O TikTok deu-lhes asas para dançar

As danças e as dobragens em vídeos curtos ganharam notoriedade, ao ponto de muitos já conseguirem viver das parcerias fomentadas pela rede social que invadiu o Mundo. Portugal não ficou de fora. E é caso de sucesso entre os mais novos. Em março, há um espetáculo com alguns dos maiores tiktokers do país. Constanza Ariza, Rodrigo Alves, Leonor Filipa e Rafael Alex Santos são os protagonistas.

Sexta-feira, às sete da manhã já estava de pé, o tempo está cronometrado, entre a faculdade onde está a estudar Medicina Dentária (e já tem prática clínica de três horas diárias), entrevistas, gravar conteúdos, ensaios de dança ou um programa de rádio, Constanza Ariza anda num rebuliço. Aos 21 anos, é uma das maiores influenciadoras portuguesas no TikTok. Conta 914 mil seguidores na rede que faz sucesso entre os jovens – e não só. Foi há uns anos, num evento de tiktokers para o qual foi convidada, que tomou o pulso a uma popularidade com que sonhava, mas não imaginava. “Fui com o meu pai, achava que ninguém ia saber quem eu era e, afinal, tinha uma fila enorme de miúdas a quererem tirar fotos comigo.” As três horas que aguentou até escoar a fila são o retrato fiel de um autêntico fenómeno.

Constanza olha para trás, tinha 15 anos, um “telemóvel Nokia antigo”, quando começou a gravar vídeos de dança e a publicá-los. Ainda a rede social chinesa se chamava Musical.ly (em 2018, foi comprada pela ByteDance e mudou o nome para TikTok). Na verdade, as paredes do quarto há muito que eram testemunhas das danças que ensaia desde catraia. Filha de pai português e mãe espanhola, Constanza Ariza nasceu em Cascais, onde cresceu, tem dupla nacionalidade. Para quem sofreu de bullying na escola, um relato que faz no livro “Genuinamente a sorrir”, que lançou no final do ano passado – sim, já lançou um livro sobre o crescimento que viveu nas redes sociais -, parecia improvável um sucesso desta dimensão. “As redes são muito vistas de forma negativa, mas a verdade é que foram elas que me ajudaram a ganhar confiança, a fazer o que gosto. Numa altura em que me sentia sozinha, foram muito importantes.”

Constanza Ariza tem mais de 900 mil seguidores, já lançou um livro e até dá voz a um programa de rádio

Os anos passaram, os seguidores foram-se acumulando, sobretudo crianças e adolescentes. Até começar a ser abordada em shoppings, na rua, com os pais a surpreenderem-se. Apoiaram-na. São os “diretores de marketing”, brinca ela. Faz vídeos de dança, de dobragens, de comédia, vlogs. Usa um tripé, um ring light. Chega a gravar quatro e cinco vezes a mesma coreografia até chegar à perfeição. “Estou a fazer aquilo de que sempre gostei, mas agora há uma aplicação para isso, para vídeos curtos de dança, de música.” Só que hoje a coisa é mais séria. O TikTok virou trabalho. Foi agenciada em 2020, recebe propostas, assina contratos de publicidade. “Há aqueles contratos que implicam só uma publicação e há aqueles mais longos, de meses, em que tenho de criar vários conteúdos para a marca.” De bebidas a produtos de beleza, o espetro é grande. O dinheiro? Está a poupar para uma pós-graduação lá fora.

Já teve a oportunidade de ir a Madrid gravar um anúncio televisivo para a Pantene, é embaixadora da marca. E a visibilidade agigantou-se de tal forma que a levou aos microfones da rádio, onde faz o programa Megahits TikTok RadioShow. “Às vezes, custa-me perceber tudo o que aconteceu, porque sou uma rapariga tão normal. Mas sei que isto é efémero, como diz a minha mãe, pão de hoje fome de amanhã, e por isso é arriscado dedicar-me só a isto.”

Abrem-se os palcos do espetáculo

Um algoritmo viciante, vídeos de 15 segundos fáceis de criar, numa aplicação intuitiva, com música e dança à mistura, que vive da espontaneidade e criatividade, é terreno fértil para o fascínio de tantos jovens. Constanza sabe disso. E os milhares de fãs ultrapassam as fronteiras do mundo virtual. Um espetáculo a ganhar forma é o exemplo claro. Quatro dos maiores tiktokers do país (além de Constanza, Rodrigo Alves, Leonor Filipa e Rafael Alex Santos), vão atuar a 5 de março, no Capitólio, em Lisboa. Constanza está “louca de felicidade, era um sonho dançar num palco”. Começaram os ensaios com bailarinos profissionais, na escola de dança Arcade Dance Center, em 2020, uma coisa a sério. O cantor e bailarino Cifrão é o diretor criativo do evento “Criadores de TikTok Show”. Depois de dois anos de adiamentos, à conta da pandemia, vai acontecer. Para todos os fãs e seguidores que querem ver os tiktokers fora do ecrã.

Rodrigo Alves tem só 16 anos e já tinha tido aulas de dança quando decidiu apostar nos vídeos com coreografias

“Os ensaios, no início, eram tão cansativos que depois chegava a dormir 12 horas seguidas.” Rodrigo Alves, de caracóis escuros e perfeitos, despista a idade, 16 anos, num discurso de gente grande. “Já temos a coreografia toda, mas ainda podemos rever alguma coisa, se surgirem novas músicas trend no TikTok”, revela. O miúdo enérgico e de sorriso aberto de Carcavelos tem 84 mil seguidores no TikTok, a rede onde entrou em 2016. “Tornou-se numa obsessão. Estava no 6.º ano, acordava e ia direitinho gravar vídeos, até de pijama, em todo o lado. Passava o dia a procurar tutoriais.”

Início de 2019, com a mudança de nome da aplicação e o boom em Portugal, os seguidores começaram a somar-se, “uma explosão”. Rodrigo já gostava de dança, a dada altura começou a ter aulas e levou isso para o digital. Dos vídeos de transições saltou para as famosas coreografias. É a parede branca do quarto, onde está, de frente para a janela, o principal cenário.

Aponta para o canto, tem uma caixa carregada de cartas e de “trinta por uma linha” que lhe oferecem. Já não consegue ir ao centro comercial sem ser reconhecido. Os pais acham graça, sobretudo a mãe, que “fica muito maravilhada”. E deixam-no gerir o dinheiro, “mas parece que ele pega fogo na mão”, ironiza. As marcas começaram a aparecer, Samsung, AXN, Fnac, Instax, um sem-fim de parcerias. Está a juntar para uma viagem de família à Grécia.

Hoje, publica “o que lhe vem à cabeça”, edita os vídeos pelo meio do estudo, é disso que mais gosta, de editar. Mas, espante-se, o que quer seguir no futuro não é nada ligado ao mundo digital. Tem a cabeça no lugar e sonhos fora da caixa. “Sempre adorei aprender línguas, principalmente línguas antigas, como o latim. Tenho latim na escola, tenho 19,4 de nota. E estou a aprender sozinho grego moderno. Quero seguir Estudos Clássicos, quero saber mais e mais sobre outras culturas.” Se lhe concedessem um desejo na vida, Rodrigo queria saber falar todas as línguas do Mundo.

Uma dança rendeu 500 mil seguidores

A app não pára de crescer, no ano passado atingiu a marca dos 2,8 milhões de utilizadores em Portugal. E desses, mais de 750 mil seguem Leonor Filipa. Entre as danças e a moda, a criar outfits coloridos, é por aí que navega o perfil no TikTok. Perde largos minutos a aprender passos em tutoriais de dança, a gravar e regravar. Ter atenção ao plano, à luz, às transições, não mexer no tripé, conhece de cor os meandros dos vídeos que fazem furor. “Nunca tive aulas de dança, vivia no norte quando era pequena, numa aldeia, não havia assim tantas escolas de dança.” Sempre dançou no quarto sozinha, só que agora mostra-o a milhares de seguidores.

A criar outfits coloridos ou a dançar, Leonor Filipa quer poder viver do TikTok, mas está a tirar um curso por segurança

É de Vila Real, mudou-se para Lisboa tinha aí uns oito anos. Hoje, aos 18, lembra-se que começou a divertir-se no Musica.ly em 2016, fazia dobragens de áudios em inglês, vídeos de comédia. “Como gosto muito de dançar, comecei a ver que podia juntar as duas coisas, gravar vídeos e dançar.” Mas 2018 seria o ano. Um vídeo a dançar na Praça do Comércio, Lisboa, correu o Mundo e numa semana ganhou 500 mil seguidores, “de toda a parte, México, Brasil”. Na escola, na rua, começou a ser abordada, uma estranheza a que nunca se habituou.

E o interesse das marcas era inevitável. Os pais, a medo, acompanharam-na a reuniões, não lhe cortaram as asas. “No início, as parcerias não eram remuneradas. As marcas mandavam-me coisas para casa para eu mostrar e eu já achava o máximo.” Agora, é agenciada, tem contratos. Sumol, Evax e Oceanário de Lisboa entram no rol. Remodelou o quarto com o primeiro dinheiro que recebeu. Mas a gestão é dos pais. Quis ser ela a pagar a universidade, um objetivo, e ainda vai juntando para o futuro.

Está no 1.º ano da licenciatura em Contabilidade e Administração, em pós-laboral, para conseguir dedicar-se ao TikTok durante o dia. Estuda de manhã, depois trata dos briefings das marcas, grava conteúdos e ao fim do dia tem aulas. O curso é só uma segurança, tem uma certeza: quer continuar a mexer-se nas malhas do digital. “Isto já é a minha profissão. O facto de a plataforma permitir fazer vídeos do que quiser, e de fugir àquilo que é o Instagram, só com fotos perfeitas, é o que puxa os seguidores.”

Uma profissão a tempo inteiro

É de tal forma uma profissão que Rafael Alex Santos já só se dedica ao TikTok, um risco que quis correr. Os cabelos loiros são o espelho da irreverência de um “alfacinha” de 22 anos, licenciado em Ciências da Comunicação, e que só pôs pés ao caminho no TikTok em 2020. Num ápice, 800 mil “followers”. Foi a pandemia a culpada, criou conta, nunca mais largou.

Rafael Alex Santos fez do TikTok um palco do talento de que quer viver

“Comecei porque, genuinamente, adoro dançar. E a plataforma permitia fazer vídeos rápidos, fáceis de editar e chegar a muitas pessoas a fazer o que gosto.” Era fã de Constanza Ariza, que o convidou para se juntar ao espetáculo que vai acontecer no Capitólio. A primeira aula de dança que teve na vida foi com Cifrão, “um dia revolucionário”. “Estou tão ansioso que já só vivo para o espetáculo.” Não é de admirar para um miúdo que fingia ter grandes plateias em casa e que há muito publicava coreografias no YouTube. O TikTok deu-lhe o palco que tanto ambicionava. “Não é só ligar a câmara e dançar. É editar o vídeo, é torná-lo apelativo, transformá-lo em entretenimento.”

Grava sempre em cenários diferentes, no exterior. Tinha acabado de chegar de Cascais, onde esteve a fazer um vídeo, quando falou com a NM. “Em coreografias mais trabalhadas, chego a demorar duas horas a ensaiar e gravar, mais duas a editar. E penso na roupa, em tudo.” Pede ajuda a amigos e até comprou um iPhone só para gravar. Vive com a mãe. “Ao início, custou-lhe. Perguntava-me: ‘Como assim já não queres ser jornalista? Já não queres trabalhar num meio de comunicação?’”, relata. Quis provar-lhe que era possível. Ainda recentemente, fez uma campanha antibullying para a Head&Shoulders, um orgulho desmedido. “Eu próprio sofri de bullying. Desde o acne, o meu peso, andar com meninas, dançar e cantar nos intervalos, tudo era motivo. E partilho muito isto com os seguidores.” É esse o poder das redes, o de se fazerem próximas.

Os quatro tiktokers têm vindo a ensaiar para o espetáculo no Capitólio

Rafael sempre teve a ideia de que iria ser famoso, “até praticava a assinatura para os autógrafos”. É obstinado, madruga, às seis e pico da manhã está de pé, faz meditação, treina cinco vezes por semana no ginásio. “Sou altamente perfecionista, chega a ser pouco saudável.” São jovens meninas, sobretudo do Brasil, as principais seguidoras. O tiktoker ainda dava aulas de Inglês, no âmbito de Atividades de Enriquecimento Curricular, numa escola, que largou agora. Quer dedicar-se a 100% aos vídeos. “Este é o meu plano A, não tenho plano B.” Mas dá para viver só disto? “O meu objetivo não é só o TikTok, é conseguir a exposição para vir a ter uma carreira de artista. Quero chegar o mais longe possível”, confessa.