno. Nesta equação também entra, pois claro, a moda pura e dura, de mãos dadas com o conforto. Escolher um sapato e poder personalizar os materiais, os detalhes, o tamanho do salto, a forma, já é possível em algumas marcas. Ana Amorim começou a cozinhar a ideia da Crème Caviar em 2016. No ano seguinte, atirou-se às feiras internacionais ainda com poucos modelos. A marca de calçado feminino personalizável acabou por ser apropriada por noivas à procura do sapato perfeito para o grande dia. “Mas compra quem quiser e gostar dos sapatos, não é só para noivas”, ressalva a criadora.

Na Crème Caviar, criada por Ana Amorim, é possível personalizar todo o sapato
(Foto: Tony Dias/Global Imagens)

Ana tem um espaço em Santa Maria da Feira onde recebe as clientes que escolhem tudo ao mais ínfimo pormenor. Também vai a Lisboa. Tem um catálogo de modelos-base, todos desenhados por ela. O primeiro passo é escolher o tamanho do salto (também tem rasos), nessa fase as clientes testam todos os tamanhos e só depois é que podem decidir entre os vários modelos que existem para o salto eleito. “É sempre possível fazer ajustes, para pés mais magros, mais gordos, com joanetes, são medidas que dão para adaptar.” A seguir vem a escolha dos materiais, pele, camurça, cetim, glitters, tecidos bordados, “há imensas opções”. “Há clientes que nos pedem um sapato com materiais que não tenham origem animal e isso é possível. Também podem personalizar a sola e a palmilha ou acrescentar acessórios.” É um mundo encantado para as amantes de sapatos.

A produção é feita par a par numa fábrica na zona de S. João da Madeira, “o que tem outra exigência, não é como fazer 800 pares iguais seguidos”. É por isso que o sapato leva até dois meses a ficar pronto e cada par custa em média 280 euros. “É engraçado que já começamos a fidelizar ex-noivas, que nos procuram para comprar sapatos para outros momentos importantes, a defesa da tese de doutoramento, o batizado dos filhos”, comenta.

E, sim, há marcas que também personalizam sapatos para homens, como a Undandy, igualmente portuguesa. Mas falemos de nichos – é, afinal, esse o grande desafio. Talvez nunca lhe tenha ocorrido que ter um pé pequeno seja dificuldade bastante para encontrar sapatos fora da secção de criança. É aqui que entra a Petitfour Shoes.

Margarida Coelho fundou a Petitfour Shoes, uma marca só com modelos do tamanho 32 ao 36
(Foto: Luis Pedro Gomes)

O pequeno bolo da pastelaria fina francesa deu nome ao projeto desta loja online, não é por acaso. Só tem sapatos e sapatilhas dos tamanhos 32 ao 36 e encaixa-se num segmento alto. “A marca é um projeto pessoal, surgiu porque tenho um pé muito pequeno e sempre tive dificuldade em encontrar calçado. Acabava por comprar calçado de criança”, conta Margarida Coelho. Só que a escolha fica reduzida ao universo infantil, além disso “o pé de criança e o de adulto são diferentes”. “Os sapatos que me serviam em comprimento ficavam-me apertados.”

Margarida é terapeuta da fala, não sabia nada sobre a área do calçado, quis arriscar numa marca para mulheres. “Por felicidade encontrei um designer que gostou do projeto e quis colaborar”, destaca. A Petitfour Shoes nascia, assim, em 2019. Os sapatos são todos em pele, modelos simples, design intemporal, várias cores, há rasos e de saltos. Vende sobretudo para o estrangeiro, França, Bélgica, Alemanha. “Este é um mercado de nicho, não existe muita oferta a nível mundial. Tenho clientes que começam por comprar um par e acabam a encomendar o mesmo modelo em várias cores. Isso indica que gostaram, mas sobretudo que têm dificuldade em encontrar um modelo que lhes sirva.” Há uma certeza: o mercado tem vindo, pé ante pé, a adaptar-se a todos.