Dores nas costas não são só para velhos

A anatomia da coluna é complexa, vértebras, discos, músculos, ligamentos, nervos

O assunto é sério, com causas e sinais de alarme complexos. Uma dor que irradia para a perna ou para o braço, adormecendo a mão ou o pé, exige toda a atenção. Esta não é uma doença apenas de velhos.

Miguel Loureiro, especialista em ortopedia e patologia da coluna vertebral, médico no Hospital Lusíadas Porto, acaba de operar um doente com uma hérnia discal. Mais uma manhã passada no bloco operatório. A dor lombar é um problema comum, no topo dos motivos das idas aos consultórios médicos. “No mundo ocidental, é uma condição muito prevalente, 80% dos adultos vão ter dor de costas em alguma fase da sua vida”, constata o ortopedista. Os cálculos indicam que mais de 600 milhões de pessoas padecem dessas dores em todo o Mundo, serão mais de 800 milhões em 2050. “Passamos uma boa parte da vida sentados. Não fomos feitos para passar tanto tempo na cadeira”, refere Miguel Loureiro. Só que, regra geral, é exatamente isso que acontece.

“A incidência de dor de costas é um verdadeiro flagelo, um terço da população adulta recorre ao médico por dores lombares”, adianta João Espregueira Mendes, ortopedista, vice-presidente da ISAKOS – Sociedade Internacional de Artroscopia, Cirurgia do Joelho e Medicina Ortopédica Desportiva, especialista na área. O impacto é tremendo e alcança várias dimensões. As repercussões sentem-se no trabalho, nos níveis de absentismo, na economia, no sistema de saúde. A lombalgia é um dos motivos mais comuns de reforma por invalidez. E é uma dor que se manifesta cada vez mais cedo. “Não é uma doença dos velhos”, alerta. Por razões fáceis de entender. Estilo de vida, muitas horas na cadeira, muitas horas em pé, excesso de peso, pouco ou nenhum exercício físico. “A maior doença para a coluna vertebral é o sedentarismo”, avisa Espregueira Mendes. Peso a mais não é nada recomendável. Os músculos têm de estar preparados para sustentar o corpo. O que cada um faz para se proteger é deveras importante.

A anatomia da coluna é complexa, vértebras, discos, músculos, ligamentos, nervos. Há várias regiões, cervical, torácica, lombar, o sacro, esse osso triangular na base da coluna. A dor lombar varia de pessoa para pessoa. Pedro Cantista, médico fisiatra do Centro Hospitalar Universitário de Santo António, no Porto, presidente da Associação Portuguesa de Osteoporose, chama a atenção para vários aspetos. É preciso fundamentar bem o que é dor aguda e dor crónica. “A interpretação da dor é crucial para a prática clínica”, comenta. Dor sem lesão ou lesão sem dor? Não são detalhes. Uma dor aguda pode ter uma função protetora, biológica, há uma sobrecarga, há um sintoma. Uma dor crónica pode estar diretamente relacionada com uma lesão. “A lombalgia é extremamente frequente.” Perceber a dor é essencial.

As queixas são determinantes, a perceção é fundamental para o diagnóstico e tratamento. Uma dor lombar, uma dor dorsal, uma dor cervical. Para Pedro Cantista, uma lombalgia no Ocidente, das horas e horas, dias e dias, anos e anos passados sentados na cadeira frente a uma secretária, não é brincadeira. Se há dor, há dor. E a dor de cansaço não é uma dor de costas. “Assim deixam-se passar coisas graves. Uma lombalgia é um problema muito sério”, avisa o médico fisiatra.

Há dor músculo-esquelética? Esse deve ser o ponto de partida. “A dor aguda e a dor crónica são de tal forma diferentes que não se podem juntar na mesma definição”, afirma Pedro Cantista. O substrato de uma não é a essência da outra. A dor crónica é difícil de definir. “Não é uma sensação, é uma perceção.” Há uma componente psicológica, emocional, cognitiva e de memória envolvida.

Sintomas em repouso, perda de mobilidade

Por um lado, há o ambiente, por outro, a genética. “É uma dor regada com alguma tendência genética que manda naquilo que vamos ser e que vamos fazer”, observa Espregueira Mendes. Há maior propensão nuns do que noutros, portanto. É uma dor que vem de vários lados. Da coluna degenerativa, desse desgaste dos discos das vértebras. Das hérnias discais. Do canal estreito, estenose lombar em que o espaço disponível no canal por onde passam os nervos diminui com a idade, isto é, os bicos de papagaio crescem para dentro, e perde-se funcionalidade.

Trata-se de um tema onde cabe muita coisa. Do problema mais leve e menos grave, ao mais complexo e bastante problemático. Uma dor de sobrecarga, uma dor muscular, um esforço repentino, uma situação temporariamente incapacitante e depois passa. Isto é uma coisa. Outra coisa são as hérnias discais, as artroses na coluna. O desgaste da cartilagem, o aperto do canal dos nervos, a perda da capacidade da função que tinha, a degeneração das articulações. A região lombar ressente-se e há dor. Sinais de alarme? Há vários. Dor de intensidade muito forte, radiação para os membros inferiores. “Tentar andar e as pernas ficarem presas”, especifica Miguel Loureiro.

Segundo Espregueira Mendes, há três sinais de alarme importantes. “Uma dor lombar que irradia para o braço e para a perna, adormece a mão e o pé e não se consegue movê-los. A falta de força. A ausência de mobilidade da mão ou no pé.” Há outros sinais e outras possibilidades que não se enquadram no que é habitual. Uma dor na coluna com uma intensidade bastante forte, e mais frequente à noite do que de dia, não é normal. Dor em repouso nunca é de desvalorizar. “É uma dor pouco típica de lombalgia”, repara o ortopedista. O cenário pode ser grave, uma lesão maligna na coluna, metástases nessa zona. Andar a pé 100 metros, ficar sem força, parar, inclinar-se para a frente, retomar a caminhada? É outro sinal de alarme que exige consulta médica com brevidade.

Nos adultos jovens, as dores nas costas são mais frequentes nos homens, a partir da quarta e quinta décadas de vida, mais prevalente nas mulheres. Na pós-menopausa, particular atenção para as fraturas osteoporóticas, mesmo sem quedas. Esta é uma causa frequente de dor de costas.

Há que perceber todos os sinais para uma avaliação com pés e cabeça. “As alterações lombares são muito complexas, o diagnóstico pode passar ao lado, exige um conhecimento biomecânico muito rigoroso”, sustenta Pedro Cantista. “É uma área com uma enorme dimensão de incidência e prevalência”, refere.

Miguel Loureiro fala da prevenção da dor. Desde logo, pelo tradicional pilar da saúde: sono, dieta e exercício físico. Este último particularmente importante para a coluna. “Exercícios de reforço e estabilização do centro do corpo, que fortaleçam essa estrutura, protegem da dor de costas.” E ajudam a aguentar melhor a semana. Há, no entanto, questões a ter em conta. “Adaptar o exercício à medida que se envelhece.” Com a idade, o corpo perde massa muscular. Natação recomenda-se, para quem sabe nadar bem. Ginásio, obviamente, com ou sem pesos, com um plano à medida. Um exercício do qual se goste para continuar e não desistir. “O mais importante é a regularidade, o hábito, o compromisso que estamos a tratar de nós”, diz. No fundo, é prevenção. As quedas, a partir de determinada idade, são terríveis para a coluna.

Pode parecer um gesto sem a mínima importância, só que faz toda a diferença. Miguel Loureiro fala num hábito que compensa. “De hora em hora, levantar 30 segundos e esticar o corpo tem muito impacto.” Sair da cadeira, mudar de posição, voltar ao lugar, em metade de um minuto. Haja disciplina para o fazer. A ciência analisou o procedimento precisamente em cirurgiões da coluna em ação, 30 segundos de paragem de hora em hora, nos Estados Unidos. Os resultados foram publicados numa revista da especialidade norte-americana. “Não houve aumento de tempo operatório e a diminuição do número de casos de dor na coluna dos cirurgiões foi significativa”, adianta o ortopedista.

Há diversas formas de tratar as dores lombares. O tratamento conservador, medicação, analgésicos, fisioterapia, repouso, descanso. O tratamento cirúrgico, quando a situação é grave, uma ciática que impede a mobilidade, por exemplo, aplicado depois da falência do tratamento conservador. “Temos modalidades cirúrgicas minimamente invasivas”, adianta Miguel Loureiro. Em alguns doentes, refere, faz-se algo no meio, entre uma coisa e outra. “Quando a cirurgia não é opção e a fisioterapia não está a funcionar, temos algumas armas, a radiofrequência, injeções guiadas por imagem.”

Medicação para a dor, relaxantes musculares, fisioterapia e massagens associadas a exercícios de alongamento e tonificação muscular, injeções, cirurgia, exercício físico com regularidade, hidroterapia, natação, pilates, fortalecimento dos músculos abdominais, dorsais, cervicais. A diversidade é significativa. E como deve ser o colchão? “Um colchão que se adapta à nossa coluna é muito eficaz”, responde Espregueira Mendes. Mais importante do que as características, é o respeito pelas costas e uma boa experiência de sono. E tudo o resto também, desde a atividade física a saber escutar e explicar o que o corpo sente. Convém não esquecer.