O princípio do fim do assédio?

Casos espanhóis, ambos ocorridos em direto, trouxeram o tema para o centro do debate. Mas poderão ter um impacto real na prevenção de episódios semelhantes? A visão de quem denunciou, de quem é rosto maior da luta feminista, de quem lembra a “cultura machista, patriarcal e misógina” que ainda dita as leis. E uma frase repetida vezes sem conta, como um suspiro que aspira a grito coletivo: “Todas passamos por isso”.

Era para ser linda a festa no Olímpico de Sydney (Austrália), a Espanha fez história, sagrou-se campeã mundial de futebol feminino pela primeiríssima vez, houve correrias desenfreadas e festejos delirantes, houve fogo de artifício e abraços extasiados, lágrimas sem-fim, e lá pelo meio um presidente que, sem pedir licença, beija a capitã, Jenni Hermoso, nos lábios, ainda lhe passa a mão pelo traseiro a seguir, depois prossegue a farra como se nada fosse, senhor da sua impunidade, como se nenhuma linha tivesse sido transposta, haveria de tentar reforçar essa mesma tese mais adiante. Semanas depois, é uma jornalista espanhola o alvo, Isabel Balado é repórter da Mediaset, está simplesmente a trabalhar, faz um direto a propósito de um assalto a uma loja de conveniência em Madrid quando um estranho surge no plano, aproxima-se cada vez mais, às tantas abeira-se para lhe perguntar de que canal é e enquanto isso apalpa-a, ela não evita o trejeito facial, mas prossegue o direto com heroico profissionalismo, até que o pivô em estúdio a trava, visivelmente indignado: “Isa, desculpa interromper, mas ele acaba de te tocar no rabo?”. E aquela pergunta e tudo o que se seguiu, o momento no seu todo, ainda para mais enquadrado no contexto de uma discussão acesa sobre o caso Rubiales, haveria de correr mundo e dar que falar, de levantar questões, de inspirar debates e reflexões, como esta que cabe nestas linhas.

No espaço de parcas semanas, o assédio, tão comummente atirado para esse lugar obscuro que é o armário da vergonha e da invisibilidade, saltou-nos para a frente dos olhos, não só aconteceu à luz do dia, no espaço público, como teve câmaras apontadas a ele, vimos as imagens uma e uma outra vez, é como um loop de uma forma de violência a que as mulheres continuam a estar sujeitas, desta vez fica mais difícil negar (há quem o faça, ainda assim). E isso, por si só, é algo assinalável, quem sabe um pequeno passo rumo a uma sociedade distinta, onde o machismo estrutural e a violência de género tenham, no mínimo, um papel menor. Pelo menos é nisso que acreditam feministas e figuras conhecidas da praça, da televisão, da moda, da política, mulheres que erguem a voz na luta contra o assédio, que o conhecem tão bem, que não se cansam de repetir, como que num apelo a que outras se juntem à luta também: “Todas passamos por isso”.

O gesto que deixou Espanha em alvoroço: na festa do título mundial de futebol feminino, Luis Rubiales, então presidente da federação espanhola, beijou sem aprovação a capitã da equipa, Jenni Hermoso
(Foto: DR)

Como Sofia Aparício, nome incontornável das passarelas portuguesas, que lida com o assédio desde os 11 anos, que logo nessa idade começou a ter medo de andar de metro porque era “apalpada até ao infinito”, que temia passar em frente a uma obra ou a uma oficina de automóveis, que ainda por cima tinha medo de contar em casa porque “a sociedade incute-nos que a culpa é nossa”. Que no contexto profissional continuou a conviver com homens assediadores, que um dia, contou no ano passado no programa “Goucha”, da TVI, chegou a agredir um deles e que ainda pagou um preço por isso. Por tudo isto, reconhece que há algo de construtivo a retirar destes dois episódios recentes em Espanha, que estão longe de ser exclusivos do país vizinho. “Custa-me sempre que se tirem coisas positivas desta violência constante contra as mulheres, mas é verdade que o facto de estes casos terem acontecido em direto abriu discussões que era importante ter. A nossa atitude, face a atos deste género, é sempre de desvalorizar, porque parece que se desvalorizarmos dói menos, a humilhação não é tão grande. Mas não pode ser, não podemos desvalorizar mais, uma simples mão na cintura a cumprimentar é uma invasão do nosso corpo e isso tem de acabar.”

Jenni Hermoso, de 33 anos, assumiu o desagrado face à atitude do ex-dirigente, motivando uma onda de críticas que redundou na demissão de Rubiales, ao cabo de três semanas. Mas também Jenni ficou de fora da última convocatória da seleção feminina. Para a “proteger”, garantiu a nova selecionadora, causando indignação
(Foto: Jenni Hermoso/Instagram)

Também Daniel Cotrim, psicólogo e responsável pela área da violência de género na Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), sublinha a importância da visibilidade que veio com estes dois casos. “Vieram ilustrar que afinal o assédio sexual existe mesmo, não é uma invenção, não é uma mania das mulheres, como volta e meia argumentam alguns homens quando discutem estes assuntos. Basta andarmos de transportes públicos para percebermos isso. Os apalpões, os encontrões, todos os dias as mulheres são vítimas das mais variadas formas de objetificação.” Tudo fruto de “uma cultura machista, patriarcal e misógina”, garante o especialista. “E o facto de não se falar no assunto naturaliza estas formas de violência. O que a mediatização vem trazer é eventualmente forçar os estados a criar mecanismos para reduzir o número de situações deste género, que muitas vezes não são denunciadas, mas que fazem parte da vida quotidiana de muitas mulheres há muitos anos.” Os números existentes são, aliás, bem reveladores da relutância que há em denunciar. Elisabete Brasil, investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, reforça esta nuance, invocando um estudo recente da Organização Internacional do Trabalho [OIT], em que 6,3% dos inquiridos relataram ter enfrentado violência e assédio sexual no contexto laboral. “E mesmo o último grande estudo que foi feito cá [’Assédio sexual e moral no local de trabalho’, desenvolvido pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género e divulgado em 2016] mostrou números muito significativos [12,6% dos portugueses, na sua maioria mulheres, assumiram ter sido vítimas de assédio sexual no trabalho]. Já o número de denúncias apresentadas fica muito aquém, está muito longe daquilo que os estudos académicos mostram.” Por isso, Daniel Cotrim não tem dúvidas: “Neste aspeto, a mediatização é fundamental”.

“O espaço público não é inteiramente nosso”

Isabel Moreira, deputada socialista que tem sido uma voz importante da luta feminista em Portugal, e que também assumiu publicamente ter sido vítima de assédio sexual em contexto de trabalho, tende a concordar. Lembra, ainda assim, que é importante olhar para os contornos que distinguem os dois casos – o de Rubiales e o da jornalista da Mediaset. Comecemos então por focar aquele que envolveu o então presidente da Real Federação Espanhola de Futebol, que acabou a demitir-se três semanas após o escândalo, depois de desvalorizar de forma reiterada o sucedido, de ter sido suspenso pela FIFA, de receber incontáveis críticas, do Governo espanhol inclusive. “É um caso muito grave, porque envolve uma situação de hierarquia e de poder, de alguém que já tinha revelado uma personalidade tóxica e machista, nomeadamente celebrando golos com a mão nos genitais, e que depois dá um beijo na boca a uma jogadora que devia ser o centro das atenções e o expoente do respeito. O à-vontade com que o faz, e com que depois lhe dá uma palmada no rabo, mostra como essa atitude de à-vontade relativamente aos corpos das mulheres está naturalizada, ao ponto de alguém com o cargo dele, sabendo que as câmaras estão apontadas a si, sentir que tem esse direito e que ainda vai ser celebrado. É gravíssimo.” Como grave é, no seu entender, “tudo o que aconteceu em seguida”. “O hiper-escrutínio da atitude da vítima também nos diz muito sobre algo que é estrutural na sociedade. Claramente, a jogadora não estava em posição de ter reação. Qualquer pessoa que estuda estes fenómenos típicos da vítima sabe que mostrar uma atitude de relaxamento nestes casos é relativamente comum para ocultar a angústia. E a questão é que não é a vítima que tem de ser escrutinada. O comportamento misógino é que é inaceitável.”

Em Barcelona, o caso Rubiales está até retratado num dos murais da cidade, com a inscrição “Respect”. O trabalho é do artista de rua Salvatore Benintende, conhecido por TvBoy
(Foto: Pau Barreana/AFP)

Daniel Cotrim, da APAV, também insiste neste ponto. “Este caso traz ao de cima uma coisa terrível, que é: sempre que há situações destas, de violência de género, o que nós fazemos é duvidar da palavra das vítimas. Neste caso todos pudemos ver e mesmo assim houve quem duvidasse. Há sempre uma presunção da inocência do assediador. O que eu acho é que seria importante criar a figura da presunção da inocência das vítimas, de estarem a dizer a verdade. Porque as dúvidas, e o tempo que demoramos a reagir, vão minar a confiança das vítimas na denúncia. O que também explica que haja tão poucas queixas por causa deste tipo de situações.” De volta a Isabel Moreira, a deputada socialista admite que o facto de variadas pessoas terem reagido publicamente contra o sucedido, de “uma pessoa de poder não ter sido desculpada”, de se ter desconstruído a atitude típica de uma vítima, é “pedagógico”. “De alguma forma, é um murro na cultura de impunidade de homens que, fruto do machismo estrutural existente, continuam a pensar que podem dizer frases totalmente inapropriadas ou tocar em corpos de mulheres.”

A prova maior disso será porventura o outro caso já referido, de uma jornalista que, a meio de um direto televisivo, é surpreendida por um homem que a apalpa sem pudor. Isabel Moreira entende que o episódio é revelador de uma realidade constante e transversal. “É algo que nos acontece a todas, nos transportes, na rua. Só que neste caso é uma jornalista que está a ser filmada e recebe um apalpão. Mais flagrante é impossível, não é? Isto vem demonstrar que o espaço público não é inteiramente nosso. Só o será quando for tão impossível para as mulheres como é para os homens acontecer um episódio destes. Então discuta-se, fale-se sobre isso. Já que aconteceu, vamos retirar daqui a máxima pedagogia, vamos educar os homens para que percebam que os corpos das mulheres não são propriedade deles, vamos mostrar que esta discussão não é uma tendência de umas feministas histéricas, é algo pelo qual temos passado todas.”

Inês Gonçalves, um dos rostos mais conhecidos do jornalismo da RTP, sobretudo na área desportiva, também insiste neste ponto. “Todas sabemos que acontece. Todas sabemos de histórias assim, mesmo que não se diga alto. Pode não ser um senhor a pôr a mão no rabo de uma jornalista, mas acontece, e na maior parte das vezes é algo escondido.” Também ela viveu já situações desagradáveis durante o exercício da profissão, comentários inapropriados, até toques indesejados, sobretudo em contexto “de grandes aglomerações, de festas do título, de Campeonatos da Europa, em que somos engolidos pela multidão e não há um caminho para sair dali”. E em que se torna impossível descortinar a identidade do importunador. Mas também já se deparou com o assédio noutros contextos. “Tudo o que vi e passei, denunciei sempre. E não me arrependo. Arrependo-me do contrário, de não ter exigido mais consequências.” Recorda, no entanto, que não foi uma decisão imediata nem de ânimo leve, que entende bem “quem tem vergonha de denunciar, medo de ser descredibilizada, de um certo rótulo” que perversamente se cola às vítimas. E ainda assim insiste: “O único caminho é denunciar”.

Uma manifestação feminista de apoio a Jenni Hermoso, em Madrid
(Foto: Oscar del Pozo/AFP)

Quanto ao episódio que envolveu a jornalista da Mediaset, reconhece que teve de ver o vídeo três ou quatro vezes, de tão embasbacada que ficou com o desplante do homem que a apalpou. E destaca o comportamento do pivô em estúdio, o tal que interrompeu a jornalista para lhe perguntar se aquele homem lhe tinha tocado no rabo, para o recriminar, para fazer daquilo assunto. “Aquele momento em que ele a interrompe é determinante para estarmos aqui a falar nisto e para se alertar para episódios como aquele. Ter mulheres a defender mulheres é importante, mas ter homens a não encobrir o comportamento abusivo de outros homens também é crucial. E a verdade é que continua a haver esse comportamento machista dominante, essa proteção, claro que não são todos os homens, mas ainda existe. É preciso que haja mais homens como aquele colega, que não hesitem em apontar o dedo a outros homens, seja uma pessoa desconhecida, um colega ou um superior hierárquico.” Isso e dar visibilidade, como recentemente sucedeu. “Estes dois casos, por terem acontecido em direto, vieram ajudar a trazer o problema para a praça pública, numa sociedade que continua a fazer de conta que estas coisas não acontecem.”

Os media, a lei, o decote

Do particular para o geral, Luís António Santos, professor de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho e investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, realça o papel que os media podem e estão a ter neste desejável processo de despertar consciências. “Hoje, a perceção, tanto mediática como social, se calhar mediática porque social, ou se calhar social porque mediática, em relação a estes episódios, é mesmo muito diferente. O que me parece é que, durante décadas, estas situações aconteciam e não eram não tratadas pelos media com seriedade. Basta vermos que, até há pouco tempo, a ideia de mulher-objeto, principalmente na imprensa tabloide, era relativamente tranquila.” E dá como exemplo a famosa “Page 3” do “The Sun”, onde surgiam mulheres e raparigas desnudadas, numa tendência que se fez moda também em Portugal.

“Esta cultura muito condescendente ainda é muito próxima de nós. E a verdade é que ainda hoje vemos que muitas vezes as perguntas que se fazem às mulheres desportistas, por exemplo, não são as mesmas que se fazem aos homens.” Ainda assim, entende que, depois do movimento #MeToo, a atenção dos media “se começou a sintonizar mais com estas questões”. “Certamente haverá gente que, há 20 anos, nas redações, já lutava por isto. Mas não tenho grandes dúvidas de que um gesto como o do Rubiales, há 15 anos, era descrito como um episódio engraçado e ficava assim. Esse tempo acabou. No fundo, os media acompanham a mudança de sensibilidade social, dando mais atenção a estes casos.”

Já no aspeto legal, não falta quem ache que o caminho continua por fazer. Elisabete Brasil, investigadora e dirigente da associação Feministas em Movimento (FEM), chama a atenção para isso mesmo. Isto porque, em Portugal, não existe no Código Penal um crime de “assédio sexual”, conforme previsto na Convenção de Istambul. “Entendeu o legislador que o assédio não tinha dignidade jurídico-penal, então ficámo-nos pela contraordenação no Código do Trabalho, e pelo crime de importunação sexual no Código Penal. Mas claro que saímos mal disso, até porque essa lei ficou conhecida de forma injuriosa como a ‘lei do piropo’. Não há nada mais indigno para as vítimas do que o legislador entender que o assédio não tem dignidade jurídico-penal. É um sinal que se dá às vítimas e à sociedade.” Sinal esse que, entende a investigadora, tem tudo que ver com a invisibilidade a que tem estado votada a violência sexual contra as mulheres no espaço público. “O facto de não ser visível naturaliza o fenómeno e de alguma forma legitima socialmente a sua manutenção.”

Isabel Balado, jornalista da Mediaset, foi apalpada enquanto fazia um direto a propósito de um assalto. O pivô em estúdio interrompeu a emissão para a confrontar com o sucedido e ela própria repreendeu o importunador
(Foto: DR)

Teresa Silva, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, alerta para “a total normalização e a banalização do sexismo”, para a “ideia de impunidade” que prevalece e que é por de mais evidente nos casos de Rubiales e da jornalista Isabel Balado. “Se estas pessoas se sentem confortáveis a fazê-lo em público, imagine-se o que acontece no privado. Isto vem mostrar que a falta de vergonha está tão normalizada que muita gente tende a achar que o assédio é uma coisa menor ou uma brincadeira, numa lógica de ‘boys will be boys’, de banalização do acesso público ao corpo das mulheres.”

A ativista não tem dúvidas de que comportamentos como estes cabem num “contínuo de violência sobre as mulheres e raparigas”, que vai, no limite, até ao femicídio, mas onde, no seu ponto mais minimal, também cabem os recentes comentários do presidente da República. Durante uma visita de Estado ao Canadá, Marcelo Rebelo de Sousa foi filmado numa interação com duas portuguesas, mãe e filha, em que comentava que a mais nova era mais bonita que a progenitora, e se referia ao decote da jovem, dizendo que ainda se ia constipar. “O sexismo está tão enraizado que até vários representantes políticos, não só o presidente da República, se sentem confortáveis para fazer graçolas sexistas, porque acham que não há consequências, é só uma graçola. Se acho que ele teve muita consciência do que estava a dizer? Acho que não. Está tão banalizado que para ele, como para outros, é só uma piada.”

Isabel Balado, jornalista da Mediaset
(Foto: Isabelbcampo/Facebook)

Isabel Moreira, que no seguimento do episódio instou o chefe de Estado a pedir desculpa pelo sucedido, prefere, desta vez, focar-se num outro episódio, em que Marcelo Rebelo de Sousa fez uma “piada” a propósito do peso de uma mulher. “A cadeira aguenta?”, questionou. “O presidente da República merece que não sejamos condescendentes com ele. É verdade que pode não se ter apercebido que fez algo que não é aceitável, mas é uma pessoa muito inteligente e certamente já terá tido ocasião para refletir, para perceber que não é aceitável fazer comentários não solicitados e em tom jocoso relativos ao peso de uma mulher. São comentários públicos que denigrem o corpo de uma pessoa e a verdade é que não conseguimos imaginá-lo a fazer o mesmo em relação a um homem. É grave por se tratar do presidente da República e é grave ter permitido que se tenha feito paródia nacional com isso [o episódio foi abordado no programa de humor de Ricardo Araújo Pereira]. O mesmo se aplica ao comentário do decote.”

Mas voltemos ao caso Rubiales, à jornalista da Mediaset apalpada em direto e a uma questão pertinente: pode a visibilidade destas situações ajudar a limitar a frequência com que ocorrem estes episódios? A socialista responde assim: “Tenho esperança que sim, se o assunto não durar só uma semana. Quando se vê alguém como o Rubiales a perder o trabalho, acredito que isso possa ter impacto preventivo no comportamento de alguns homens, que mais não seja por medo. Se alguém não o fizer por medo da pena, por se sentir intimidado, isso já é positivo. Mas claro que prefiro que, para além do medo da consequência, se vá mais longe, que se continue a trabalhar nos direitos das mulheres, na consciencialização do assédio, para que não seja por medo da pena, mas porque há uma interiorização da parte dos cidadãos do que é a igualdade. E isso passa sempre pela educação, por uma educação forte e estrutural, em todos os níveis de ensino. Quando se ataca a educação para a igualdade, é também a segurança das mulheres que se está a atacar.”

O momento em que o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, proferiu comentários que têm dado que falar
(Foto: DR)

Também a ativista Teresa Silva destaca que este é um passo importante num caminho sinuoso e demasiado longo. “Sabemos que tudo o que são comportamentos enraizados, como é o caso do sexismo, não terminam de um dia para o outro. Mas a verdade é que houve um certo opróbrio com estes comportamentos e, sendo nós seres sociais, este tipo de visibilidade faz com que pelo menos uma parte dos homens crie verdadeira empatia para com as mulheres ou tenha uma atitude crítica. Da mesma forma que a punição legal em si não muda comportamentos, mas tem consequência por dissuasão, também a visibilidade trabalha esta questão da dissuasão. A sociedade está a mudar, as pessoas já não acham a mesma graça, já há noção que há consequências. E isso é um passo no bom caminho.” Um princípio, portanto. Daí até aos dias do fim do assédio vai quase tudo. Isabel Moreira é arrasadora. “Se ainda não conseguimos parar de assistir todos os anos à morte de mais de 20 mulheres, se ainda não conseguimos que parem de nos matar, se ainda não conseguimos acabar com a consequência mais extrema da misoginia, em que bandeira de fé é que alguém poderá dizer que estamos perto de acabar com o assédio? Ainda não conseguimos parar de morrer, quanto mais parar de ser apalpadas.”

A voz delas

“Não podemos desvalorizar mais, uma simples mão na cintura a cumprimentar é uma invasão do nosso corpo e isso tem de acabar”, garante Sofia Aparício, modelo e atriz

(Foto: aparicio_sofia/Instagram)

“Todas sabemos de histórias assim, mesmo que não se diga alto. Pode não ser um senhor a pôr a mão no rabo de uma jornalista, mas acontece, e na maior parte das vezes é algo escondido”, afirma Inês Gonçalves, jornalista

(Foto: Ivan Del Val/Global Imagens)

“Certamente [Marcelo] já teve ocasião para perceber que não é aceitável fazer comentários não solicitados e em tom jocoso relativos ao peso de uma mulher”, reconhece Isabel Moreira, deputada do PS

(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)