Azeite. Escasso, caro, mas bom

Cada vez mais caro para os consumidores (quase nos dez euros o litro), cada vez mais justo para os agricultores (pelo aumento dos custos de laboração, pela falta de mão de obra). As circunstâncias moldam a realidade. Menos produto, mais procura, mais euros. É a lei da oferta e da procura, é o mercado a funcionar (e ele manda). O stock está a minguar e o clima é imprevisível. Seja como for, o ouro líquido português mantém a cabeça erguida.

A semana vai a meio, há três dias que andam na apanha da azeitona, sem contar com domingo, em que ainda deram uma perninha antes de almoço. É quarta-feira de manhã, o tempo está instável, chove, o sol espreita, chuva e sol em simultâneo, as nuvens não desaparecem. Orlando Cabral tem 50 oliveiras novas e outras tantas velhas neste pedaço de terra, mais 240 num outro terreno mais perto do Douro, em Carrazeda de Ansiães, Trás-os-Montes. Como de costume, o filho António veio de França, a filha Isaura veio da Alemanha com o marido Tomás Cherubin, o filho que dá aulas no Algarve virá mais à noite, a tempo da jornada final. Ilda Areias, a mulher, não pára, o corpo de 81 anos raramente se endireita, quase sempre vergada, a ajeitar os toldes debaixo das árvores, a encher baldes de azeitonas verdes e pretas. Dali a cinco dias terão azeite.

O trabalho começou às sete e meia da manhã, a azeitona está mais inchada e gordinha por causa da chuva. Orlando Cabral, 85 anos, de muletas (até facilitam o andar, confessa) por causa de um tombo que deu numa ribanceira quando andava nas regas de setembro, boné na cabeça, vai abrindo sacos atrás de sacos para a azeitona. Quando estão cheios, amarra-os no topo com um fio azul. Sacos próprios, avisa, não podem ser dos que guardam adubo, isso nem pensar, têm de estar limpinhos, comprados todos os anos. Dali seguirão para o lagar. A chuva varia de intensidade, mais forte, mais leve. “O tempo deixa, às vezes não deixa”, comenta. Hoje vai deixando a família, mais dois ajudantes, Carlos e José, cada vez menos pessoal na safra. “Não aparece gente para este trabalho e os que aparecem ficam caros”, diz Orlando Cabral. Cinquenta euros a cada homem por dia, mais almoço, mais 20% da produção para o lagar.

Orlando Cabral tem olivais em Carrazeda de Ansiães. A família ajuda na apanha da azeitona

“Se formos a fazer as contas, não dá para a despesa da apanha, para quem compra parece caro.” Orlando Cabral tinha 15 anos e o azeite não era barato. “Um almude de azeite, 25 litros, custava 300 escudos, no tempo em que se ganhava 10 escudos por dia. Um homem tinha de andar 30 dias a ganhar para um almude de azeite. Em comparação, nessa altura era mais caro”, constata.

O filho António Cabral orienta os trabalhos. Este ano, as oliveiras novas parecem-lhe melhores, mais cheias, sobretudo as que estão mais perto do Douro. O clima não tem ajudado. “O calor foi bravo”, lembra. E o granizo que caiu em maio deitou muita flor de oliveira ao chão. Na conversa do muito ou pouco caro, António não tem dúvida. “É o preço justo para quem o vende”, afirma. Por tudo o que envolve. Percebe o aumento, Espanha e Itália, devido à seca e aos incêndios, não têm tanto azeite, o bem escasseia, há procura, o preço sobe. “Isto não anda enquanto andarem ocupados com outras coisas, em vez de ajudarem a que a gente se mantenha cá, não fazem nada”, desabafa.

O preço do azeite aumentou mais de 60% no último ano. Em janeiro de 2022, o azeite virgem estava a 4,04 euros o litro, um ano depois a 5,17, há dois meses, em outubro, a 6,75 euros, segundo dados do Observatório de Preços. O azeite virgem extra está ainda mais caro, a 7,87 euros o litro em outubro passado, em janeiro de 2022 marcava 4,33 euros. É dos bens alimentares que mais aumentam e o alerta vem de vários lados pelo impacto no orçamento familiar.

O atual preço do azeite é um fator de pressão sobre os olivicultores e sobre a indústria como um todo, adianta Pedro Lopes, presidente da OLIVUM – Associação de Lagares e Olivicultores de Portugal. Mas esse valor, esclarece, não é estabelecido pelos produtores, depende da lei da oferta e da procura. “O facto do maior produtor mundial, Espanha, ter tido quebras de produção devido à seca que o país atravessa, que já vai em mais de dois anos consecutivos, associado ao facto de o ano passado termos tido um ano de contrassafra na bacia do Mediterrâneo, exceto na Grécia, faz com que não haja azeite no mercado.” Há mais explicações. Pedro Lopes conhece-as bem. O stock de azeite da campanha recorde de 2021 acabou e, devido à escassez, há maior procura de outras gorduras vegetais, como o óleo de girassol. “Mas mais importante para a subida do preço do azeite foi a grande subida dos valores dos fatores de produção, como por exemplo o preço do gasóleo agrícola.” É só fazer contas. “O azeite que foi consumido no ano passado ainda foi produzido com valores de fatores de produção anteriores à guerra no leste da Europa, neste momento, os preços estão completamente inflacionados, tornando a produção muito mais cara”, realça Pedro Lopes.

A energia e o combustível. O trabalho compensa?

“Esta chuva miudinha parece que não molha e está tudo molhado”, diz Isaura Cabral, que aproveita para voltar a Carrazeda de Ansiães, ver a família, ajudar os pais no que sabe que lhes dá gosto. Os campos são para tratar, não para abandonar. “As pessoas não pensam no trabalho que isto dá.” Mas também não compreende o aumento para quase dez euros o litro. “É muito para os ordenados.” Tanto cá, como lá, na Alemanha. Se há poucos meses ainda comprava cinco litros de azeite por 40 euros, num mercado português onde vive na Alemanha, agora precisa de 63 euros. Ela sabe que dá trabalho. “Se tirarmos 500 litros de azeite, não compensa para estas coisas todas.”

A azeitona é apanhada em menos de uma semana neste pedaço de terra. As despesas com a safra são pesadas

O trabalho continua manhã fora. Varejam-se oliveiras manualmente e com uma máquina que as faz tremer, as azeitonas caem para os toldes estrategicamente colocados debaixo das árvores e que se mudam de sítio à medida que se avança. De oliveira em oliveira. É a quinta vez que Tomás Cherubin vem da Alemanha para a apanha da azeitona, visita os sogros, os cunhados, gosta de Trás-os-Montes. Está por dentro do processo, sabe as etapas do início ao fim. “É um produto com muito valor. O azeite é muito bom, ecológico.” A hora de almoço aproxima-se, juntam-se todos em casa da família, o tempo continua instável, à tarde volta-se à safra da azeitona.

Francisco Pavão, presidente da direção da APPITAD – Associação de Produtores em Proteção Integrada de Trás-os-Montes e Alto Douro, vice-presidente da CAP – Confederação dos Agricultores de Portugal, olivicultor e produtor de azeite, consultor na área de produção, estima uma quebra de 40% na produção de azeite em Trás-os-Montes, ligeiramente abaixo dos 50% de 2022. Era previsível devido à seca do ano passado e as expectativas foram por água abaixo já em 2023. “A esperança morreu na altura da floração, o calor intenso provocou o abortamento do vingamento da azeitona”, recorda. O que devia ter acontecido na Natureza não aconteceu como era habitual. Quanto à situação fitossanitária, não houve problemas de traças ou doenças.

“A falta de mão de obra preocupa todas as culturas agrícolas em Portugal”, considera Francisco Pavão, que defende empregabilidade estável e criação de sinergias para as necessidades. A lei da oferta e da procura prevalece e o preço sobe. “O mercado agita para cima”, refere o presidente da APPITAD. “Não podemos manter estes preços durante muito mais tempo”, atira, prevendo uma descida no próximo ano, antes de abril ou maio.

Francisco Pavão, produtor, vice-presidente da CAP, antevê uma descida do preço do azeite no próximo ano
(Foto: Rui Manuel Ferreira/Global Imagens)

Mariana Matos, secretária-geral da Casa do Azeite, que representa a quase totalidade das associações de azeite de marca embalado em Portugal, não antevê uma descida no preço do azeite. “Infelizmente, Portugal não tem qualquer capacidade para impactar o preço do azeite a nível internacional. Como somos uma economia aberta, estamos obviamente alinhados com os preços que se praticam no mercado internacional”, adiantou em declarações à Lusa.

Cada português consome, em média, quase sete litros de azeite por ano. A fileira, no setor agrícola, representa um valor de produção de 860 milhões de euros, 8% da produção agrícola nacional, ocupando uma superfície de cerca de 377 mil hectares, 4,3% do território de Portugal Continental, principalmente no Alentejo e em Trás-os-Montes. O país exporta cerca de 180 mil toneladas de azeite por ano, 65% é vendido a granel, o restante é engarrafado e rotulado com marcas estrangeiras, sobretudo de Espanha e Itália.

Este ano, segundo previsões do Instituto Nacional de Estatística (INE), há mais produção de azeitona, mais 20%. Em 2022, foi de 2079 quilos por hectare, em 2023, será de 2495. Mesmo com o calor durante a floração e crescimento do fruto, que comprometeu alguma produção, espera-se uma produtividade superior à do ano passado nos olivais tradicionais. Nos intensivos, prevê-se uma estabilização da produtividade. Uma coisa é a azeitona, que está mais inchada por causa da chuva, outra coisa é a produção de azeite. Este ano, o rendimento do azeite é inferior, ou seja, um quilo de azeitona não produz tanto líquido.

Pedro Lopes não espera uma campanha 2023/2024 extraordinária, mas será boa, assinala, melhor do que a anterior, como era expectável. As suas estimativas apontam para uma produção nacional de azeite na ordem das 150 mil a 160 mil toneladas, mais do que as 126 mil toneladas da campanha anterior. “Algumas fortes e sucessivas geadas que se fizeram sentir no final do inverno, início da primavera, condicionaram o potencial produtivo, impedindo que o ano seja melhor.”

Pedro Lopes, presidente da OLIVUM, Associação de Lagares e Olivicultores de Portugal, espera uma produção de azeite na ordem das 150 mil toneladas
(Foto: DR)

Na campanha olivícola de 2021/2022, a Cooperativa Agrícola de Moura e Barrancos atingiu o recorde de sempre, desde que nasceu em 1954, ao ter recebido 62 mil toneladas de azeitona e produzido 10 500 toneladas de azeite. São 20 mil hectares de olivais espalhados pelos dois concelhos alentejanos, grande parte de olival tradicional de sequeiro, e cerca de 1300 sócios olivicultores. Na campanha anterior, caiu para menos de metade, 27 mil toneladas de azeitona, a atual deverá ser ligeiramente superior.

Hélder Transmontano, diretor-geral da cooperativa, fala de dois anos de contrassafra, quando o habitual era intercalar entre ano de safra, de muita produção, e contrassafra, de menos produção. E as contas ressentem-se. “Nas campanhas anteriores, ainda havia azeite em stock para o ano seguinte. Em outubro, não havia azeite praticamente nenhum do ano anterior”, destaca. É uma bola de neve. Para o ano, não haverá stock deste ano. “Não se repõe a quantidade de azeite que normalmente existia no mercado”, refere.

E Espanha, aqui ao lado, o maior produtor mundial de azeite, teve quebras na produção devido à seca, à falta de água. “Tudo isso desequilibra as contas, influencia a subida de preço.” Há a outra face da moeda perante a escassez do produto. “Se o preço estivesse muito baixo, ia tudo. Assim estende-se no tempo a quantidade de azeite disponível, tentando controlar um bocado a procura, para não chegar a meio do ano e não haver azeite”, adianta Hélder Transmontano, que percebe quando os agricultores falam num preço justo. “Os fatores de produção aumentaram muito de preço, as energias, os combustíveis.”

Inovação e tecnologia. Novos recordes à vista?

Orlando Cabral ainda se lembra de plantar as oliveiras alinhadas rentes a um muro de pedra já lá vão 70 anos. Ilda Areias apanha as azeitonas, despeja baldes. Sacos cheios, sacos apertados. “O azeite dá muito trabalho, para quem o compra parece caro, para quem o faz não é caro”, diz Ilda. Orlando faz mais contas, houve tempos em que eram necessários 13, 14 quilos de azeitona para um litro de azeite, houve outras alturas em que bastavam seis quilos, depende de muita coisa, do clima, da terra, da qualidade, do trabalho. “Este ano, são precisos para aí dez quilos.”

O casal Orlando e Ilda enchem baldes e sacos

Orlando Cabral olha ao redor, para outros olivais, e não vê movimento. “Muitos não apanham, deixam estar porque não daria para a despesa.” Ilda Areias vai tirando pequenos ramos de oliveira que ficam em cima dos toldes depois do varejo. Quando ouve dizer que o azeite é o ouro português reage. “O nome não está mal, não está mal, para o preço está certo.”

Não muito longe do olival, no lagar do Seixo de Ansiães, começa a produção de azeite. Descarregam-se azeitonas para um tapete rolante, pequenos galhos, folhas e ramos são sugados, as azeitonas passam por água para lavagem, voltam ao tapete rolante, são pesadas, os quilos aparecem no ecrã de um computador, entram num moinho, tudo triturado, entram numa máquina a 55 graus, que mexe e bate aquela pasta, e quanto mais se bate mais líquido. O azeite anda por tubos, escorrega por uma máquina, aparece num recipiente de metal. Está quente, está pronto para ir para a cuba para repouso. O produto final é engarrafado para ir para o retalho, restaurantes, lojas. Meia hora, mais coisa menos coisa, do início ao fim.

O tempo seco antecipou o processo. No lagar do Seixo de Ansiães, as marcações para a produção de azeite chegaram mais cedo

Neste lagar, no ano passado, produziram-se cerca de 40 mil litros. Pedro Almeida está a tomar pulso ao negócio, prevê um ano menos produtivo com várias interrogações. “Este ano, tempo mais frio, com as chuvadas caiu muita flor, a azeitona vem com muita água, não sei como vai ser”, frisa. Aconteceu tudo mais cedo, a agenda está a ficar preenchida com marcações dos agricultores, antes do Natal estará tudo feito. “Temperaturas mais quentes, as apanhas são feitas mais cedo. Com menos humidade é mais rentável. Hoje, o mercado é que manda”, sublinha Pedro Almeida.

O mercado manda e o azeite não escapa à lógica do que acontece noutras culturas agrícolas. A equação é simples. Menos produção, preços mais altos. Outra questão é, perante as circunstâncias, a retração do consumo de azeite, sobretudo no garrafão. O que não é bom. “Temos de encontrar o meio-termo, o equilíbrio. Não é efetivamente o preço justo, o negócio é bom se ganharem ambas as partes. É preciso fazer um esforço para reconquistar o mercado, novos consumidores e os que se foram perdendo”, avisa Francisco Pavão.

Ouro líquido português é uma designação que faz sentido, pela contribuição para a economia nacional, pela identidade cultural, pela tradição alimentar. E agora também pelo preço, azeite a preço de ouro.

Pedro Lopes, presidente da OLIVUM, olha para o futuro com otimismo e consciente dos desafios que o setor tem pela frente. “No futuro, vamos conseguir ultrapassar o recorde alcançado na safra de 2021 de 209 mil toneladas, em que passámos a ser o sexto maior produtor mundial, devido ao aumento da área de olival moderno em sebe e porque temos muitos olivais novos que só agora estão a entrar em produção.” Modernizar determinadas regiões do país permitirá mais produção de azeite. “A par deste crescimento produtivo, temos uma grande modernização tecnológica não só nos olivais, com aumentos de produtividade, mas principalmente com um aumento da capacidade de extração de azeite e de qualidade”, garante Pedro Lopes. Em seu entender, todo este trabalho tem de continuar a ser feito assente em três pilares: modernidade, inovação e tecnologia.

É uma relíquia portuguesa, com certeza. Com lugar de destaque na cozinha portuguesa, sem dúvida. Hélder Transmontano, da Cooperativa de Moura e Barrancos, resume tudo numa frase: “É um produto que tem efetivamente valor e que dá muito trabalho a criar.” Ponto final.