Voltar a trabalhar depois dos 55 anos

Teresa Matos, 57 anos, limpa as ruas da praia de Esmoriz. Pedro Lombardi, 62 anos, trabalha num bar em Matosinhos. Manuel Martins tem 67 e é consultor imobiliário. Carmo Gameiro, de 59, trata das casas de três famílias em Lisboa. Teresa Sousa, 77 anos, é uma das avós que ainda vão trabalhar com muito gosto num largo da capital. Ativos, capazes, válidos, úteis à comunidade. Voltar a trabalhar depois dos 55 com vontade e brio.

“Tenho força e genica, gosto das coisas bem feitas, gosto de trabalhar.” Teresa Matos tem 57 anos, é cantoneira da Junta de Freguesia de Esmoriz, limpa as ruas da praia, rapa valetas, apanha o que os outros deitam para o chão. Bata azul, luvas, e um caixote preto do lixo, dois sachos, uma vassoura e uma pá arrumados no seu “automóvel” de duas rodas, como chama à geringonça móvel onde transporta o material de trabalho e uma pequena mochila com o lanche da manhã. As intermitências nos empregos que teve nunca apagaram a vontade. “Eu sou útil, sinto-me útil para trabalhar. Tenho 57 anos e quero trabalhar até não poder mais, orgulho-me do meu trabalho, luto para conseguir aquilo que quero”, diz de sorriso largo e luminoso num rosto de olhos claros, pele morena, vareira com todo o orgulho. “Considero-me, sei o que valho e o que sei fazer. Tenho mais genica e responsabilidade do que uma jovem de 20 anos.”

É cantoneira com contrato assinado por um ano. O trabalho começou há hora e meia pelas ruas da praia, junto à capela, de onde, conta, há de sair o andor dos pescadores que organiza nas festas do mar, no último domingo de agosto. O caixote do lixo está quase a meio, pela frente mais cinco horas e meia a limpar.

O lusco-fusco de final de tarde começa a dar o ar da sua graça e Pedro Lombardi terminou mais um dia de trabalho, num bar em Matosinhos. A rotina de sempre nos últimos três meses. Saiu de casa, andou meia hora a pé, apanhou o autocarro, saiu na paragem, mais 500 metros até ao trabalho, o mesmo percurso de volta. Não precisa de ginásio, atira. Tem 62 anos, é engenheiro mecânico, fala inglês e alemão, simpático, adora conversar, bem-disposto. É brasileiro com raízes italianas, em 2020 mudou-se para o Porto com a esposa, linguista, professora de Inglês. Aterrou e começou a procurar trabalho depois de dois anos parado. Não foi fácil. “Há um preconceito muito grande com as pessoas idosas, o idadismo, senti esse preconceito. Não consigo enxergar o que os recrutadores enxergam e fiquei desanimado”, desabafa. Olhavam-no de alto a baixo, disseram-lhe com todas as letras que ninguém o empregaria naquela idade, continuou a mandar currículos, tentou ser taxista, só que a burocracia ainda não tratou da sua carta de condução, até que encontrou o site da 55+, um projeto social. Inscreveu-se, em outubro do ano passado estava a trabalhar no bar, ao balcão, na sala, a tirar cafés, a fazer o que é preciso. “Gosto de cozinhar e falo muito. Este trabalho permite-me estar ativo e isso é o mais importante”, salienta. “O mais importante é não estar ocioso, estar ativo, e isso permite-me sonhar. Porque não?”.

Aos 67 anos, Manuel Martins é consultor imobiliário numa agência no centro de São Mamede de Infesta, Matosinhos, depois de vários empregos, algumas paragens, e vontade de aprender mais e mais. Um ano parado e há um ano anda entre vendas, angariações, arrendamentos na Lurdes Mota – Especialistas Imobiliários, escritório amplo, várias secretárias, mesas de reuniões, uma bela e altiva orquídea numa mesa de vidro, sofá azul, palavras escritas nas paredes – dedicação, atitude, ética, resiliência. O trabalho corre-lhe bem. “Se sou uma pessoa válida, porque me vou encostar no sofá a ver televisão? Sinto-me capaz, sinto-me ativo.” Nem era preciso dizer. Lurdes Mota passa ali e elogia-lhe as capacidades. “É focado, é motivado, é um bom colega”, garante.

É um regresso ao mercado sem dificuldade, processo normal de recrutamento, experiência, currículo, entrevista, ficou. Manuel Martins sabe que não é a norma, é a exceção. “Aí é que é o meu desgosto. Portugal não valoriza as pessoas de mais idade, desperdiça conhecimento. A gente aprendeu a saber mais, tem capacidade para transmitir e ensinar. Quanto mais conhecimentos, melhor a sociedade, somos mais amigos e mais tolerantes uns com os outros”, diz. Não são os cabelos brancos que lhe tolhem o pensamento e o olhar vivaz. “Não quero envelhecer precocemente, quero envelhecer lentamente”, confessa.

Mais a sul, a mesma perspetiva. Carmo Gameiro tem 59 anos, mora em Lisboa, trata de lides domésticas, refeições, limpezas, cães e gatos, de três famílias. Adora cozinhar, aprendeu a confecionar pratos vegetarianos para uma das famílias, à quinta-feira é dia de fazer bolachas com uma menina de dois anos. Começou há pouco tempo, não quer parar, não pode parar. “Não estou bem quieta, sou muito ativa, gosto de ajudar, gosto de fazer as coisas de casa.”

Carmo Gameiro arranjou um novo trabalho aos 59 anos. Esteve 16 anos sem trabalhar, voltou ao mercado, cuidou de uma senhora idosa, agora trata das lides domésticas de três famílias em Lisboa. E não quer parar
(Foto: Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Ao mesmo tempo, tanta energia e tanta tranquilidade nas suas palavras. “A minha vida teve muitos altos e baixos, mas não fiquei azeda por isso, muito pelo contrário. A minha alegria interior ajuda-me muito. Sou muito ativa, mas consigo ser calma. Tudo se vai resolver e resolverá. O problema é a saúde, o resto é pormenor.” A vida segue em frente.

Os “especialistas”. Sabedoria e conhecimento

Pedro Lombardi e Carmo Gameiro conseguiram trabalho através da plataforma 55+. São considerados “especialistas”, chamados e tratados com tal. A 55+ é um projeto social que nasceu em outubro de 2018, pela mão da espanhola Elena Durán a viver em Portugal, para prevenir a solidão e a inatividade de quem tem mais de 55 anos, ao proporcionar uma vida ativa através de prestação de serviços, desde pequenas reparações, aulas de música e de línguas, apoio a idosos e crianças, costura, limpezas, jardinagem, passear animais de estimação.

É uma porta aberta e uma expressão que faz sentido. “São pessoas que carregam uma experiência tão grande ao longo da vida, com conhecimentos práticos, que são, de facto, especialistas”, sublinha Patrícia Boa-Alma, socióloga, responsável pela análise de impacto e gestão de parcerias da 55+ que, neste momento, está na Grande Lisboa, na Área Metropolitana do Porto e em Aveiro.

O desemprego e a reforma trazem vidas mais paradas. “Existem muitas respostas, centros de dia, universidades seniores, que são bastante reativas, não são respostas preventivas. A 55+ colmata um bocadinho esta falha e age preventivamente”, adianta Patrícia Boa-Alma. “É importante reconhecer o valor, as experiências, os conhecimentos que as pessoas vão acumulando ao longo da vida.” A bagagem de quem não quer baixar os braços. Todos os serviços são remunerados, o que significa impacto económico, social, físico e bem-estar.

Pedro Lombardi trabalha num bar em Matosinhos desde outubro do ano passado. Não se sente com 62 anos e quer continuar a sonhar. Não percebe os preconceitos em relação aos idosos que querem estar ativos e dinâmicos na sociedade
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

“Fechou-se uma porta e abriu-se um portão e a 55+ ajudou-me a abrir esse portão”, comenta Carmo Gameiro. Queria ser enfermeira, mas a vida deu outras voltas. Começou a trabalhar aos 18 anos como secretária de uma empresa de construção civil, depois numa de informática. Aos 30, deixou de trabalhar para ter filhos, regressou ao mercado aos 46 anos para cuidar de uma senhora idosa, apoio domiciliário, ficou sem trabalho, procurou, encontrou a 55+ alguns meses depois. Aos 59 anos, sente-se útil. “Claro que continuamos a ser válidos, até mesmo com mais idade do que eu. Mesmo depois da reforma, é possível ter coisas em que uma pessoa se sinta realizada naquilo que gosta e se sentir válida.”

Pedro Lombardi não sente que tem 62 anos. “Porque é que os recrutadores não pensam nos conhecimentos, nas experiências? Chegamos a uma idade em que o salário não é o mais importante e, às vezes, o recrutador tem um preconceito com isso. Fico muito triste com isso e as populações estão cada vez mais velhas.” Viveu numa cidade do interior de São Paulo, trabalhava num banco à noite, em processamento de dados, estudava de dia, licenciou-se, continuou no banco. Passou, entretanto, para um fabricante de ar condicionado, entrou na área comercial, nas vendas técnicas, trabalhou para duas empresas japonesas. Até aos 60. “Gostava de viver a terceira idade aqui.” Aqui é Portugal, gosta do país, do clima, do estilo de vida, embora considere as rendas muito altas.

A vida de Teresa Matos não foi fácil. “Passámos fome, passámos dificuldades.” Pai pescador, mãe doméstica, 11 irmãos. Aos 11 anos, estava a trabalhar num talho, só ia a casa aos fins de semana. Aos 17, entrou no parque de campismo de Esmoriz para as limpezas, casas de banho, bungalows, ruas, jardim, tudo o resto, chegou a chefiar uma equipa de seis mulheres. Entrava na época balnear, saía na altura de menos gente do parque, meio ano a trabalhar, meio ano no desemprego, mais coisa menos coisa. Vinte e tal anos. Empregou-se numa fábrica de flores, menos de um ano depois, voltou ao parque. Voltou a sair e não quis ficar parada. “Deus me livre, se estivesse em casa, ficava maluca, quero trabalhar.” Mas sente que a sociedade não dá o devido valor a quem passou os 50. “Não valorizam, não valorizam, nem a juventude de agora tem nada a ver com o meu tempo. Eu sou feliz a trabalhar com esta idade e vou trabalhar até não poder”, relembra.

A 55+ apoia quem tem mais de 55 anos. O processo é simples. “É uma plataforma humana de base digital”, explica Patrícia Boa-Alma. Há uma base de dados para quem está interessado em voltar a trabalhar com 55 ou mais anos e para quem quer encomendar os serviços disponíveis. Há um formulário para preencher, já são mais de 2200 inscrições de todo o país, mais de 200 pessoas ativas, mais de 19 mil horas prestadas, mais de cem mil euros pagos aos especialistas, 574 clientes registados. As percentagens têm aumentado. Entre 2020 e 2021, registou-se um aumento de 121% do número de especialistas a fazer serviços, 72% na remuneração, 48% nas horas de atividade.

A idade, a identidade, a atividade

Não é regressar ao mercado de trabalho. É outra coisa, muito importante também. Em setembro do ano passado, Teresa Sousa, de 77 anos, juntou-se ao projeto A Avó Veio Trabalhar. A filha mora por cima do prédio naquele largo da Penha de França, em Lisboa, ia deitando o olho ao que se fazia por ali quando ia buscar os netos, certo dia, as senhoras estavam a fazer Arraiolos, perguntou se precisavam de ajuda, responderam que sim, sim, ficou e agora volta todos os dias. “Entusiasmei-me tanto que estou aqui, as senhoras avós são extraordinárias, é um projeto muito interessante, há coisas que vou aprendendo e aperfeiçoando. Enche-me o ego, é bom aprender e pensar.”

Mora ali perto, faz o percurso a pé, chega pelas 8.30, 9 horas, sai pelas quatro da tarde para ir buscar a neta. “Sempre a trabalhar, a conversar, bebemos um café, é muito gratificante.” Conversam sobre a família, política, o que está a acontecer no país e no Mundo, o que lhes venha à cabeça. “De tudo um pouco, é um momento de partilha, sem tristezas, é só viver o momento.”

Em setembro, Teresa Sousa entrou no projeto A Avó Veio Trabalhar, em Lisboa. Conversa, ri, faz lavores manuais e tradicionais, ocupa os dias e enche a alma nesses momentos de partilha e aprendizagem
(Foto: Carlos Pimentel/Global Imagens)

Teresa Sousa aprecia os desafios que estimulam a criatividade. “É reconfortante, aquece a nossa alma.” O seu primeiro trabalho n’A Avó Veio Trabalhar foi um tapete de Arraiolos de 12 metros quadrados para uma universitária do Porto que iria apresentar a obra na sua tese de mestrado. “Bordámos um tapete com a história de vida da menina. Adorei. Foi muito emotivo quando nos contou a sua história”, recorda. De momento, as avós andam concentradas em painéis com as suas fotografias impressas em tecido que irão para um museu da Bélgica, e numas malas com abas bordadas com frases dos lenços dos namorados para uma loja em Paris.

A Avó Veio Trabalhar é um laboratório criativo de aprendizagem, de partilha de ideias e de técnicas, um espaço de conversas e descoberta de novos talentos, não importa se aos 50, aos 60, aos 70, aos 80 ou aos 90 anos – são cinco gerações que se encontram no mesmo lugar. Surgiu em outubro de 2014, em Lisboa, e tem feito muita coisa para aumentar o poder interventivo na sociedade de mulheres mais velhas. As avós são voluntárias e dedicam-se a várias atividades, lavores tradicionais, projetos artísticos, execução de peças, exposições nacionais e internacionais, serigrafias, coleções de tricô, bordados, croché, com o seu cunho e a sua marca. O seu saber fazer. São cerca de 70 inscritas.

Susana António, designer, e Ângelo Campota, psicólogo, criaram A Avó Veio Trabalhar. O que sentiam e o que viam motivou-os a avançar. “As pessoas quando atingem uma certa idade, o que devia ser uma espécie de prémio e de alegria, é uma espécie de maldição. Têm medo de dizer a idade, não se sentem úteis à comunidade”, nota Susana António. Uma parte da identidade, do que se fez toda a vida, perde-se, e os mais velhos passam a ser desconsiderados e olhados como uma “amálgama de preconceitos”. Naquela casa, as avós procuram novos projetos de vida para ocupar os seus dias, experimentam, reinventam-se, ensinam, aprendem, descobrem, olham em frente. Tudo num regime de liberdade total.

Para Susana António, é preciso ver a velhice como um copo meio cheio e não meio vazio. É o que o projeto faz. “Criamos um palco onde as avós possam brilhar, os talentos, a sabedoria, mas também a capacidade de fazer coisas novas”, descreve. “E queremos que a palavra trabalho não tenha de estar alocada a um valor económico, mas a um valor significativo.” Significativo na comunidade. “A nossa missão estará feita quando as pessoas não tiverem medo de imaginar a sua velhice”, remata.

 

Teresa Sousa começou a trabalhar aos 17 anos, secretária numa empresa que fazia gravatas para a Adão Camiseiros, escritório na baixa de Lisboa, na Rua dos Correeiros. Atendia telefonemas, tratava de faturas e encomendas. Primeiro emprego e um patrão maldisposto, sempre aos gritos, subir as escadas do escritório era um suplício. Aguentou ano e meio. Quinto ano do liceu feito, entrou no Ministério da Defesa Nacional, tratava da papelada relacionada com o Ultramar, abonos, pensões, pagamentos, comunicações às famílias. Depois do Ultramar, passou para o departamento dos militares na reserva, mais papelada, informações à chefia do Estado-Maior do Exército sobre decretos e portarias. Ficou 43 anos, reformou-se aos 60, saiu com uma penalização de 10%, não subiria mais na carreira. “Se voltasse atrás, voltava para o mesmo sítio. Gostei muito de trabalhar com os militares.”

Quando se reformou, aos 60, tinha mais tempo para os passeios e para as viagens e dava apoio aos mais velhos do seu prédio, conversava, fazia companhia, mudava fraldas a senhoras, ia às compras, deitava a mão ao que fosse preciso.

Acabar com o estigma, a mudança de mentalidades

A 55+ indica que, atualmente, cerca de 2,5 milhões de pessoas com mais de 55 anos estão inativas no nosso país. “E se para muitos a idade pode ser um impedimento para uma vida ativa e saudável, para nós é uma excelente oportunidade para se fazer algo de que se gosta e que pode ser útil para a comunidade”, sustenta, na apresentação do seu projeto.

Em 2021, segundo números do Instituto Nacional de Estatística, a taxa de desemprego na faixa etária dos 55 aos 64 anos é de 5,7%, exatamente a mesma dos 25 aos 54 anos – é nos menos de 25 anos que a taxa sobe para os dois dígitos com 23,4%, a mais fustigada. Os 5,7% de 2021 são o número mais baixo desde 2004. Numa análise mais fina, numa variação anual homóloga, contribuíram para essa percentagem mais 8,4% de população empregada na faixa dos 55 aos 64 anos.

Nos anos mais recentes, a taxa de desemprego, dos 55 aos 64 anos, andou pelos 6,5% em 2020, 7% em 2019, 7,3% em 2018, 9,7% em 2017. Ou seja, a percentagem de gente desempregada na faixa etária dos 55 aos 64 anos tem vindo a diminuir, embora há dez anos esteja invariavelmente acima da faixa dos 25 aos 54 anos, exceto em 2021, em que iguala e fica ao mesmo nível. Recuando, em 1989 vê-se a mais baixa percentagem, de 1,6%, e em 2013 a mais alta, com 15,8%.

Ângelo Campota, psicólogo, vê um futuro risonho e otimista nesse olhar para os mais velhos como válidos e úteis. “Acredito piamente que a sociedade está a mudar neste sentido”, afirma. Há 20 anos, não era assim, não se via uma luz ao fundo do túnel, alimentava-se o culto da beleza, do corpo, mas agora, por exemplo, já se procura a jovialidade e o espírito feliz dos mais velhos para campanhas publicitárias – isso tem acontecido n’A Avó Veio Trabalhar.

A mentalidade está a mudar dos dois lados, tanto em quem tem 55 ou mais anos e se vê como válido, como para quem emprega que já não põe de parte currículos de gente mais velha. Ângelo Campota fala numa outra era, de maior reconhecimento. “A experiência das pessoas passa a ser mais valorizada. A sociedade está cada vez mais sensibilizada para isso e em diferentes áreas”, observa.

Por outro lado, os horizontes alargam-se. “Somos cada vez mais formatados para sermos transversais em termos de conhecimentos e em todas as idades. Cada vez mais as pessoas têm acesso a outras ofertas, não é aquela calamidade de não saber o que fazer, de não se reinventar.”

Teresa Matos é cantoneira da Junta de Freguesia de Esmoriz. Trabalhou nas limpezas no parque de campismo antes de mudar de emprego. Sente-se válida, útil, com muita genica. Quer trabalhar até não poder
(Foto: Pedro Correia/Global Imagens)

Patrícia Boa-Alma, socióloga, vê muito para fazer. “Ainda há muito caminho por fazer, há uma alteração progressiva, mas lenta. Há mais empresas sensibilizadas para o recrutamento de pessoas mais velhas, há mais opções nesse sentido, no entanto, há muito caminho pela frente, muito caminho a percorrer.” “É preciso combater esse estigma em relação a estas pessoas de mais idade, por serem excluídas, quando são as que têm mais conhecimento”, acrescenta.

Manuel Martins começou a trabalhar mal terminou a escola primária. Era bom aluno, queria continuar a estudar, mas não podia ser. “Nasci num rancho de nove irmãos.” Vestiu o fato-macaco cinzento, grande demais para si, fazia dobras nos punhos e nas bainhas das pernas, numa grande fábrica de pneus, câmaras de ar, espumas para colchões, sapatilhas. Número 883, empregado de armazém de exportação, a facilidade de escrita e a caligrafia fizeram-se notar nas suas letras a marcador azul. Aos 14, era encarregado de armazém.

Aos 17, de um dia para o outro, passou para uma empresa de solas de sapatos como fresador, com melhor salário. Aos 20, entrou para a Marinha, tirou o curso de condutor de máquinas, integrou uma força da NATO, andou pelo Mundo num navio, onde conduzia as caldeiras e fazia relatórios de contabilidade dos gastos numa máquina de escrever. Três anos depois, volta à terra, arranja trabalho numa fábrica de moldes para injeção de plástico, para brinquedos, molas de roupa. Dali passa para outra empresa de moldes para calçado e plásticos, mais 20 anos de trabalho. Aos 53 anos, fica desempregado. Pelo meio, joga futebol e é treinador. Aos 54 anos, volta a estudar, ensino recorrente para fazer o Secundário. Mas desemprego não era para si. “Era muito ativo, começou a fazer-me confusão.” Volta ao mercado, empresa de reparações de máquinas, corta-relvas, pneumáticos. Cinco anos e nova situação de desemprego, a mesma ideia de sempre, menos de um ano depois, com a equivalência à carteira de fogueiro, está no IPO do Porto a tratar das caldeiras que aquecem o edifício de 13 pisos e equipamentos que têm de estar a uma determinada temperatura. Três anos depois, novo trabalho, outra empresa de todo o tipo de soro e glicose, para fazer de tudo um pouco. Até que se tornou consultor imobiliário. E está a correr bem. Tem uma vida inteira pela frente.