O impacto do “ativismo de sofá”

Fazer um like numa publicação, partilhar um tweet ou usar um crachá na lapela do casaco são gestos fáceis, ora de protesto, ora de apoio a uma causa. Mas servem para mudar alguma coisa ou apenas para nos sentirmos bem?

Nos últimos meses, os ativistas do Climáximo, um coletivo pela justiça climática fizeram-se notar: cortaram várias estradas e avenidas de Lisboa, entre elas a Segunda Circular, pintaram fachadas de vermelho, lançaram tinta sobre um quadro num museu e sobre um ministro numa apresentação, cimentaram buracos num campo de golfe e colaram-se a um avião que ia fazer a ligação Lisboa-Porto. Tudo como forma de chamar a atenção para a emergência climática.

Concorde-se ou não com estas formas de protesto, uma coisa ninguém pode negar: são ações que envolvem esforço, tempo, energia, empenho e dedicação. Exigem um tipo de compromisso com uma causa que falta a outro tipo de ativismo, muito mais frequente: aquele a que convencionou chamar-se o “ativismo preguiçoso” (do inglês slacktivism), “ativismo de sofá” ou “ativismo de likes”.

É um termo com má reputação. Refere-se a ações fáceis, rápidas e de baixo investimento como fazer likes, partilhar apelos online ou usar um crachá na lapela, mas ficar por aí nas ações de apoio ou protesto. Materializa-se em comportamentos incongruentes como colocar um emoji choroso num post sobre a solidão dos idosos, mas não perguntar à vizinha de 90 anos se ela precisa de ajuda; partilhar um post a apelar à dádiva de sangue, mas não o doar, ou colocar uma moldura na fotografia de Facebook que diz “Cease fire now” sem sequer contemplar a hipótese de ir à manifestação agendada para daí a dois dias.

Micah M. White, um dos ativistas que dinamizou os protestos Occupy Wall Street que, em 2011, levaram milhares de pessoas às ruas para protestar contra a desigualdade económica e social, disse que “o ativismo de likes está para o ativismo como o McDonald’s está para uma refeição caseira: pode parecer comida, mas os nutrientes essenciais não estão lá”.

Porque se é verdade que estes apoios simbólicos podem ajudar a dar visibilidade às causas, certo é também que, sozinhos, não chegam para fazer uma diferença concreta. Foi sabendo disto e para tentar sensibilizar as pessoas para ações mais concretas que, em 2013, a Unicef da Suécia lançou uma campanha chamada “Os likes não salvam vidas”. O texto dos anúncios era muito claro: “Faça-nos um like no Facebook e não vacinaremos nenhuma criança contra a poliomielite. Não temos nada contra os likes, mas as vacinas custam dinheiro. Por favor, compre vacinas contra a poliomielite em unicef.se. Com apenas quatro euros, salvará a vida de 12 crianças.”

O apelo da organização não-governamental mostra que está consciente de uma questão central neste tema: a demonstração de apoio público não leva necessariamente a que as pessoas se envolvam mais ativamente na causa. Na verdade – e por muito contraintuitivo que possa parecer – até pode piorar essa possibilidade.

Uma questão de motivação

Em 2014, Kirk Kristofferson, professor de Marketing na Ivey Business School, da Western University, no Canadá, vendo que várias organizações estavam a fazer campanhas de sensibilização – através de pins, fitas e petições – na esperança de, com essas ações, angariarem mais ajuda, tentou perceber se isso acontecia. E as conclusões a que chegou foram surpreendentes. “Depende se o apoio é dado de forma pública ou privada”, explica. E, por estranho que pareça, aquilo que o investigador demonstrou nos seus estudos foi que o apoio simbólico público a uma causa – ou seja, com outras pessoas a verem – não aumenta o apoio concreto posterior. “Mas, pelo contrário, quando esse apoio simbólico é feito de forma privada, sem ninguém o observar, as pessoas são mais propensas a continuarem a apoiar a causa com ações mais significativas, nomeadamente doações em dinheiro.” Porquê? Bom, porque quando o apoio é público, muita gente já satisfez a sua principal necessidade: ficar bem visto pelos outros.

“Os estudos sobre comportamento pró-social sugerem que as pessoas às vezes apoiam causas por razões altruístas – ou seja, porque querem mesmo ajudar -, mas também por razões egoístas – por exemplo, pela forma como se querem apresentar perante os outros”, resume Kirk Kristofferson, que estuda as motivações e fatores que levam as pessoas a ajudar.

E há uma teoria que defende que estes pedidos simbólicos iniciais criam um efeito chamado de “pé-na-porta”: quando alguém aceita envolver-se num ato de apoio que lhe custa muito pouco, como fazer um like ou usar um pin no casaco, isso aumenta as probabilidades de ficar mais disponível para um segundo comportamento que implica mais empenho, como fazer um donativo ou deslocar-se a uma manifestação.

Mas há outra teoria que sustenta o contrário: que quando alguém tem oportunidade de mostrar publicamente, de forma fácil, o apoio a uma causa, as suas necessidades de autoestima, ficam preenchidas e dificilmente fará mais alguma coisa que implique mais esforço.

O que parece separar um efeito do outro, julgam os investigadores, é a motivação de cada um. “Quando as pessoas realmente se importam com a causa, esse ato simbólico não será suficiente para cumprir o objetivo de ajudar e, por isso, cria-se um compromisso para ações subsequentes. Por outro lado, quando as pessoas concordam com o ato de baixo custo apenas para mostrar publicamente que são ‘pessoas boas’, então, a exibição pública de apoio a uma causa é suficiente”, salienta Lisa Selma Moussaoui, professora e investigadora no grupo de investigação em Psicologia da Saúde, Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade de Genebra, na Suíça, e fundadora da empresa Behaviour Change Expertise, que faz consultoria na área das ciências comportamentais.

Com base nas experiências que conduziu – centradas na doação de sangue -, acredita que o que faz a diferença é que as pessoas se importem realmente com a causa. E que, para isso, mais importante do que pedir para usar crachás ou fazer likes, o que as organizações ou grupos devem tentar estimular é a preocupação com os outros. “As pessoas precisam de entender qual é o problema, quão importante ele é, como é que isso se relaciona com elas e como podem efetivamente ajudar”, justifica.

Ativismo 2.0

Que o digital tenha estimulado um ativismo preguiçoso, feito apenas de likes e de partilhas, não significa que o ciberativismo não seja uma realidade. A internet aumenta as possibilidades de ações sem esforço e sem impacto, mas também abre possibilidades que não existiam antes. “O que os dados mostram é que a internet, as redes sociais e outro tipo de plataformas digitais podem incentivar uma maior participação e são facilitadores da promoção do ativismo”, diz Ricardo Campos, investigador do Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, onde coordena o grupo de trabalho Cidadania, Trabalho e Tecnologia. O investigador, que é autor de um estudo sobre ativismo digital em Portugal, publicado em 2017, não aprecia por isso expressões como “ativismo de sofá” ou “ativismo de likes”: considera que partem de um pressuposto errado, negativo e estereotipado. Afirma que o digital veio transformar as práticas ativistas mas, no geral, de forma positiva.

Desde logo, porque o ativismo digital tem grandes vantagens do ponto de vista da capacidade de disseminação de informação, da mobilização, logística e organização. “É possível quebrar as barreiras geográficas e, um jovem de Lisboa, consegue organizar um evento em Loulé.”

Também porque permite um ativismo mais individual fora do contexto de grupos estruturados. Por exemplo, há ilustradores que partilham nas redes sociais trabalhos sobre temas como o feminismo e o antirracismo, que chegam a muita gente. “Há muitas pessoas que ganharam voz de uma forma que não seria possível sem a internet, nem que fossem para a rua com um megafone”, exemplifica.

Apesar disso, admite também que há aqueles que se ficam por um ativismo que, talvez nem mereça esse nome, não passa de colocar um slogan na foto de Facebook ou de fazer um like no post numa causa. Mas refere que, até isso, acaba por gerar alguma visibilidade para as causas ou movimentos, fazendo com que possam crescer e ganhar uma dimensão tão grande que isso os faz ultrapassar as fronteiras do digital, provocando mudanças.

Frisa que não é à toa que os estados pouco democráticos tentam cortar ou limitar o acesso à internet e às redes sociais de forma conter a contestação social: a internet e as redes sociais tiveram um enorme papel em todos os movimentos de protesto da última década. Esta mobilização digital foi fundamental no movimento antiausteridade, em Portugal; no Umbrella Movement, em Hong Kong; na Primavera Árabe, no Oriente Médio e Norte da África, e no MeToo, lembra o investigador. “Convém recordar que o MeToo começou no Twitter. E tornou-se num movimento de impacto global, com enormes repercussões sociais e legais.”