O (mau) estado da Educação em Portugal

A escassez crónica de professores, classe que sobrevive mergulhada num mar de problemas, de assistentes operacionais também, um sistema em dificuldades para lidar com a diferença (e há já muitos avanços), um ensino (ainda) escravo de médias e pouco dado ao espírito crítico. Um olhar à escola pública onde, apesar de tanto, mora a esperança e a qualidade de quem a faz. E que muito caminho tem feito nas últimas décadas.

A história pode começar-se pelo princípio. E é sabida. Desde o 25 de Abril de 1974, Portugal carregou no acelerador e aproximou-se dos países mais desenvolvidos da Europa. A Educação sofreu um terramoto, a taxa de analfabetismo caiu a pique e as taxas reais de escolarização dispararam. As escolas passaram a ter laboratórios, bibliotecas, recursos que não existiam há 50 anos. Mas, e eis que vem o mas, puxemos a cassete à frente. O sistema democrático de ensino carrega muitas dores de crescimento. A maior delas é óbvia: a escassez de professores. Uma troika pelo caminho, o financiamento a bater no fundo, cortes e mais cortes no corpo docente, nos salários, carreiras congeladas (só descongeladas em 2018), um safanão sem volta. Até 2030, o país vai precisar de mais de 30 mil novos professores. O problema há anos que vinha a ser anunciado, espécie de nuvem negra que se tornou real. E que só a valorização da classe docente, para atrair sangue novo e travar saídas precoces da profissão, pode salvar. Os lamentos multiplicam-se em todas as frentes e vão à raiz de tudo.

“Os níveis de precariedade mantêm-se elevados, o envelhecimento do corpo docente aumentou de forma galopante, devido ao aumento da idade da reforma, que se repercutiu na saída de milhares de jovens que não tinham vagas. O número de alunos por turma não mereceu a redução necessária e há inúmeras turmas que desrespeitam os limites máximos. São cada vez mais pesadas e generalizadas as situações de sobretrabalho”, enumera Mário Nogueira, líder da Fenprof. O envelhecimento é evidente: em 2021, a percentagem de professores do 1.º ciclo ao Secundário com menos de 30 anos rondava os 2% e aqueles com 50 anos ou mais eram 49,7%. Depois é a burocracia que se agiganta e os salários baixos, sobretudo nos primeiros escalões (só nos escalões mais elevados é que equiparam com outros países da Europa). E, claro, a já conhecida falta de professores em Lisboa, Setúbal, Beja e Faro. “Faltam professores porque faltam apoios à sua deslocação e fixação em regiões fora das suas áreas de residência familiar. O salário de quem é deslocado para zonas do país com custo de vida mais elevado não dá para as despesas e não há quaisquer apoios. Nem todos estão disponíveis para viver em quartos.”

Mas ainda há quem, aos 58 anos, se sujeite a morar a quilómetros de casa, 215, especifica António Rebolho, professor de Matemática, ainda contratado. É de Anadia, está a dar aulas na Póvoa de Santa Iria. Depois de três décadas a trabalhar no ensino privado, o corte nos contratos de associação com estabelecimentos do ensino particular e cooperativo empurraram-no para a rua. Estávamos em 2019 quando começou a jornada no ensino público, contratos atrás de contratos. “No ano passado, como nem horários incompletos consegui na minha zona, concorri em janeiro a uma oferta de escola a sul, era uma substituição devido a uma gravidez de risco”, diz. Foi isso que o fez afinar agulhas, este ano já concorreu para a zona da Grande Lisboa e foi colocado. “Comecei a perceber que, se não apostasse em vir para aqui, nunca iria conseguir vincular. E decidi isto porque tenho a possibilidade de ficar na casa de um amigo, que me faz uma renda simpática e me permite fugir aos preços exorbitantes. É um apartamento, há colegas em quartos a pagar mais do que eu.”

A questão da habitação é premente neste debate. António recebe 1200 euros líquidos, “há rendas em Lisboa que são superiores a isso”. A mulher, também professora, está colocada a 50 quilómetros de casa – vai e vem todos os dias, mas também isso pode mudar no próximo ano. Para já, todas as sextas-feiras a rotina repete-se: António enfia-se no carro a caminho de Anadia, para voltar a fazer o caminho inverso aos domingos. Mas já está a repensar a estratégia, “em gasolina e portagens é insuportável”. A alternativa é comboio, autocarro, partilha de boleias. “Claro que isto não é o ideal. Não sou um jovem, já tenho a minha vida organizada, o filho criado e de repente vou para longe, é um grande fator de instabilidade. Mas se quiser entrar na carreira, tenho de arriscar. Ou fazia isto ou mudava de profissão. E gosto de ser professor.”

Mesmo que a realidade dentro das escolas não seja um mar de rosas. Há uma montanha de burocracia, “grelhas para isto e para aquilo”. Tem uma direção de turma, muita papelada. “O tempo que se gasta a fazer este tipo de coisas obviamente faz falta para preparar aulas, corrigir trabalhos, testes.” A somar a isso tem turmas com 28 alunos, o que dificulta “um ensino que se quer cada vez mais individualizado”. É um otimista por natureza, tem leveza no discurso e esperança no futuro. Mas é capaz de reconhecer os problemas. “Já tenho uma carreira longa e noto que os professores são cada vez mais sobrecarregados, inclusive os mais antigos, que têm reduções de horário, são sobrecarregados com outras tarefas.”

Formar mais professores e a bandeira da vinculação

O relato pode ajudar a perceber a fuga de docentes da profissão. A frustração, a desesperança, a precariedade. E, avisa Mário Nogueira, “este ano para os 3500 docentes que se aposentarão chegarão cerca de 600 e os 1300 que entraram nos cursos irão terminá-los em anos em que se aposentarão mais de 4000”. O arranque do ano letivo é espelho disso. A Fenprof estimou, na última segunda-feira, que mais de 92 mil alunos não tinham todos os professores.

A tutela tenta resolver o drama com a contratação pelas escolas de licenciados sem formação pedagógica. Um remendo antes de se avançar para medidas mais estruturais, as prometidas alterações à formação inicial de professores. Carlinda Leite, coordenadora do grupo de trabalho criado pelo Governo para este fim e investigadora no Centro de Investigação e Intervenção Educativas da Universidade do Porto, constata a “formação de enorme qualidade dos professores” que há em Portugal. “A nossa missão foi desenhar um novo modelo de formação inicial, propor critérios de entrada nos mestrados que preparam educadores e professores, pensar em processos de reconversão profissional, no fundo contribuir para melhorar mais ainda a formação e resolver o problema da falta de professores. Sendo que não é possível atrair para a profissão se não houver melhoria na carreira”, alerta. A proposta do grupo de trabalho, que se pretendia ter avançado já neste ano letivo, foi negociada com instituições de Ensino Superior, associações de professores, sindicatos, diretores das escolas. Prevê desde estágios remunerados a um ano de indução em que os novos docentes são acompanhados pelos mais experientes e têm redução de horário para poderem ter formação pedagógica (seriam criados mestrados nas universidades com condições flexíveis). A investigadora tem uma certeza: a contratação de licenciados sem formação pedagógica como está a acontecer agora tem de ser transitória, ela “tem de ser compensada pelo mestrado, pelo estágio e pelo ano de indução”.

Mónica Duarte é assistente operacional numa escola em Famalicão e relata o excesso de trabalho devido à falta de recursos humanos, a sobrecarga física e mental e o envelhecimento da classe, que justificam os casos de baixas prolongadas
(Foto: Miguel Pereira/Global Imagens)

O ministro da Educação, João Costa, garante que se vai entrar agora em negociação sindical das alterações ao diploma que regula a formação inicial. “A nossa ideia é avançar com ele já no próximo ano letivo, é fundamental.” A crise da falta de professores, reconhece, é “por questões de carreira naturalmente”, mas “tem também a ver com a forma como a profissão é percebida socialmente, vivemos anos sucessivos em que imperou um discurso de que não valia a pena estudar para ser professor porque não havia emprego”. Já não é assim, a procura pelos cursos de educação começou a inverter-se agora, mas o tabuleiro do jogo vai levar tempo a virar. E a melhoria da carreira terá dedo nisso.

Uma das bandeiras do ministério – entre uma série de 11 medidas já tomadas – foi a vinculação dinâmica, que permite a docentes com três anos de trabalho em escolas públicas entrarem nos quadros. O país tem cerca de 20 mil professores contratados, mas das 10 500 vagas para vincular este ano (a totalidade dos que reuniam condições para isso, incluindo a chamada norma-travão) só 8500 foram preenchidas.

Há uma razão para isso. Os professores que concorreram à vinculação dinâmica vão manter-se neste ano letivo no Quadro de Zona Pedagógica (que corresponde a uma área geográfica) onde estavam colocados no ano passado. No entanto, em 2024/2025 são obrigados a concorrer a todas as zonas do país com forte probabilidade de ficarem vinculados longe de casa, já que as maiores carências de professores estão em Lisboa e no Algarve. O ministro justifica que o objetivo é acabar com a “eterna situação de precariedade na carreira, que assim entra num formato normal: ao fim de três anos de contratos, as pessoas têm direito a entrar nos quadros”. Mas o Governo “tem de vincular onde os professores fazem falta, senão não se resolve o problema estrutural”. “E ainda que as vagas não tenham sido todas usadas, há uma vinculação sem precedentes. Num só ano vincularam mais de 50% do número de docentes que vinculou em sete. E este é um modelo que fica para os próximos anos. Há professores que fizeram uma opção legítima, entre ter um contrato estável num lugar mais longe ou privilegiar a possibilidade de ficar mais perto da família. Fizeram a sua escolha.”

Raquel Santos, professora de Informática, escolheu não se candidatar. E a revolta por uma vida de vaivéns é um peso que está a tentar gerir. “Fui colocada este ano num horário temporário (uma substituição). Como é possível? Com medo de que não houvesse horários completos anuais, candidatei-me também aos temporários. Aos 43 anos continuo nesta instabilidade.” É de Braga, mas já se sujeitou a dar aulas no Alentejo, Lisboa, Barreiro, Santarém. “Só que cheguei ao ponto em que quis casar, ter filhos, voltei para o norte. Tive a minha primeira filha aos 36 anos, adiei a maternidade pela profissão e de que me valeu? Estive longe, sozinha, deixei os meus pais a chorar, para nada.” Raquel tinha condições para a vinculação dinâmica já neste ano, não arriscou. Por um motivo simples. “Tenho uma filha de três anos e outra de seis. Para o ano era colocada no sul e o que é que fazia? Ia levá-las? Não ia arriscar sabendo a carência de professores que há em Lisboa. Tenho colegas com graduação muito abaixo da minha que entraram nos quadros pela vinculação dinâmica, foi uma opção minha não me candidatar, mas claro que isto revolta.”

Já começou a enviar currículos, está a ponderar sair do ensino. Fala com o coração na boca, talvez ainda volte atrás. “Não quero sair, adoro dar aulas, adoro ensinar e não me vejo a fazer outra coisa. Mas todos os anos a partir de 15 de agosto não consigo dormir. Que tranquilidade é que isto dá?”, questiona.

A falta de assistentes operacionais

Nas escolas públicas pelo país as dificuldades vão além dos professores (ou da falta deles). Os assistentes operacionais entram numa equação complexa. A transferência de competências para os municípios no ano passado não resolveu o problema da escassez. Fazem-se omeletes sem ovos. Filinto Lima, presidente da Associação de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, sublinha que “as autarquias cumprem o rácio, algumas até vão além, o problema é a portaria que define o número mínimo de funcionários”. Mas o ministro da Educação defende que o rácio já foi revisto duas vezes neste ciclo político e que “o que alguns autarcas reportam é sobretudo um número elevado de baixas sem terem capacidade para substituir”.

O dado não surpreende Mónica Duarte, assistente operacional há perto de seis anos em Famalicão. “Claro que as baixas prolongadas acontecem. A nossa classe também é muito envelhecida e há uma grande sobrecarga física e mental.” Tem 34 anos, um amor que transborda pelo que faz. “Fazemos milagres. Os rácios são completamente irrealistas. Temos de estar a fazer o trabalho de duas e três. E estamos a falar da segurança dos miúdos, do acompanhamento às salas de crianças com necessidades educativas especiais, do auxílio aos professores, da alimentação, da vigilância nos recreios, da limpeza de toda a escola.” Faz as contas por alto, numa realidade de mais de mil alunos na EB 2,3 Júlio Brandão são cerca de 20 os assistentes operacionais. “E desses temos de tirar os que estão no PBX, no bar dos alunos, na reprografia, na biblioteca, nos ginásios. Por exemplo, aqui na escola temos três espaços para ginástica. Cada pavilhão gimnodesportivo tem de ter dois funcionários, mas no rácio é como se só tivéssemos um pavilhão. Ou seja, temos dois assistentes atribuídos para três pavilhões. Claro que a direção não permite isso e para haver seis funcionários nos pavilhões retiram-se meios à restante escola.”

Não é difícil, pois, adivinhar a realidade de quem tenta chegar a todo o lado. “Temos dois olhos, dois braços e duas pernas, mas parecemos uns polvos. E, muitas vezes, somos nós que detetamos problemas de carências nos alunos, que informamos assistentes sociais, a escola. Já aconteceu tirar do meu próprio dinheiro para pagar lanches a miúdos. Damos o litro e no final do mês recebemos 760 euros”, lamenta. Mónica recebe o mesmo que a mãe, também assistente operacional há quase três décadas, a perspetiva de futuro é uma mão cheia de nada. Tem uma filha, dois trabalhos extra para segurar as pontas, anda exausta. “Muitas colegas despediram-se nos últimos tempos, foram para fábricas, para o Mercadona, ninguém quer esta profissão. Os alicerces de uma escola não são feitos de betão, são feitos das classes envolvidas”, avisa.

O desafio dos imigrantes e da educação especial

Tanto assim é que todas as classes são chamadas para o grande desafio da atualidade. Há ainda uma dificuldade do sistema para lidar com a diferença, com a diversidade. Os alunos de classes sociais e culturais mais vulneráveis e os alunos migrantes são os que mais reprovam. “E estes últimos estão a aumentar consideravelmente. Cerca de 7,4% dos alunos no Ensino Secundário já são migrantes e no Ensino Básico são 7,5%”, destaca Domingos Fernandes, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE). Se olharmos para os indicadores clássicos, o nosso sistema de ensino é bom na Europa e no Mundo, porém tem mais este problema em mãos. “Precisamos de pedagogias socialmente mais justas. Há uma pressão para resultados e ignora-se a pedagogia, as condições que têm de se criar na sala de aula para que todos os alunos aprendam.”

Filinto Lima admite a dificuldade. “Há muitos brasileiros, o que torna mais fácil a integração. Mas também ucranianos, nepaleses. Ainda agora me chegou à escola uma criança vietnamita que não fala português nem inglês. O Português Língua Não Materna tem de ter reforço urgente e não está a ter.” O ministro João Costa chama a atenção para um despacho, “que ainda não foi muito apropriado pelas escolas” e que reorganiza o ensino desta disciplina. “Permite que um aluno migrante esteja durante alguns meses só a ter aulas de Português e ir fazendo uma integração parcial no restante currículo. Sabemos que o modelo antigo já não funciona, em que o aluno só substituía o Português pelo Português Língua Não Materna e depois ia às outras aulas normalmente.” A formação para professores vai ser reforçada nesta área, diz. Mas a contratação de mais docentes da disciplina vai implicar uma avaliação caso a caso e resta esperar para ver.

No tema da integração, também os alunos com necessidades educativas especiais assumem especial relevância. Há um facto indesmentível: Portugal deu um salto civilizacional nesta área, 98% das crianças e jovens com deficiências ou perturbações estão no sistema de ensino, uma percentagem acima da quase generalidade dos países europeus. E a legislação portuguesa, que prevê a inclusão de todos no sistema de ensino tradicional e não a deslocação para unidades dedicadas apenas a este tipo de alunos, é reconhecida internacionalmente. Contudo, os meios, sempre os meios, falham. E a prevalência de alunos com diagnóstico de autismo disparou nos últimos anos, desafio acrescido. “Não basta o discurso e o quadro legal, são necessários recursos que continuam a faltar às escolas. Também não há inclusão possível quando se integram na mesma turma quatro e cinco alunos com necessidades especiais”, aponta o sindicalista Mário Nogueira. Os diretores também dizem precisar de mais professores de Educação Especial e queixam-se de não haver um rácio definido, os pedidos das escolas são avaliados em função do número de alunos reportados, mas é sempre uma indefinição.

Andrea Almeida sente o problema na pele, com a tranquilidade de quem sabe que, “apesar de tudo, há muito amor à camisola nas escolas”. É mãe de Matias, 11 anos, a quem foi diagnosticada perturbação do espetro do autismo depois de uma travessia no deserto. O filho passou quase todo o 1.º ciclo com um diagnóstico de “atraso no desenvolvimento global com défice de atenção” e nessa altura tinha um apoio de 90 minutos por semana com uma professora de Educação Especial. “Claro que não é suficiente, mas se forem 90 minutos bem geridos e dedicados ao desenvolvimento de competências e não ao currículo é melhor do que nada”, considera Andrea. Porém, o cenário piorou. Agora, Matias está no 6.º ano na Escola Básica e Secundária Ferreira de Castro, Oliveira de Azeméis, e desde o 4.º, depois de receber o diagnóstico e no pós-pandemia, que passou a ter apenas apoio educativo.

Paulo Oliveira e Andrea Almeida com os filhos, Maria Eduarda e Matias. O rapaz recebeu um diagnóstico de autismo no 4.º ano e não tem apoio de um professor de Educação Especial porque o número destes docentes no agrupamento é insuficiente
(Foto: Tony Dias/Global Imagens)

A mãe explica. “O agrupamento tem cerca de 1500 alunos do pré-escolar ao Ensino Secundário e só tem quatro professores de Educação Especial. Como os recursos são escassos, a prioridade são os meninos com medidas adicionais.” Nas escolas, há medidas seletivas para alunos em risco acrescido de insucesso escolar e quando essas medidas não são suficientes surgem as medidas adicionais, com implicações no currículo. “Sendo dada prioridade aos meninos com medidas adicionais, todos os alunos com medidas seletivas, que é o caso do Matias, que tem um autismo moderado e até vai fazendo as aprendizagens, não são contemplados com o apoio direto de um professor de Educação Especial, porque não há recursos. Mas o agrupamento tem feito tudo o que pode para dar apoio.”

A solução foi ter um professor coadjuvante nos blocos de 90 minutos das principais disciplinas, que não é formado em Educação Especial, mas que dá apoio direto a Matias, “que o ajuda com o currículo e não com competências, mas, se o ministério não dá recursos, a escola tenta remendos para não deixar nenhum aluno para trás”. A par disso, critica Andrea, não há terapeutas na escola. “Fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais. Sei que outros agrupamentos que têm mais alunos com este tipo de perturbações têm terapeutas, mas o ministério devia atribuir a todos, não é justo.” Andrea e o marido vão investindo do próprio bolso em terapias no privado num equilibrismo de gestão familiar em que entra ainda uma filha de 17 anos.

O Ensino Profissional e o futuro

Mas nem só de problemas se faz o ensino público. Olhemos, pois, para os sucessos. Que os há. O acesso de todos à escola, o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano em 2009 foi um passo “crucial para o desenvolvimento do país”, segundo Mónica Baptista, professora no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. A taxa de matrículas de crianças entre os 6 e os 19 anos em Portugal é uma das mais altas entre os países da OCDE. E a docente frisa que “a taxa de abandono escolar tem vindo a diminuir na última década”. O que traz, claro, desafios, um deles é a valorização do ensino profissional.

Para o presidente do CNE, “é ao Ensino Profissional que se deve o crescimento do Ensino Secundário”. Portugal tem, hoje, 88% dos jovens em idade de Ensino Secundário na escola. Cerca de 40% deles estão em cursos de natureza profissionalizante e 60% em cursos científico-humanísticos. “Curiosamente, na Europa, a situação é inversa. Em Portugal ainda temos de contrariar a tendência de subvalorizar o Ensino Profissional, é um erro terrível. É preciso tirar esta pecha e dignificar os cursos profissionais”, sustenta Domingos Fernandes. Já se deram passos “para que estes alunos possam aceder ao Ensino Superior sem desvantagem, sem terem de fazer estudos extra, mas ainda há uma discrepância grande”.

Isto leva-nos a pensar sobre o futuro e sobre a excessiva subordinação do Ensino Secundário ao Ensino Superior, a pressão grande das médias para aceder a certos cursos. “Os alunos estão mais habituados a reproduzir o que está escrito nos manuais do que a resolver problemas, a ser críticos, criativos, a formular questões. É o tipo de ensino, um currículo em que o professor dita e os alunos ouvem”, observa o presidente do CNE. Mesmo assim, começam a surgir sinais de mudança. Ana Pedro, que coordena o Centro de Competência em Tecnologia e Inovação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, indica que “há exemplos no ensino público em que a escola está estruturada de maneira diferente”.

A esse propósito, o ministro da Educação refere que os instrumentos de flexibilidade curricular vieram permitir “formas diferenciadas de trabalhar, organização diferente das disciplinas, inovação curricular”. Mais de 100 agrupamentos, revela João Costa, têm planos de inovação pedagógica, “foi dada essa liberdade e autonomia às escolas”. E os resultados começam a dar de si: “Há uns anos olhávamos para a Finlândia quando queríamos ver inovação, este ano fui convidado pelo Governo da Finlândia, que está a olhar para Portugal como referência”.

Mas é preciso, salienta Ana Pedro, ganhar escala. Por um lado, mudar as formas de ensinar, os métodos, os próprios currículos têm de olhar para áreas como a Cidadania Digital ou o Ambiente. Por outro, pensar nos espaços, na forma como as salas estão organizadas (há escolas públicas com ambientes educativos inovadores), na utilização da tecnologia (veja-se o debate sobre os manuais digitais que abrangem mais de 20 mil alunos neste ano letivo). Uma coisa é certa, não é possível fugir a esta realidade.