Manuel Luís Goucha: “A televisão é um mundo mágico, mas muito mal frequentado”

Nasceu em Lisboa há 68 anos. Filho de pais divorciados, viveu a infância em Coimbra com a mãe e o irmão. Adolescente “fez-se à vida”, na capital. Queria ser conhecido. Foi ator e cozinheiro. Recordista de horas em televisão, nunca consensual, é o nome maior no seu segmento.

Chega à hora marcada, dez da manhã, às Torres de Lisboa, sede do Global Media Group. É o que se vê no ecrã: vistoso, enérgico, direto ao assunto. De gargalhada sonora. “Dou muito poucas entrevistas. Acho que esta é a primeira em três anos. Só se deve dar entrevistas quando se tem alguma coisa para dizer.” Posa para a câmara fotográfica com à-vontade. O fato branco, de um branco irrepreensível, liso, não retira uma vírgula à exuberância visual que lhe conhecemos. Pelo contrário. Dali, seguiu para o alfaiate.

A profusão cromática que exibe na roupa tem correspondência interior ou, pelo contrário, é para contrastar?
Não esconde tristeza. (Ri). Se fosse uma pessoa triste estaria a ser injustíssimo com a vida, que tem sido tão generosa comigo.

Quer então dizer que o exterior faz pandã com a personalidade.
Não sou feliz 24 horas por dia. Mas tenho muitos momentos de felicidade ao longo do dia. Portanto, a minha roupa de trabalho, mas também a que visto no monte ou em casa, reflete isso mesmo. Gosto de viver e há cor na minha vida. Encontro cor em muitos grandes momentos do meu dia a dia.

Mais de manhã?
Gosto muito da manhã. Gosto do cheiro da manhã. Gosto do ar lavado da manhã – nos programas da manhã usava muita cor porque a manhã é radiosa. À tarde, uso menos padrões. À noite, em galas, mais preto e brilho. Sou um homem da cor que gosta muito de preto e branco.

Para si mais é mais em tudo?
Mais é mais, dentro de certos limites. Por exemplo, sou dos detalhes. Sinto que tenho um sentido estético apurado. Mas é o meu sentido estético. Aquilo que para mim é de muito bom gosto, para outra pessoa pode ser altamente piroso.

Como olharão os portugueses para essa exuberância? Que lhe parece?
Penso que já se habituaram. Faço televisão há 40 anos, 30 anos deles em programas diários. Já me vesti com tecidos de sofá, com tecidos de cortinados, enfim, já foram tantas fases que as pessoas entranharam. As crianças, por exemplo, gostam muito de mim. Creio mesmo que tem a ver com a cor e a alegria.

Com o facto de gesticular muito, também?
Faço televisão com o corpo todo. Portanto, calculo que essa exuberância, que é minha, também ajude. Que é minha, profissionalmente. Porque, depois tenho um lado completamente recatado.

Ou seja, a exuberância não mascara tristeza, mas encobre recato?
É verdade. Profissionalmente, tenho essa exuberância. Depois, preciso de tranquilidade. Preciso de estar comigo próprio, em silêncio, recatado no restante do dia. Está a ver? Mas não é por isso que a minha roupa passa a ser preta. Em casa sou igualmente o homem do pandã.

O pandã reflete equilíbrio? Necessidade de “arrumação”?
É um gosto por aquilo que é belo. Na minha vida, o belo, através da arte, é muito importante. Alimento-me de coisas bonitas. Coisas bonitas podem não ser caras. Um pôr do sol é bonito. Uma flor é bonita. Uma planície alentejana é maravilhosa. Uma harmonia que procurei ao longo da vida e que se conquista com a idade. Hoje sou, certamente, muito mais equilibrado e muito mais harmonioso. E menos inquieto.

E menos solitário? Menos…
Bicho do mato? Continuo a ser. Não sou sociável. Vivo com uma pessoa, por exemplo, que é o oposto. Gosta de toque, de abraços, de gente. De almoços que começam às duas da tarde e acabam às onze da noite. Não saem da mesa sequer. Sou incapaz. Gosto muito de estar comigo.

Em que lugar é mais feliz: na exuberância ou no recato?
Nos dois lados. Como profissional de televisão sempre procurei ser simpático. Enquanto estou no ar, mas também antes e depois. Portanto, depois de me dar às pessoas dessa maneira, preciso de estar comigo. Para carregar baterias, para me encontrar ou reencontrar. Agora, há uma pergunta que me faço: onde é que acaba a figura conhecida e começa o verdadeiro Manuel Luís?

E então?
Estão muito misturados, como apresentador de televisão, como fazedor de televisão, tento ser o mais autêntico possível.

Curiosamente disse “o verdadeiro Manuel Luís”. É esse que procuro.
Há uma frase que digo logo de manhã, mal passo o portão de casa. “Levem lá comigo, mais um dia.” A partir desse momento, já não sou meu, sou das pessoas que me abordam e por isso sou simpático. Gosto de ser gostado. Qualquer pessoa que faz televisão quer ser gostada. Portanto, digamos que 50% da minha vida é assim e não faço nenhum esforço para ser simpático. Devo isso às pessoas. Vamos ser honestos: se sou alguma coisa e estou na televisão há 30 anos, todos os dias, é porque há um público que gosta de mim.

Simpático, mas por vezes agressivo.
Assertivo.

E temido, também?
Há pessoas que acham que sim. Porque não sou lamecha, não sou do nhã-nhã-nhã-nhã. Porque sou assertivo, firme nas minhas ideias – apesar de já ter mudado muito a minha maneira de pensar, porque tenho para mim que as pessoas que dizem “sou assim, não mudo” são pouco espertas.

Mas tem noção desse poder que tem?
Não, nem quero ter. Não me dou essa importância. Sabe porquê? Porque um dia vamos todos embora e deixamos de ter a importância que achávamos que tínhamos. Portanto, não vale a pena.

Como é fazer parelha consigo?
Durante muitos anos fiz o “Praça da Alegria”, no Porto. Sozinho, porque na verdade a Sónia Araújo não estava na qualidade de apresentadora. Basta ir à ficha técnica. Poder-me-ão dizer “ah, o Manuel Luís podia ter aberto mais o campo para a Sónia trabalhar”. Pois, só que quem preparava o programa em casa era eu, quem estava por dentro de todos os assuntos era eu. Mais tarde, na TVI, é-me colocada a opção de trabalhar com uma parceira, no caso a Cristina (Ferreira). A partir daí eu aprendi a dividir protagonismo.

E gosta?
Lido com isso perfeitamente. Aliás, aprendi com a Cristina. E foi muito pacífico. Se não tivesse sido pacífico, ter-nos-íamos zangado. Pode confirmar com ela: em 14 anos de trabalho diário, não houve uma única zanga. Isto quer dizer alguma coisa.

Porém, nota-se que procura …
O controlo?

A segurança que ele dá.
Usou a palavra certa, segurança. Mas depende do projeto. Um programa como aquele que estou a fazer, um frente a frente, ainda por cima, com nome próprio – que eu não queria – não admite parceria. Agora, no programa magazinesco a dupla tem de casar muito bem.

Fez duplas com mulheres fortes, pesos pesados – Teresa Guilherme…
Foi o “Olha que dois”, e correu muito bem, correu muito bem.…

Júlia Pinheiro, Cristina Ferreira.
Com a Júlia também correu muito bem. E com a Cristina Ferreira entendíamo-nos pelo olhar – eu sabia o pensamento dela, ela sabia o meu.

E deu-lhe todo o espaço.
É verdade. As pessoas amadurecem. Repare, no início, era o homem da cozinha. Fazia programas de cozinha para crianças. Portanto, para me impor como apresentador tive de trabalhar muito. Automaticamente, fechei-me. Percebi que o caminho é muita preparação e ter o controlo. É natural que nos primeiros tempos, justamente há 30 anos, fosse difícil trabalhar comigo em parceria. Acontece que a uma fase de deslumbramento e de boas críticas, seguiu-se um desaire televisivo. O “Momentos de glória”. Percebi então que o caminho não é o da fama, o caminho é o do trabalho. Há 20 anos, aprendi, num processo tranquilo, a dividir protagonismo. Mais, gosto. Se me perguntar se quero ir trabalhar com a Júlia respondo “já”. Porque temos a mesma leitura da televisão, a mesma leitura da vida. A Júlia é das mulheres mais importantes da minha vida. Apesar de sermos concorrentes. Tenho ali uma parceira. Não tenho de brilhar mais do que ela. Mal está a dupla se um brilha mais do que o outro. Mas isto é uma aprendizagem.

Isso quer dizer que ponderaria deixar a TVI e ir para a SIC conduzir um programa com a Júlia Pinheiro?
Sou cumpridor dos contratos e este será até 31 de dezembro de 2024.…

Já agora, o que lhe falta ainda fazer?
Não vou reformar-me porque um artista não se reforma – e estou na tribo dos artistas -, mas tenciono abrandar o ritmo dos diários. Em 2025, se estiver na plena posse das minhas faculdades, abraçarei um projeto semanal que me interesse. E quero ter tempo para escrever. Ter tempo para mim. Para fazer nada, coisa que desconheço.

O que é que aprecia nos apresentadores?
Aprecio os que são únicos. Não gosto de cópias. Uma cópia é sempre pior do que o original. Desde que sejam originais, credíveis do ponto de vista do produto televisivo, têm o meu maior respeito. Na Júlia, por quem tenho profunda ternura, gosto sobretudo da verdade com que ela faz televisão. O entendimento que tem da televisão. E, sobretudo, a disponibilidade que tem para ouvir o outro. Não é para nós nos ouvirmos. Já passei essa fase há muitos anos. É para ouvir o outro.

O que é que gosta particularmente na Cristina?
A Cristina é brilhante. A pensar televisão e a engendrar televisão. E tem uma coisa importantíssima: nunca perde o foco. Era minha aluna na Universidade Independente, num curso de Televisão, quando me disse: “Um dia vou trabalhar contigo”. Cheguei a casa e disse ao Rui “tenho lá uma parva que acha que um dia vai trabalhar comigo”. Bom, é que nem seis meses passaram e estávamos a trabalhar no “Você na TV”. Portanto, a Cristina define objetivos, persegue-os e conquista-os. Mais. Três ou quatro anos depois, estava comigo no “Você na TV”, disse-me: “Um dia vou mandar nesta casa (TVI)”. Onde é que ela está? Diretora de entretenimento.

Muito dura, a mandar. É?
Não trabalho na TVI em Queluz. Trabalho em Bucelas. Portanto, não apanho essa realidade.

Voltamos ao poder. Recentemente, avisou-a de que não iria pertencer à corte que a rodeia.
Lido mal com os poderes. Tenho até tendência a ser antipoder. A Cristina tem-me como um amigo leal, mas andar em séquito, só porque ela é a diretora, não. Não conte comigo. É assim, sempre. Quando uma pessoa tem poder, distancio-me.

Há um antes e um depois na maneira de ela ligar com os colegas?
Vamos lá, isso também é compreensível. A televisão não é propriamente um meio de gente amiga. Costumo dizer que é um sítio muito mal frequentado. Mágico, mas muito mal frequentado. Portanto, é natural que ela se tenha rodeado de pessoas em quem confia.

E os que não gostam dela?
São capazes de andar à volta dela, mas continuam a dizer mal. Faz parte. (gargalhada). Mas o importante é que ela não deixa que isso a importune. tem um lado interessante de provocadora. Porque ela colhe comentários terríveis nas redes sociais. “Ai dizem para não fazer, então tomem lá, eu vou fazer a duplicar.” A isto acho alguma graça.

Também não pode dizer que não tenha planeado a sua carreira.
A minha vida é 80% televisão e 20% lazer. Portanto, procuro controlar as emoções. Mas isso é por respeito aos convidados porque quando me comovo, e às vezes acontece, estou a desviar a atenção do convidado. É verdade. Sou mais razão do que coração. Sou, como a Cristina, muito cerebral.

Que conselho lhe dá?
(Ri) Quem sou eu para dar conselhos? Mas acho que a Cristina tem de ser como ela é, arriscando. Porque sendo ela própria, expõe-se.

Onde é que a vê daqui a dez anos?
Ou com um canal dela próprio. Ou, tranquilamente, fazendo coisas de que ela gosta. Ela gosta de escrever, de viajar. Ela gosta de fazer muitas coisas. Não sei se quererá continuar a fazer televisão muitos mais anos.

A onda vai passar?
Não sei se vai passar. Repare, as pessoas entenderam a saída dela da TVI e apoiaram-na quando foi para a SIC. E de que maneira. Durante o tempo que ela fez as manhãs da SIC não ganhei uma única manhã.

Davam-se bem mesmo nessa fase?
Muito bem. Não sou concorrente dos meus amigos. Almoçávamos regularmente. Tal como janto com a Júlia. A Cristina é outra mulher da minha vida, sim.

É um amigo ciumento?
Não tenho amigos. Ou melhor, tenho muito poucos amigos. Não, não sou nada possessivo ou dominador. Respeito muito o espaço dos amigos. Desde logo porque também gosto que respeitem o meu. Eu recebo muito pouco, por exemplo. Quem vai ao meu monte? A família Caetano. Já o Rui, é amigo do Alto Alentejo. (ri)

Até porque, como dizia há pouco, a televisão é um sítio mal frequentado.
Sendo verdade, não tenho queixas. Sabe porquê? Porque não faço parte de nenhum grupo. Nunca jantei com ninguém da televisão, tirando a Júlia Pinheiro e a Cristina. Não vou a almoços, jantares, não vou a festas. Olhe, nunca fui à festa de verão da TVI. Não vou a sítios onde a má-língua, a intriga, a trica de bastidor possam surgir. Não estou metido em tricas, não estou metido em intrigas. A televisão é um sítio de competição, de egos. Faço televisão das quatro às seis. Chego às duas e meia, reúno, vou para o estúdio, faço o programa, às seis já estou a caminho de casa. E isto, parecendo que não, resguarda-me.

Mas é um terreno de traições?
Aprendi a dar importância ao que tem realmente importância. Procuro entender as razões que levaram uma pessoa a ter uma atitude menos digna comigo. Se é que a teve.

Se aprendeu é porque houve altura em que não foi assim.
Posso não ter sido assim. Há 30 anos, a minha psicanalista disse-me que tenho uma capacidade incrível de apagar da memória coisas que me possam magoar.

Dizia há pouco que não gosta de imitações. Quem é que acha que o imita?
Na roupa, vários. Mas depois falta-lhes o corpinho. (ri) Quando eles vão para os estampados, já eu saí. Quando eles vão para os laços, já eu saí.

Na televisão, ainda tem inseguranças?
Só no caso de ser um projeto que fuja à zona de conforto. Um exemplo: a única vez que fiz a apresentação da “Casa dos segredos”, em substituição da Teresa Guilherme, senti-me a desmaiar. A porta a abrir dentro de cinco minutos e eu a pedir água. Pensei ir-me embora, a sério. A porta abriu , disse qualquer coisa e ouvi uma gargalhada. Pensei “está ganho”. Pronto.

Quando é que achou que faz bem aquilo que faz?
Nesta última fase. Até porque mudei de registo. Com a Cristina éramos a dupla desvairada. Ultrapassámos todos os limites do bom senso, desconstruímos a televisão, fizemos coisas impensáveis naquela altura. Agora, é um programa de entrevista. Tenho orgulho no profissional que sou, mas não me acho o melhor. Nem penso nisso.

Então quem é o melhor?
Não há o melhor.

Gosta de se ver em TV?
Nunca vi um programa meu. “Vê”, diz o Rui, “que vais gostar”, mas não me convence. Abri uma exceção para as cinco séries que fiz do “Masterchef”. Aí achei que estava perfeito. Achei que o meu trabalho era perfeito.

Acha que está na história da televisão?
Se há uma história da televisão, o meu nome está lá. Até porque neste momento serei a pessoa com mais horas de televisão. O Júlio Isidro está no ativo, mas ele fazia programas semanais. Porém, isso não é nada importante.

De que maneira gostava de um dia ser lembrado?
Não vou ser lembrado. Sou do tempo em que as celebridades eram figuras inspiradoras que procuravam a excelência e tocavam a excelência. E tanto podia ser um Vitorino Nemésio ou uma Natália Correia como uma Rosa Ramalho. Hoje em dia, a celebridade é outra coisa. Está muito desvalorizada. É o que temos.

Não respondeu.
Sinto que sou um bom profissional de televisão, trabalho para isso diariamente. Trabalho para ser melhor porque foi a vida que quis para mim e não vale a pena ser mais um.

O que é que o distingue, então, se quiser?
Creio que aquilo que me distingue, e que os meus pares reconhecem, é estar muito bem preparado para as conversas. Mas há outros caminhos para se chegar lá.

A propósito, quem são as suas referências na televisão?
Tem muito a ver com a minha infância. Só brincava às televisões. Sentava-me em casa, sozinho, a olhar para um caixote que era a televisão nos anos 1960, e apresentava-me, simulava entrevistas. As referências eram as figuras carismáticas. Já citei Vitorino Nemésio. O meu cuidado com a língua portuguesa vem daí. Quando desconhecia uma palavra, ia ao dicionário.

Fala-se bem, em televisão?
Não se fala bem na televisão, não se fala bem nas redes sociais. Os oráculos nos canais de televisão têm cada erro. Já ouvi apresentadores dizerem “tefone pa cá”. Mas ainda nas referências: a Maria Elisa é uma referência. o Joaquim Letria, a Manuela Moura Guedes. O Henrique Mendes, que tanto fazia o “Festival da canção” como era pivô do “Telejornal”. Ou seja, naquela altura a figura de televisão era muito mais completa. Eu não faço telejornais.

Mas gostava?
Não, desde logo porque nunca usei teleponto na minha vida. Nada do que digo em frente às câmaras está escrito. Nem soprado ao ouvido. Não admito que alguém me sugira uma pergunta. O auricular serve apenas para me darem os tempos. Em alguns programas ditam perguntas. Comigo, ninguém está autorizado a ditar. Não sou um papagaio.

Vamos falar dos momentos piores. “Momentos de glória”, por exemplo.
É um bom exemplo. “Momentos de glória” corresponde à viragem. Em termos de personalidade e quanto ao entendimento que hoje tenho da vida.

Então fala-me da mudança de personalidade.
Vamos lá ver: Era um ator e homem da cozinha que passa a fazer programas de manhã na televisão, nomeadamente o “Bom dia”, com bastante sucesso. De um momento para o outro passei a capa de revista. Para quem desde criança quis ser conhecido, isto é um deslumbramento. Estava, de facto, deslumbrado. É neste contexto que sou convidado pela TVI para um projeto megalómano, com um salário astronómico para a época. O que me aconteceu? Aconteceu-me que não tive a humildade de dizer que não. Tinha 30 e muitos anos, mas faltava-me estrutura, arcaboiço cultural para entrevistar as grandes vedetas internacionais que vinham ao programa. Quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão? Se soubesse o que sei hoje diria que não. Aliás, hoje faria aquele programa muito bem. Na altura, fui desancado pela crítica.

Como reagiu ao fracasso?
Aí surge a depressão. Afinal não sou tão bom como diziam, afinal sou uma porcaria.

O desaire profissional coincide com o fim de uma relação amorosa.
Sofri durante um ano. Noites terríveis, passadas em branco, a tristeza era profunda, um estado de escuridão. Não haver ponta por onde se pega o resto da vida. Sofri até ao momento de voltar à estaca zero. Entender a minha angústia, a minha tristeza profunda, a dor que eu sentia. E que tinha a ver com o fracasso. Por alguma razão eu nunca esqueci uma crítica da Maria Filomena Mónica.

Qual foi?
Tudo em Teresa Guilherme é autêntico e genuíno. Tudo em Manuel Luís Goucha é parvo, postiço e piroso. Mais tarde, numa entrevista que lhe fiz, agradeci-lhe. Foi o estaladão. Juntamente com a psicanálise, deu-me força. Tu não és mau, tu não és uma merda, vamos repensar tudo E vamos começar do zero. Vamos repensar a vida, vamos repensar o caminho.

O que aprendeu de si?
Que sou eu que controlo, se não perder o foco, apesar dos imprevistos. Em termos profissionais percebi que a fama não é o objetivo. O sucesso não é o objetivo. Não trabalho para ter sucesso, trabalho para me sentir bom profissional e para conhecer pessoas. O importante é que uma conversa me encha as medidas. Se isso acontecer, posso não ter audiência que me estou nas tintas.

Deve ser único. As audiências são um cutelo.
Nunca senti essa pressão. Nesta fase estou a ganhar praticamente todos os dias, mas durante dois anos não ganhei uma única manhã. As audiências não me envaidecem, nem me deitam abaixo. Não tenho de provar nada a ninguém, apenas a mim. Se não sair satisfeito do estúdio comigo está tudo estragado.

As más audiências cancelam programas, despedem.
Tenho o privilégio de estar escudado por um contrato blindado. Se me quisessem pôr na rua, com certeza, pagam-me até ao último dia. Se me quiser ir embora também, pago à TVI. Isto também dá uma certa tranquilidade.

Quais são as linhas vermelhas, o que nunca aceitaria fazer?
A minha linha vermelha tem muito a ver com a visão voyeurista sobre a desgraça alheia. A artimanha de puxar à lágrima. Há uns apresentadores que até baixam o tom de voz para mostrarem que estão muito solidários. Não contem comigo. Não me peçam para pôr a pessoa a chorar. Se a comoção é espontânea, decorrente da conversa, tudo bem. Ir à procura da lágrima, não. Recuso-me a escarafunchar a dor.

Diz que as audiências não o preocupam. Mas não foi a pensar nas audiências que levou ao programa da manhã Mário Machado, André Ventura, Susana Garcia, Maria Vieira?
A Maria Vieira foi ao meu programa, e todos os semelhantes, de outros canais, para falar do seu trabalho como atriz e autora de livros de viagens. A Susana Garcia era comentadora. Tinha uma rubrica de crime. Aí, já não interfiro. Foi uma opção editorial.

Foi presidente da Comissão de Honra dela, nas eleições autárquicas.
Porque eu gosto de Susana Garcia.

Do que ela afirma e defende?
Gosto de pessoas que pensam pela cabeça dela. Ela é da área do PSD. Atenção, ela foi candidata pelo PSD. Ah, pois. Não foi candidata pelo Chega. Se fosse pelo Chega, não contaria comigo.

O discurso dela poderia ser o de um candidato do Chega.
Vai-me dizer que tem um discurso populista? Direi que é reflexo daquilo que ela pensa. É uma mulher que pensa pela sua cabeça, de quem eu sou amigo. Adoro pessoas que não vão em carneirada. Eu próprio penso pela minha cabeça e é talvez por isso que a comunidade LGBT não me acha muita graça. Mas esses são outros 500. Podemos ser amigos de pessoas que pensam muito diferente. Aliás, tem o exemplo do meu marido. Ele é aficionado e eu sou antitourada.

Não é bem a mesma coisa. André Ventura.
André Ventura foi meu convidado no âmbito das campanhas presidenciais. Entrevistei o André Ventura como entrevistei o João Ferreira, a Ana Gomes, a Marisa Matias. A entrevista desagradou imenso ao Chega, diga-se.

Mário Machado? Desconhecia-lhe o percurso?
O Mário Machado não foi meu convidado, quando regressei de férias, a conversa estava marcada. Reconheço que não foi uma boa ideia. Porque não faz sentido entrevistar o Mário Machado em 15 minutos, entre uma canção e uma receita culinária. E o mais importante: não se pode entrevistar o Mário Machado sem uma VT de enquadramento a dizer, este senhor fez isto, fez isto. E esteve preso por isto, por isto. Portanto, têm razão.

É um homem de direita?
Sou PSD.

Cavaquista.
Porque conheço o clã Cavaco, porque gosto daquela ideia de família. Talvez pela minha ter sido tão desestruturada. Dei a cara pelo Cavaco Silva nas presidenciais, embora reconheça que o meu presidente talvez tenha sido Jorge Sampaio. Em política, escolho pessoas. Olhe, por vezes desiludo-me. Dei a cara por José Sócrates, na primeira eleição. Ele foi a minha maior desilusão política.

Dizia há pouco que não é gostado pelo movimento LGBT. Por que razão será?
Porque não me guetizo, nem tenho atitudes radicais. Pelo contrário. Tenho de viver em sociedade, portanto, não vou a guetos. Reconheço que esses guetos são necessários, que pessoas massacradas, violentadas, marginalizadas pelo preconceito só nesses redutos conseguem ser elas. Eu não os frequento.

Nunca foi a um desfile Pride. Não acha importante celebrar a resistência ao preconceito?
Sei que não sou bandeira da comunidade LGBT, mas sinto-me bandeira porque sou o primeiro apresentador em televisão que, sem dizer nada, disse tudo, ao afirmar numa revista, há 18 anos – 18 anos! -, que o Rui é a pessoa mais importante da minha vida, a seguir à minha mãe. Todos têm o direito de fazer as suas paradas gays. Combati-o à minha maneira. Apesar de nunca o ter sentido.

Nunca?
Aos 17 saio de casa para ir à minha vida, em Lisboa. Na livraria Portugal, onde trabalhei, os meus colegas sabiam que era homossexual. No teatro e na televisão nunca ninguém pergunta com quem é que dormia. Como tenho a capacidade de apagar da memória o que me magoa, às vezes pergunto-me se o que estou a dizer é real. Será que eu nunca sofri de bullying? Creio mesmo que não.

Com que idade percebeu que era homossexual? E a quem contou?
Sempre soube quem era, desde criança, e não precisei de contar a ninguém porque estava bem comigo. Sabia que era diferente e gostava de ser diferente. Não me escondi. Quando aos 16 anos a minha mãe me perguntou se sou “invertido”, foi a expressão que usou, horrível, que nunca mais ouvi, a questão ficou resolvida. “Estás a perguntar-me se gosto de homens? Sim, gosto de homens. E temos dois caminhos: ou me respeitas e a nossa relação continua a ser esta, maravilhosa; ou cada um segue o seu caminho.” “Só quero que sejas feliz.” A resposta da minha mãe resolveu-me para sempre: quero lá saber da opinião de pessoas que não me conhecem.

Mas sabe que é uma exceção.
Talvez porque uma das mais eficazes maneiras de normalizar seja a que eu segui. Repare, o Rui e eu fomos sempre vistos em todo lado. Mas o que é que as pessoas veem? Dois homens. Sabem que gostam um do outro, sabem que vivem juntos, mas só veem dois homens, não veem mais nada E respeitam-nos.

Quando decide fazer aquela declaração a uma revista, como reagiu o meio televisivo?
A Júlia Pinheiro foi a pessoa que mais me apoiou. A Cristina foi das que teve mais medo dessa capa. Sobretudo por causa de um público mais velho, que me adorava. Não é que esse público passou a adorar duas pessoas? São pessoas mais velhas que me perguntam pelo meu marido. Respeitam-nos. Um dia, à porta do Politeama, uma mãe agradeceu-me. “Por causa de si, percebi o meu filho.” Isto vale mais do que todos os comentários da comunidade LGBT.

Vem de uma família de pais, avós e tios divorciados.
Nunca tive problema com isso.

Posso perguntar se nunca pensou ter filhos?
Nunca senti necessidade. Tenho os vícios de quem viveu muito tempo sozinho. Não sei se teria paciência para a desarrumação da casa. Gosto de dormir sete horas e ai de quem perturbar o meu sono. Nesse capítulo sou um bocadinho egoísta. Seria um bom pai para viajar, para levar o filho à Disney e divertir-me tanto quanto ele. Para educar não.

Creio que chegou a passar um aniversário precisamente na Euro Disney. Faz anos a 25 de dezembro e passava o Natal sozinho.
Passava os natais comigo, nunca estou sozinho. Mas, sim, sempre fora. Uma viagem é a prenda que dou a mim próprio, fazendo anos no Natal. Geralmente, a Paris. Depois, passei a ir com o Rui e com a minha mãe. Nos últimos anos, tenho passado em Coimbra, a minha mãe já não quer viajar e nunca sei qual é o último Natal. Está a fazer 100 anos.

O que é que o Rui mudou em si?
O Rui é casa, a asa. Mas continuo a gostar muito de viajar sozinho. Vou muito feliz. Em julho estive uns dias no monte e uns dias fora do país. Sozinho.

Fale-me do monte.
O Rui cuida das feridas das ovelhas, o Rui faz partos a éguas, poda as oliveiras, a vinha, apanha as azeitonas. O Rui faz tudo. E eu fotografo. (gargalhada) Sou de estar sentado a olhar, a ler, a pensar. Depois, cozinhamos a meias. Eu, doces. Ele, a cozinhar com o que há no frigorífico, é brilhante. Em meia hora faz uma refeição. Tem um lado terra, eu tenho um lado contemplativo. O Rui traz-me alegria para a vida.

Casou com que expectativa?
Nenhuma. (ri). Casámos porque nos venderam a ideia falsa de que a união de facto tem os mesmos direitos do casamento, e não tem. Foi uma questão prática. Marcámos no cartório de Monforte. Fomos apenas os dois. Nem a minha mãe assistiu. Se quer saber, não me lembro de que cor estava vestido.

Sabe ao menos o dia?
Seis de abril, acho eu.

Li que estão nas bodas de prata.
O mais certo é fazermos uma festa no monte. Gosto de fazer grandes mesas, bonitas.

Qual é o prato favorito?
Aletria. E arroz-doce. Pode ser de fatiar. (Olhe que tenho de ir ao alfaiate).

A fechar: O que não prescinde no dia a dia?
De chá, de brincar com os meus cães e com os meus gatos. Não prescindo do Rui.