Ajudar o próximo
Rubrica "A vida como ela é", de Margarida Rebelo Pinto.
Em 1901 nascia Margaret Mead nos EUA. Filha de um professor universitário e de uma ativista social, é apenas natural que tenha conjugado a paixão pela investigação com o interesse pelas questões de género. O seu livro “Sexo e temperamento em três sociedades primitivas”, no qual apresentou conclusões surpreendentes que desafiaram as convenções da sociedade ocidental sobre características masculinas e femininas, tornou-se um dos baluartes do feminismo. Analisando o comportamento de três tribos da Nova Guiné, a antropóloga concluiu que na tribo Arapesh, tanto os homens como as mulheres tinham um temperamento pacífico, enquanto na tribo Mundugumor, eram ambos de temperamento bélico. E na tribo Tchambuli, os homens eram vaidosos e gastavam tempo em rituais de beleza, enquanto as mulheres trabalhavam e eram dotadas de espírito prático. Tais conclusões abalaram o pensamento ocidental assente no patriarcado e na clara e profunda divisão entre os traços masculinos e femininos. O maravilhoso, apaixonante e perigoso romantismo, que já trazia dois séculos de existência, contribuiu para acentuar as diferenças entre os sexos. É inegável a herança em obras de arte extraordinárias, bem como a noção de indivíduo e consequente consciência da sua importância. Como todos os movimentos que constroem um novo ideal e com seguidores prontos a dar a vida por ele, foi o berço de valores como a liberdade, a igualdade e a fraternidade. O que fez a humanidade desse legado? Nos EUA, outrora terra dos sonhos e da prosperidade onde pareciam existir oportunidades iguais para o indivíduo, os sem-abrigo são um flagelo crescente e as injustiças sociais que atingem as comunidades de negros são mundialmente divulgadas. Nas escolas, as crianças fazem vários treinos por ano para se protegerem de eventuais ataques com armas de fogo. É interessante usar o adjetivo eventual neste caso, porque em português significa algo incerto, que talvez venha a acontecer, enquanto em inglês quer dizer que acontecerá pela certa, é apenas uma questão de tempo. O sonho americano foi-se transfigurando num pesadelo em direto e a cores.
Sei que estou a misturar questões sociais, antropológica e culturais. Faço-o propositadamente, porque não podemos continuar a olhar para os diferentes flagelos da sociedade em que vivemos como se não estivessem interligados. Voltando a Margaret Mead, que, além da brilhante carreira académica como investigadora, se dedicou a dar palestras e a publicar artigos em revistas não científicas, quando lhe perguntaram qual o objeto ou facto fundamental para definir o início da civilização numa cultura, respondeu que era fémur. Não mencionou a descoberta do fogo, a invenção da cana de pesca ou das pedras de moagem, mas o fémur humano, que, quando se parte, tem tempo e condições para se regenerar. Num habitat selvagem, uma perna partida é sinónimo de morte. Impedido de correr, nenhum animal sobrevive tempo suficiente até a ferida curar. Ajudar o outro quando está fraco ou doente, protegendo-o da fome, do frio e de predadores e cuidar dele até alcançar a recuperação, é quando a civilização começa. Damos o nosso melhor quando ajudamos o próximo. Como podemos fazê-lo, numa realidade em que vivemos cada vez mais desligados uns dos outros, será um dos maiores desafios que enfrentamos, no presente o no futuro.