Escape rooms, uma febre que veio para ficar

São salas fechadas mas com imenso sonho dentro. E enigmas. E jogos. E desafios à destreza. E tanta coisa. As escape rooms estão em crescendo em Portugal. Inspiram-se em filmes e séries, levam a um imaginário que promete sair do real. Mas também podem ser inspiradas na região onde estão localizadas ou em figuras bem humanas, como o escritor Fernando Pessoa.

Entrou resoluta e confiante nas instalações da Mission To Escape, no centro comercial Arrábida Shopping, em Vila Nova de Gaia. Acompanhada de filha e neta, disse logo ao que ia. Que queria experimentar a escape room inspirada na saga dos livros e filmes “Harry Potter”, que não sairia de lá descansada enquanto não conseguisse desafiar-se a si própria naquele emaranhado de jogos feito para testar as mentes mais perspicazes e que obriga a que durante uma hora exata os participantes sejam hábeis o suficiente para ultrapassarem todos os obstáculos, alguns deles físicos, até chegar ao objetivo final. Era o seu aniversário, oferecia-se a si própria tal presente tão especial. Lá foi. Lá chegou ao fim. Lá cumpriu a meta sem dificuldade de maior. Fazia 85 anos e tornou-se uma das jogadoras mais velhas de sempre a chegar ao final de uma escape room em Portugal.

Este é um dos inúmeros episódios que todos os dias atravessam as paredes da Mission To Escape, onde é possível experimentar duas salas temáticas, a já referida dedicada a “Harry Potter”, outra pensada a partir da série da AXN “S.W.A.T: Força de Intervenção” – em breve nascerá uma outra inspirada na saga “Guerra das Estrelas”.

Lógica, a palavra mágica que permite superar desafios
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

“Propomos escape rooms com base na força mental e nunca física dos jogadores, com imensas referências às séries e filmes em que nos baseamos. São acessíveis tanto para crianças como para adultos, inclusive para pessoas com pouca mobilidade”, explica Mariana Duarte, gestora da Mission to Escape, que tem escape rooms também em Loures e Lisboa. “Temos salas até seis participantes com preços a partir de 15 euros”, acrescenta. E os clientes vêm de todos os lados, até de empresas que pretendem aumentar o espírito de equipa entre funcionários. “Podemos dizer que as escape rooms são um fenómeno transversal, que não se fecha em si próprio”, resume Mariana Duarte.

Uma escape room não se limita a jogos de fantasia que levam os integrantes a cenários baseados em filmes históricos, propostas de aventura e histórias que envolvem bastante ficção pelo meio. Podem, também, ser passaporte para conhecer melhor a cultura de um país, os seus maiores vultos, as suas figuras de destaque, os seus nomes que ganharam direito a entrar no dicionário das referências. É o que acontece com a Escape Hunt, que na Rua dos Douradores, no Centro Histórico de uma Lisboa também ela cheia de mistérios, tem em Fernando Pessoa (1888-1935) o objetivo de jogo. Quem nele alinha, entra na cabeça do poeta e dos seus heterónimos e torna-se ele próprio um e muitos, tal como Pessoa, como se o personificasse para o ficar a entender melhor e a compreender quem foi, como viveu, como escreveu, como pensou.

Mariana Duarte, da Mission to Escape, destaca uma atividade em alta
(Foto: Rui Oliveira/Global Imagens)

“A nossa génese foi a de proporcionar jogos relacionados com temáticas relacionadas com Portugal, em particular de Lisboa”, assinala Marta Pereira, a cara principal da Escape Hunt. Nada melhor, diz, do que Fernando Pessoa para mostrar a excelência das letras em língua portuguesa, ele que foi o expoente máximo da poesia nacional no século XX e ficou para a eternidade. “E, também, porque teve uma envolvência histórica com Lisboa durante a sua vida”, reforça a responsável.

Ser Fernando Pessoa durante uma hora

O objetivo desta escape room dedicada a Fernando Pessoa é assumidíssimo, passa por “estar dentro da casa dele e mesmo dele próprio”. Durante um trajeto com limite de uma hora, os participantes percorrem salas onde as portas não têm fechaduras e são desafiados a resolver enigmas indicados pelo escritor. Há pistas espalhadas pelo percurso, poemas que devem ser interpretados, formas diferentes de alcançar os diferentes níveis. Sempre com Pessoa como guia e mestre.

“Todos os jogadores têm de o encarnar, de pensar como ele. Porque é sempre ele que os vai ajudar a mostrar o caminho e a descobrir os objetos mais preciosos que dão acesso à vitória final”, destapa Marta Pereira. E que objetos são esses? Bem, isso seria já querer saber mais do que a conta, “só mesmo a experiência pessoal vai permitir desvendar”.

Fernando Pessoa é o centro de uma das mais procuradas escape rooms de Lisboa
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Com preços que partem dos 20 euros, esta ponte para a magia pessoana não tem idade limite para quem a queira experimentar. Dos sete anos até ao infinito, todos estão convidados a ser Fernando Pessoa e a conhecê-lo por dentro. “Os nossos jogos são bastantes acessíveis a todas as gerações. Apenas impomos um limite mínimo, que são os sete anos, de resto todos podem jogar. Chegámos, inclusive, a ter um senhor de 90 anos que quis fazer a escape room e conseguiu com sucesso”, recorda Marta Pereira.

A média etária dos clientes da Escape Hunt – O Mistério de Fernando Pessoa “anda entre os 25 e os 40 anos”. Vêm em grupos, sobretudo de amigos, e deixam-se deslumbrar por um universo poético que foge às convenções deste tipo de desafios. Também os turistas são convidados a entrar na onda, mesmo que pouco ou nada conheçam sobre Pessoa e as suas variantes. “O feedback dos estrangeiros é notável. À entrada, admitem que desconhecem o escritor. À saída, dão conta do quão fascinados ficaram e perguntam imenso sobre ele, garantindo que vão querer saber ainda mais e ler a sua obra”, refere Marta Pereira.

Marta Pereira lidera a Escape Hunt e quer promover a cultura portuguesa
(Foto: Leonardo Negrão/Global Imagens)

Uma forma diferente de proporcionar cultura. No fundo, uma escape room que foge ao tradicional, até mesmo das diferentes salas da Escape Hunt, que apontam para outras temáticas – uma leva até ao cenário de uma tradicional Feira Popular, outra entra pela introdução a uma sociedade secreta. “São salas altamente imersivas onde a adrenalina está garantida”, assegura a proprietária sem ponta de hesitação.

Admirável mundo novo

As escape rooms são realidade recente a nível internacional. Começaram por se tornar sucesso mediático através do programa televisivo “Now Get Out of That”, que foi sucesso de audiências no Reino Unido, no início da década de 1980. A ideia espalhou-se depois para os Estados Unidos, onde obteve, igualmente, grandes audiências. Mas a transposição do ecrã para a realidade aconteceu apenas em 2003, na cidade norte-americana de Indianápolis, onde surgiu a primeira escape room física aberta a jogadores reais e de todas as idades. O conceito foi ganhando fãs e cresceu depois ao Japão e ao continente europeu, onde é fórmula de sucesso desde 2011.

Atualmente, há escape rooms implementadas pelos cinco continentes e têm, inclusive, lugar garantido no livro de recordes do Guinness graças ao feito alcançado em outubro de 2020 pelos belgas Rob Van Esser, Liese Luitjen, Pieterjan Uytterhoeven e Kobe Eleven , que em apenas 24 horas cometeram a proeza de percorrer com sucesso 25 salas em três cidades separadas entre si cerca de 30 quilómetros: Ghent, Aalst e Dendermonte.

Em Portugal, a febre das escape rooms respeita (quase) todo o território nacional. O site worldofescapes.pt, qual base de dados atualizada sobre esta realidade, apresenta um total de 90 espalhadas de norte a sul. Lisboa e Porto levam a palma, com mais de metade do total, 43 e 37, respetivamente, ficando o resto do país com números modestos em cidades como Coimbra, com quatro, ou Setúbal, onde sobressaem duas.

“Lisboa e Porto são, efetivamente, os dois grandes polos de concentração de escape rooms, onde se verificou um rápido crescimento traduzido na multiplicação destes espaços entre 2018 e 2020. Após a pandemia, o cenário em Lisboa decresceu bastante, ao contrário do Porto, mas é uma dinâmica que está em alta no país, com um mercado significativo a nível global, aliás, tal com acontece no resto do Mundo”, detalha Marta Pereira, da Escape Hunt.

Decifrar mensagens secretas faz parte da estratégia
(Foto: Sérgio Conceição/Global Imagens)

“A pandemia veio, curiosamente, abrir espaço para novas escape rooms, inicialmente online por força das circunstâncias e que depois se transpuseram para a realidade física. Atualmente, abundam conceitos cada vez mais diversificados que trazem novos clientes e públicos também eles diferentes”, frisa, por sua vez, Mariana Duarte, da Mission to Escape. “A ideia é criar propostas personalizadas para estar cada vez mais próximo das exigências e dos gostos de quem procura uma escape room a fim de se divertir e passar bons momentos em grupo”, completa.

Uma ilha isolada no Alentejo

No entanto, continuam a escassear ou são mesmo inexistentes escape rooms em regiões como Trás-os-Montes, sendo também raras no Interior Centro e Sul. No Alentejo, por exemplo, existe apenas uma, no coração de Évora, e vem resistindo ao longo dos últimos quatro anos a vários desafios que a abanaram, como a falta de atividade durante a pandemia, reinventando-se sempre em nome de um bem maior, o da promoção das terras alentejanas e do melhor que elas têm para oferecer. O vinho é agora tema principal da 100Escape. “Como o Alentejo é um grande produtor, criámos sinergias com uma empresa local, a Ervideira, e abordámos a temática nos nossos jogos, o que os torna originais, didáticos e divulgadores do melhor que a região tem para oferecer”, sintetiza Ricardo Bento, 38 anos, fundador e gestor da 100Escape.

“Temos duas salas, ambas com o vinho como tema principal”, pormenoriza. Nelas, grupos de seis participantes cada tentam resolver uma série de enigmas através de processos de lógica durante o período máximo de uma hora. Vão avançando de etapa em etapa e podem até comunicar entre si através uma versão do jogo que atravessa as duas salas numa versão especial. “Oitenta por cento dos participantes são adultos entre os 20 e os 45 anos. Muitos são amigos que procuram passar um tempo divertido e único, embora também haja famílias a quererem experimentar, assim como clientes empresários e outros que escolhem a nossa escape room para acolher a sua festa de aniversário”, revela Ricardo Bento.

Ricardo Bento fez nascer a única escape room do Alentejo
(Foto: Sérgio Conceição/Global Imagens)

A ideia para lançar a 100Escape nasceu depois de uma viagem de Ricardo e a namorada a Coimbra que se tornou inesquecível pelos melhores motivos. “Experimentámos quase por acaso uma escape room pela primeira vez, uma casa com aspeto exterior duvidoso mas com um interior fantástico. Quase desistimos mas conseguimos terminar o jogo a 12 segundos do fim. Gostámos do conceito e quando chegámos a Évora estabelecemos alguns contactos e arrancámos com o projeto”, rebobina.

Nem só de portugueses se faz a 100Escape, com os turistas estrangeiros a apresentarem-se como fatia considerável – “cerca de 30% do total” – dos interessados. E de várias paragens. “Posso dizer que já cá tivemos pessoas dos cinco continentes”, salienta Ricardo. A prova disso mesmo está num mapa onde cada jogador estrangeiro assinala a sua origem com um pequeno pin num mapa-mundo que, entretanto, se tornou uma das grandes referências da empresa. “Por norma, dominam os europeus, embora esteja a crescer o número de brasileiros e de norte-americanos”, aponta. E há as nacionalidades mais inesperadas, como uma jogadora da Mongólia que entrou no espaço e nem sequer hesitou em participar, mesmo pouco percebendo do que teria por diante. “Não falava inglês, francês, nada, foi impossível comunicar com ela. Mas quis ir até ao fim e teve, até, uma boa prestação”, observa com graça Ricardo Bento.

Universo rico e gratificante

Ali, no já de si solitário Alentejo, ter sido inovador e manter a persistência de prosseguir uma escape room é aventura que vai fazendo dos dias desafio. “Não temos concorrência, as escape rooms mais próximas de nós situam-se em Badajoz (Espanha) ou no Algarve, a cerca de uma centena de quilómetros. Fomos pioneiros em espalhar a palavra e continuamos sozinhos a tentar explicar aos alentejanos, e não só, o que é uma escape room”, diz Ricardo Bento. Qual cavaleiro andante em caminhada longa sem companhia próxima, faz um “balanço positivo” destes anos de luta numa aposta inovadora. “O passa-palavra conta muito e tem-nos ajudado a ter sucesso. Além disso, somos maleáveis e procuramos sempre adaptarmo-nos às circunstâncias e ir variando os nossos jogos, procurando em todas as situações apontar o foco para o Alentejo, os seus produtos e as suas potencialidades”, sustenta.

Uma hora é o tempo médio de cada jogo
(Foto: Sérgio Conceição/Global Imagens)

Crescer para outros espaços não está no horizonte, “pelo menos para já”. As únicas deslocações acontecem apenas quando recebe propostas para montar sala em ambientes externos a fim de satisfazer pedidos especiais de clientes. Porque eles, os clientes, são sempre o centro das atenções. Para que saiam da 100Escape com uma memória prometida ao inesquecível de tão rica, gratificante e diferente.