Crowdfundings. Das causas sociais até onde a imaginação alcança

Há quem lance campanhas relacionadas com causas solidárias (na verdade, são a maior parte). Mas também quem o faça para promover convívios musicais. Para lançar apps. Para mudar de casa. Ou até para comprar um computador. Os financiamentos colaborativos cobrem hoje um leque vastíssimo de causas. E há exemplos famosos a que vale sempre a pena voltar.

Era 20 de maio de 2022, é logo pela data que Goreti começa, as memórias daquele dia andam desde então a moê-la em loop. Ela estava a trabalhar, o filho ligou-lhe a dizer que tinha havido greve na escola, perguntou-lhe se podia ir para a praia da Barra (Ílhavo) com os amigos, a mãe acedeu, até porque ele andava “com muita pressão por causa dos exames nacionais”. Como sempre fazia, foi mandando mensagens, perguntando se estava tudo bem, só que ele deixou de responder, ela foi sendo tomada por uma preocupação crescente, ao fim do dia já era um profundo desespero. Foi algures por aí que conseguiu falar com o pai de Nilton (estão separados), que percebeu que ele tinha sido hospitalizado, que ia ser transferido para o Hospital Pediátrico de Coimbra, que tinha de ser operado de urgência porque algo não estava bem. O resto foi sabendo depois. Que, depois do almoço, o filho, então com 16 anos, comentou com os colegas que estava maldisposto, que até acharam que era do crepe de ovos-moles que tinha comido, que ainda dormiu um bocado na toalha, mas acordou ainda pior, vomitou e acabaram por ir embora mais cedo. Estavam algures no autocarro quando o garoto não aguentou mais, caiu redondo para trás, foi logo levado para o hospital. Quando Goreti por fim o reencontrou, “já não era ele”, estava inconsciente, sem nenhum esboço de reação. Mais tarde, soube que o filho tinha tido um AVC hemorrágico, disseram-lhe que terá sido causado por uma má formação venosa, mesmo que em tantos anos nunca tenha sido detetada e que ele nunca tenha dado sinais de que algo não estivesse bem. “Só teve aquelas doenças normais da infância.”

Seguiram-se meses infernais, Nilton esteve 53 dias em coma, 73 entubado, foi submetido a umas quantas cirurgias, tiveram até de lhe retirar o osso lateral da cabeça porque a dada altura o cérebro “começou a inchar”. Do Hospital Pediátrico de Coimbra seguiu para o Centro de Reabilitação do Norte, mais recentemente teve alta, mas está desde então com o pai. A guarda é partilhada, mas a casa de Goreti, em Estarreja, antiga, de espaços exíguos, corredores estreitos e vários pisos, não se coaduna com as necessidades do filho. “Ele neste momento não anda, não fala, está totalmente dependente, 24 horas por dia”, lamenta a mãe, ainda convalescente. E é aqui que entra a Pedrinhas, uma cooperativa de solidariedade social sem fins lucrativos sediada na Lousã que, desde 2018, se dedica a suprir as necessidades físicas e emocionais de crianças com doenças graves, nomeadamente através da “resolução de problemas habitacionais dos imóveis particulares” onde estas residem. Chamam-lhes, às casas que ajudam a renovar, “castelos” e já lá vão uns quantos. O da Beatriz, o da Margarida, o do Afonso, o do Francisco, o do José, o da Isa, o da Lara, o da Maria Inês.

E agora o do Nilton, que rapidamente se tornou prioritário, porque, “neste momento, ele não tem de todo possibilidades de estar em casa da mãe”, sublinha Yael Elias da Costa, da Pedrinhas. “A solução é o anexo ser demolido e fazer-se lá um quarto com casa de banho, com acesso térreo ao resto da casa para ele se poder movimentar.” Só que trata-se de uma construção dispendiosa, a cooperativa até já foi reunindo verbas através de outros meios, mas o montante continuava a ser claramente insuficiente. E então decidiram avançar para um crowdfunding, que, idealmente, redundará na obtenção do valor que falta para prosseguir as obras e permitirá a Goreti estar, de novo, junto do filho. Lançada a 8 de março, na plataforma PPL, a iniciativa propõe-se recolher perto de 25 mil euros. À data em que estas linhas estão a ser escritas, a poucos dias de terminar o prazo para quem queira ajudar (o tempo esgota-se nesta segunda-feira, 24 de abril), havia sido amealhado 70% do montante total, mas Yael continuava confiante no sucesso da iniciativa. “Até porque, tratando-se de uma causa social, há a opção da ajuda incondicional e a maior parte das pessoas, felizmente, tem feito isso.”

Goreti precisa de reconstruir o anexo da casa em que vive para que o filho, que sofreu um AVC hemorrágico aos 16 anos, possa voltar a viver com ela
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

A ressalva impõe um esclarecimento, para os menos familiarizados com o tema. Por princípio, os crowdfundings de donativos baseiam-se no sistema de “tudo ou nada”. Ou seja: define-se uma meta, em termos de valor monetário necessário, se ela é atingida tudo muito bem, se não é, tudo muito mal, que é como quem diz, todos os contributos são devolvidos à procedência. A dada altura, a PPL passou então a permitir esta variante da “ajuda incondicional” nas causas sociais. Uma boa notícia para Nilton e para a mãe. Goreti, ainda pouco à-vontade com a exposição, admite que sempre gostou de estar no canto dela, sossegada, já o filho “é igual”, se não fosse por absoluta necessidade nem sequer entrava nisto. Mesmo assim, nunca pensou que as pessoas se fossem mobilizar como têm feito. “Quando me propuseram a ajuda da Pedrinhas, nunca pensei que isto fosse ter esta dimensão. Estou muito agradecida a todos.”

Do forró à comida de bebé

A categoria “social”, onde entram todas as campanhas de solidariedade com contornos semelhantes à que se tem gerado em torno do castelo de Nilton, é precisamente aquela que mais sucesso tem feito na PPL, a grande plataforma portuguesa de crowdfunding no modelo de donativos e recompensas. Desde 2011, esta área arrecadou com sucesso perto de 1,4 milhões de euros, num total de 6,8 milhões (note-se que a plataforma recebe uma comissão de 7,5% por cada campanha bem-sucedida). Segue-se a “cidadania/política”, com cerca de um milhão de euros, os livros e revistas (perto de 750 mil euros) e a música, com um valor semelhante ao da categoria anterior. Mas, atualmente, a diversidade de “causas” que motivam estes financiamentos colaborativos é tal que, nas estatísticas da plataforma, estão discriminadas, além destas, mais 15 categorias, da zoófila à alimentação e bebidas, das artes plásticas à agroindústria. E ainda há uma que dá pelo nome de “outros”.

Por vezes, o objetivo nem é propriamente chegar à comunidade no geral, mas antes mobilizar a ajuda de um determinado grupo de pessoas que, à partida, já se sabe estar disponível para apoiar. Foi essa a ideia de Anna Carolina e mais cinco amigos, todos brasileiros residentes em Portugal, quando, a 27 de fevereiro, lançaram um crowdfunding no valor de 660 euros, para poderem organizar convívios de forró na praia. No início do verão passado, o forró, género musical típico do Nordeste brasileiro, juntou-os aleatoriamente. Mas o que veio depois foi tudo menos aleatório. “A maioria dos eventos que existiam estava nas mãos dos produtores. E então quisemos criar algo que permitisse a todos ter acesso ao forró de uma forma democrática e autêntica.” Nascia assim o Quinta Clandestina, um “movimento de difusão cultural”, nas palavras dos mentores que lhe deram vida. Na prática, todas as quintas-feiras, organizam eventos de forró, para quem se quer juntar. O local que acolhe os convívios é variável, mas os últimos têm juntado à volta de uma centena de pessoas.

Seis amigos brasileiros, residentes em Portugal, lançaram um crowdfunding com o objetivo de comprar uma coluna e uma mochila específica para promover eventos de forró na praia
(Foto: Maria João Gala/Global Imagens)

Já o crowdfunding surgiu quando começaram a pensar em organizar eventos na praia, ao ar livre, com entrada gratuita. “A nossa ideia foi sempre que o movimento fosse crescendo de forma consistente e democrática e para isso era importante termos a nossa coluna, para nos dar um pouco mais de independência.” Bem como uma mochila específica e apropriada que a permitisse transportar. Resolveram, por isso, lançar o desafio à “comunidade” que se junta todas as quintas-feiras, em nome do forró. “A ideia foi que toda a gente pudesse participar. Assim cada um doou o que quis, o que pôde, quando pôde.” E resultou em cheio. “As pessoas compraram logo a ideia e acabámos por atingir o valor bem antes. O feedback foi sempre muito positivo.” A seis dias do término da campanha, tinham conseguido mais 55 euros do que inicialmente pediam.

Mas escusado será dizer que não corre sempre bem. As estatísticas da PPL mostram isso mesmo. Desde que a plataforma arrancou, a taxa de sucesso é de 43%, tendo, até hoje, sido financiadas 1610 campanhas. O que significa que mais de duas mil ficaram pelo caminho (porque, lá está, descontando o caso das “ajudas incondicionais”, quando o montante não é atingido, os donativos dados até aí fazem marcha-atrás).

Curiosamente, nos últimos anos, os montantes “têm estabilizado”, rondando o meio milhão de euros angariado por ano, refere Yoann Nesme, mexicano que se mudou para Lisboa e que, em 2011, juntamente com outros colegas que com ele frequentavam o The Lisbon MBA International, foi um dos fundadores da PPL. “Na altura, não existia nenhuma plataforma em Portugal e, como já conhecíamos a KickStarter [plataforma americana lançada em 2009], decidimos tentar replicar esse modelo cá.” Desde então, há tendências que se prolongam no tempo – como aquela que já referimos, de ano após ano as iniciativas solidárias dominarem os donativos -, outras mais efémeras ou associadas a um dado período. Na altura da covid, por exemplo, abundaram as campanhas para angariar fundos que permitissem adquirir equipamento útil na luta contra a doença.

“Ao longo dos últimos anos, têm entrado muitos projetos de livros, parece que cada vez mais as pessoas têm o bichinho de escrever e veem no crowdfunding um meio de as ajudar a publicar os seus livros. Inicialmente, tínhamos muitas campanhas na área da música, em que as bandas recorriam aos fãs no sentido de angariar fundos para gravar CD, mas, nos últimos anos, provavelmente por o CD estar a desaparecer, são cada vez menos as bandas que o fazem.” De resto, em relação às tendências noutros países, nomeadamente nos EUA, Yoann nota uma diferença incontornável. “O que notamos desde sempre é que em sites como o KickStarter se encontram muitos produtos tangíveis a serem financiados, há muita pré-venda e nesse caso torna-se mais fácil pensar nas recompensas [às campanhas de crowdfunding estão frequentemente associadas recompensas, mesmo que apenas simbólicas].” Em Portugal, o cenário é distinto. “Aqui, há poucos produtos. As campanhas que há na área do empreendedorismo são mais ao nível do software e isso torna um pouco mais difícil ter recompensas tangíveis.”

Foi exatamente para lançar um software, mais concretamente uma app, que Carolina Almeida, 39 anos, fundadora do “Comida de Bebé”, um dos maiores sites de alimentação infantil em Portugal, optou por recorrer a um crowdfunding. Licenciou-se em Gestão de Empresas, fez mestrado em Finanças, trabalhou uma série de anos com mercados financeiros fora de Portugal. E isso aparentemente tem pouco que ver com o projeto que hoje tem em mãos. Mas algures neste processo chegou a ser diretora de marketing digital e isso deu-lhe um “know-how” relevante para que este projeto fosse bem-sucedido. Além de que o interesse pela alimentação já lá morava fazia tempo, andou uma série de anos a ponderar mudar de carreira. Até que a covid-19 lhe deu o empurrão que faltava. Deixou o trabalho que tinha e lançou-se ao “Comida de Bebé” com unhas e dentes. Começou por um blogue (que entretanto evoluiu para site), não tardou a chegar ao Instagram, “na altura ainda havia muito poucas páginas ligadas a este tema”.

Carolina Almeida é responsável por um site de alimentação infantil e lançou recentemente uma campanha que pretendia recolher fundos para lançar uma app de comida para bebé. O objetivo foi conseguido
(Foto: Rita Chantre/Global Imagens)

Pelo caminho, criou também um curso prático de introdução alimentar. “Para ajudar as mães e os pais no dia a dia, com ementas já feitas, receitas em vídeo, vídeos do Duarte [um dos dois filhos] a comer. E o curso foi um sucesso enorme.” De tal forma que quem o fazia começava a pedir “uma certa continuidade”, sobretudo ao nível das ementas. Para isso, havia sempre a hipótese do site, mas “a ideia da app foi que, estando na cozinha, ou tendo um bebé a dormir ao colo, a maior parte das pessoas vai preferir ver os conteúdos através do telefone”. Uma app que simultaneamente permitisse aceder a receitas, organizar ementas, fazer a respetiva lista de compras. A princípio, até por também estar a escrever um livro, Carolina ficou algo relutante, foi adiando. Mas depois surgiu a ideia de lançar um crowdfunding que permitisse acelerar o processo. E que também tivesse vantagens para quem contribui. “No fundo, as pessoas estão a adiantar o dinheiro, é uma espécie de pré-venda, porque há uma possibilidade de subscrição antecipada da app, com um desconto de 25%.” Resultado: Carolina lançou uma campanha no valor de 10 mil euros e este terminou, faz poucos dias, com 133% do valor pretendido – mais de 13 mil euros.

Campanhas para recordar

E de crowdfundings que deram que falar, recorda-se? Recuemos uns quatro anos e meio, até à badalada greve cirúrgica dos enfermeiros. Numa iniciativa até então inédita, foi lançada uma campanha que pretendia “criar um fundo solidário de apoio aos enfermeiros dos blocos operatórios” que aderissem a uma greve cirúrgica, “uma vez que estes não asseguram cuidados mínimos e têm perda total do seu vencimento”, explicava-se então. Num primeiro momento, em novembro de 2018, definiu-se como objetivo a angariação de 300 mil euros e acabou por se conseguir 360 mil. Num segundo momento, já em janeiro de 2019, elevou-se a fasquia para os 400 mil e o montante estipulado voltou a ser superado: mais de 420 mil euros foram recolhidos. Ao todo, no total das duas campanhas, somaram-se quase 25 mil apoiantes (embora uma parte deles tenham sido provavelmente “repetidos” de uma para a outra). “Pelo que fomos percebendo, a maior parte das pessoas que contribuíram foram mesmo os enfermeiros e os respetivos familiares”, recorda Catarina Barbosa, enfermeira no Centro Materno Infantil do Norte, no Porto, e uma das dinamizadoras do movimento “Greve Cirúrgica”.

A ideia de optar por um financiamento colaborativo surgiu num contexto de tentar agilizar todo o processo, garante. “Precisávamos de apoiar os colegas solidariamente, porque uma greve tão longa sem apoio monetário, quase um mês e meio sem receberem, não podia ser. E na altura pensámos em várias hipóteses, sendo que o crowdfunding tinha uma grande vantagem: se não chegássemos ao montante pretendido, a plataforma tratava de devolver o montante. E como nós não sabíamos se íamos conseguir, isso foi decisivo. Porque andarmos nós a devolver o dinheiro um a um seria uma tarefa utópica.” No fim de contas, essa questão não se colocou, a campanha foi um sucesso em toda a linha, mas não se livraram de uma bela dose de problemas. Foram acusados de estarem a ser financiados por hospitais privados, a ASAE abriu uma investigação, Catarina e outro colega chegaram a ser inquiridos pela Polícia Judiciária, por suspeitas de branqueamento de capitais. “Teve tudo que ver com o facto de termos mexido com os poderes instalados. Até porque, no final, nada se provou.” A própria ASAE concluiu não ter havido qualquer tipo de ilícito na campanha. Isto apesar de, meses antes, o primeiro-ministro, António Costa, ter classificado a greve de “selvagem e ilegal”, lançando dúvidas sobre os contornos do financiamento do protesto. Na altura, o PS chegou mesmo a anunciar que ponderava apresentar um projeto de lei para proibir donativos anónimos neste tipo de iniciativas.

Em 2020, António Rolo Duarte deu que falar por ter lançado um crowdfunding para poder fazer o doutoramento em Cambridge
(Foto: DR)

Curioso é constatar que, em 2013, António Costa, na altura ainda presidente da Câmara de Lisboa, foi uma espécie de precursor do crowdfunding político em Portugal. Aconteceu durante a última corrida à liderança da autarquia lisboeta, que viria a vencer com maioria absoluta. Na altura, lançou uma campanha denominada “Juntos Fazemos Lisboa” que se propunha angariar perto de 3500 euros para produzir um vídeo de campanha a “apelar à participação política dos jovens nas eleições autárquicas”. Com sucesso, diga-se. A diferença é que, ao abrigo da lei do financiamento partidário, os donativos anónimos não eram permitidos (contrariamente ao que aconteceu com a greve dos enfermeiros, que não se enquadra neste tipo de legislação).

Outro crowdfunding que ficou “famoso” foi o de António Rolo Duarte, que chegou a ser comentador político e está atualmente a fazer o doutoramento em História, na Universidade de Cambridge. A campanha lançada, na plataforma “Go Get Funding”, tinha precisamente a ver com isso. “Preciso de angariar 25 mil euros para viabilizar o meu doutoramento na Universidade de Cambridge. [……] Se toda a malta do meu bairro contribuísse com um euro, o problema ficava resolvido. Mas nem toda a gente pode contribuir nesta altura. Por isso, preciso da generosidade de malta de fora do bairro. Um euro é o preço de um café. Caro cidadão, paga-me um café?”, podia ler-se no descritivo da campanha. “Precisava de ajuda para para os meus estudos. Pensei numa ideia fora da caixa para resolver um problema sem solução óbvia”, resume, três anos depois. “E eu não lancei simplesmente um crowdfunding. Criei todo um conceito [o dos cafés], que depois se estendeu à minha própria campanha de publicidade. Além disso, não tinha por trás causas políticas ou sociais de espécie alguma. Foi simplesmente o crowdfunding de um rapaz – urbano, educado, de classe média – a dizer: gostava de continuar a estudar nesta universidade, que é muito cara mas também muito boa, e tenho esta ideia, este projeto. Vejam o que acham. Se acharem piada, deem-me uma ajuda. Se não gostarem, não deem.”

Mas a reação não foi tão consensual. Desde logo porque referia que as bolsas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) estavam atrasadas quando era sabido que os resultados só seriam conhecidos em setembro. Mas António tem outra versão da história. “A FCT dizia aos candidatos que ligavam para lá que estava com grandes atrasos e que não ia cumprir os prazos, devido à covid e porque em agosto iam todos de férias. Eu mencionei isso na minha campanha, para explicar às pessoas que tinha explorado outras opções de financiamento para o doutoramento, mas que estas não ofereciam as garantias necessárias. Depois, quando a minha campanha começou a correr bem e veio na primeira página dos jornais, a FCT decidiu vir a público dizer que afinal nada estava atrasado.” Olhando agora para trás, para os polos opostos das reações que lhe chegaram, António acha mesmo que houve uma “divisão ideológica”. “Os liberais gostaram. As esquerdas dirigistas odiaram. É normal. Eu tive o desplante de tentar resolver um problema sozinho. Não esperei pelo Estado. E pelo caminho ainda critiquei o Estado. Em Portugal, é pecado”, atira, corrosivo. Na verdade, confirmou à “Notícias Magazine”, nunca chegou a ter direito à bolsa. Já em relação à campanha, acabaria mesmo por conseguir os 25 mil euros pretendidos.

Em 2019, Catarina Barbosa foi uma das responsáveis pelo movimento “Greve Cirúrgica” (dos enfermeiros) e pela realização de dois crowdfundings que, ao todo, amealharam perto de 800 mil euros
(Foto: Gonçalo Villaverde/Global Imagens)

Uma navegação rápida pelos crowdfundings recentes conduz-nos a outras campanhas menos usuais. Como a de uma jovem que diz querer singrar no mundo da música, mas que garante ter ficado sem computador antes de conseguir lançar um EP e que, portanto, pede dois mil euros para comprar um novo (a 36 dias do final da campanha, tinha conseguido 18% do montante em causa). Ou a de Catarina Urbani, influencer que chegou a entrar na famosa série “Morangos com açúcar”, e que, no final do ano passado, lançou uma campanha a pedir 6500 euros para renovar uma casa antiga. A campanha chegou a inspirar críticas pelo motivo em causa, mas Catarina conseguiu mesmo atingir o montante desejado. A propósito, Yoann Nesme, da PPL, esclarece que a plataforma não coloca qualquer tipo de travão, por mais inusitada que a motivação possa parecer. “Não bloqueamos nenhuma campanha com base na intervenção. O que fazemos é verificar sempre a identidade do promotor, através do envio dos documentos pessoais, para evitar situações de fraudes ou campanhas falsas.” E assim as razões que servem de inspiração a estes financiamentos colaborativos chegam hoje até onde a imaginação alcança.