Valter Hugo Mãe

A cultura tem o nome da fome


Brilhante, Graça Fonseca explica-se muito bem enquanto protela aquilo que, afinal, não é para acontecer.

Quando Governo, a Direita costuma não ter planos para a Cultura e disfarça pouco. Já a Esquerda pode ter ou não planos e costuma disfarçar. Vejo Graça Fonseca como uma gestora de talento, mulher sóbria e magnífica profissional, mas que teve atribuída a pasta da Cultura exactamente por ser perfeita para um sector para o qual sabia não haver plano. O mais que tem feito é disfarçar.

Desde Pires de Lima que não se ouve à Cultura do Estado um lampejo de grande vontade, uma novidade de fulgor. Tudo não passa de manutenção, com alguma paz criada pelo PS com as companhias das artes performáticas mas que, a bem dizer, deveria significar o mínimo da acção e não a glória de um Ministério.

Isabel Pires de Lima foi a última a lutar por estruturas de grande impacto no panorama do país, como a realização do Museu Berardo (que ainda haverá de ser uma forma de redimir minimamente as dívidas do comendador ao Estado) e a quase certa vinda para Portugal do Hermitage, algo que nos prestigiaria enormemente e que se abandonou para grande perda de todos. Depois disto, nada. A Direita desqualificou a Cultura à categoria de Secretaria e a Esquerda regressou com certa festa e reposição de projectos, desde logo no tempo de Luís Filipe Castro Mendes, destacando-se, por exemplo, a protecção da bela colecção Miró. Subitamente, com a entrada de Graça Fonseca há o esplendor da retórica. Brilhante, Graça Fonseca explica-se muito bem enquanto protela aquilo que, afinal, não é para acontecer.

Alguns erros crassos, como o festival para músicos que não faria mais do que esmolar quem eventualmente nem precisa, e muita conversa, enquanto a Cultura começa a ter outro nome, o da fome. São cada vez mais os profissionais que, suspensos de suas funções, no sector mais precário de todos, vêem a sua sobrevivência posta em causa. De facto, a pergunta que se coloca hoje a Graça Fonseca já não é o que fazer ao teatro ou à dança, aos livros ou à pintura, o que importa saber é que estratégia existe no Ministério para quem chegou à fome, não consegue pagar a renda, arrisca toda a sua frágil estrutura porque se declaram consecutivos estados de Emergência e Calamidade e a cura de uns acaba agora por significar a enfermidade de outros.

Não era possível manter a normalidade, sabemos disso, mas agora não é possível falhar aos que não têm outro património senão o da ciência de suas profissões.

Por norma, sinto às pessoas certa paixão por um livro, um disco ou um filme. As pessoas falam como se viessem de dentro de um quadro específico, são figuras de um escultor ou movem-se como se tivessem a visão de Olga Roriz. Na sua intrigante beleza natural, Graça Fonseca ainda assim não me transparece paixão alguma. Olha com o mesmo sem assombro que olharia uma taça de vinho, uma camisa branca ou o documento que apoiaria cem mil artistas. As artes têm de ser geridas, mas salvar pessoas começa pela genuína empatia. Gostaria de ver maior empatia, menos anúncios vagos e mais dados do que se fez, do que já foi acudido, de quantos já voltaram a dormir sãos e sem a impressão de estarem a ser humilhados.