Texto de Pedro Emanuel Santos
Dois de março, Portimão Arena. Conan Osíris sagra-se vencedor do Festival RTP da Canção de forma incontestável: 12 pontos do júri, outros tantos do público. Pontuação máxima, o pleno da votação. Melhor era impossível para “Telemóveis”, tema que escreveu, compôs e interpretou e que começou por causar estranheza – muita dessa estranheza traduzida em críticas arrasadoras – até conseguir chegar ao olimpo do consenso.
No palco, Conan Osíris quase parece atarantado quando é anunciado o resultado, expressão de espanto e surpresa, rosto de modéstia entre maré de aplausos. Há abraços, felicitações, manifestações de carinho, amizades em celebração, festa traduzida em cores vivas, mensagens de incentivo e de congratulação. Mas o que ele quer é sossego. Recolhe aos bastidores, come uns snacks que lhe confortam o estômago quase vazio, sai do Portimão Arena, vai para o hotel, fica quase meia hora à conversa com alguns dos camaradas que com ele protagonizaram o festival.
Trocam ideias à porta do quarto que lhe fora casa emprestada nos dias anteriores. Há quem o tente desviar para um copo fora dali. Ou dois ou três, os necessários para celebrar o feito, que a noite é memorável. Insistem, mas nada. “Vou descansar.” E foi. O primeiro sono antes do futuro.
Só na manhã seguinte é que Conan Osíris, o artista que paulatinamente se foi construindo por cima da pele de Tiago Miranda, 30 anos, se apercebeu do que tinha acontecido. Da dimensão da vitória, da responsabilidade de representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção – final marcada para sábado, dia 18, em Telavive (Israel). Os títulos dos jornais, as notícias publicadas na Internet, o afã das televisões, um mundo novo em que era protagonista e que lhe entrava pela porta sem pedir licença. E os fãs, agora multiplicados por milhões, que, de repente, ganhava à custa de “Telemóveis”.
“Bastou sair à rua para lhe cair a ficha e perceber o fenómeno em que se transformara. As pessoas abordavam-no, pediam para tirar selfies e assinar autógrafos. Tudo novidade para quem antes estava limitado a um círculo muito restrito”, relata Raquel Bravo, road manager de Conan e amiga próxima, desde os tempos em que Tiago trabalhava numa sex-shop em Lisboa, emprego que foi obrigado a abandonar quando a agenda musical se foi tornando cada vez mais preenchida, pouco antes do triunfo no Festival. O tal festival que foi fronteira e marcou o salto para a impossibilidade do anonimato.
“Desafio constante”
Desde a vitória que os dias parecem não ter horas suficientes para tanta solicitação, o calendário apertado obriga a alterações de rotinas antes bem mais pacíficas. “Apesar de muito atarefados, é uma aprendizagem constante que nos desafia a cada instante”, resume Luís Viegas, o agente de Conan Osíris.
Houve concertos que saíram do programa, idas frequentes a eventos calendarizados pela organização do Eurofestival, aparições em programas da estação de televisão oficial de Portugal, a RTP, solicitações múltiplas a que Conan não estava habituado e que teve de engolir sem preparação prévia.
“No fundo, acho que o Tiago ainda demorou a absorver toda esta informação nova na vida dele”, considera Rúben Sá Osório, que, mais do que o estilista responsável por todo o “outfit” artístico de Conan Osíris, é dos seus amigos de sempre, o mais próximo, irmandade que ultrapassa a amizade. “O foco todo dos media, as presenças, as entrevistas, tudo o consumiu e mexeu com ele. Embora não o tenha mudado, porque continua o mesmo de sempre. Tem estado muito grato por esta aprendizagem, é raríssimo vê-lo de mau humor ou a dar sinais de que toda a onda que o envolve o incomoda de alguma forma”, testemunha.
O assédio dos fãs
A única situação que o tira verdadeiramente do sério é a má-criação de alguns que o abordam. “Poucos, ainda assim”, enumera Rúben Sá Osório. No entanto, quem for ter com Conan Osíris, e entrar numa de bocas desagradáveis recheadas de más intenções, pode contar com alguém pouco interessado em valorizar quem o destrata. “É verdade que a maior parte das pessoas tem sido supercarinhosa, algumas até pedem desculpa quando o abordam. Mas já houve situações em que não foi assim”, diz.
Estas são, contudo, exceções que escapam à regra do “carinho e conforto” com que Conan Osíris tem sido tratado. Raquel Bravo é testemunha direta da “aceitação positiva” que a estrela que não o quer ser tem tido desde o triunfo em Portimão. “O carinho das pessoas diz isso mesmo, é surpreendente. Claro que há críticas, isso faz parte, mas passam-lhe um bocado ao lado. Quase sempre”, especifica a road manager.
Dentro da surpresa geral, há fatores que têm deixado Conan espantadíssimo. Como a transversalidade do apoio que tem recebido, que surge das mais variadas faixas etárias e não só dos fãs mais novos, afinal aqueles que, à partida, seriam os mais próximos a aceitar figura tão revolucionária na cena musical nacional. “A aceitação tem sido gratificante, sobretudo porque vem de pessoas de todas as idades. Aliás, mais uma vez, isso é bem visível nas abordagens de rua, todos o incentivam e dão força”, elogia Raquel Bravo.
“Aconteceram tantas coisas”
Os portugueses só começaram a conhecer Conan Osíris há praticamente um ano, quando lançou “Adoro Bolos”, álbum de onde saíram temas como o que deu nome ao disco (Eu adoro bolos, Mas adoro-te mais a ti), “Borrego” (“A culpa não foi tua/ Eu é que sou borrego), “Celulitite” (“Ninguém quer saber da celulite/ Quer saber do seu limite para amar o céu limite”), “Barcos” (“Pra que é que eu ainda olho para o mar/ Se eu já sei como é que há de acabar?”), “Titanique” (“Eu vou-me amandar do titanique/ Se tu não vieres”) ou o mais profundo “Obrigado” (“Eu só vinha deixar-te um recado/ Eu só vinha dizer-te obrigado”).
Mesmo assim, Conan Osíris não chegou logo às massas. Talvez porque a sua música – essa mistura disforme e inovadora de sonoridades onde encaixam letras que fogem ao padrão habitual do politicamente correto, estilo eletroguna, como originalmente definiu a radialista Inês Meneses ao “Expresso” – não se enquadre naquilo que geralmente é destinado à popularidade.
Talvez porque ele não quisesse de todos o que era de tão dentro de si. Talvez porque é complicado aceitar sem reticências o que foge do convencional. Talvez por tudo isso, até. Seja pelo que for, porém, Conan Osíris pouco se importa e não perde tempo a procurar explicação racional para questão onde a lógica não impera: a do gosto e suas derivações.
“Neste curto espaço de tempo aconteceram tantas coisas. E tão inesperadas. De repente, o Conan tornou-se quase uma estrela, o que de certa forma foi estranho porque ele não faz as coisas para ser famoso, nunca trabalhou com esse objetivo. O que quer é fazer música, a música dele”, garante Raquel Bravo.
Desabafos de frustração
Se normalmente ignora quem o critica negativamente, alturas houve em que o saco da impaciência rebentou. Quando venceu a meia-final do Festival da Canção e ganhou acesso à fase decisiva, colocou no Instagram – rede social onde é bem percetível a evolução do personagem Conan Osíris – excertos do poema “Menina do Alto da Serra”, escrito por José Carlos Ary dos Santos e com o qual Tonicha venceu o mesmo festival em 1971.
“Foda-se, menina da saia aos folhos? Que irrelevante! Consumista! Quem te vê fica lavado? Lavado com quê? Que ridículo! Água da sede dos olhos? Olá, os olhos não bebem? Que estupidez! Pão que não foi amassado? Lol, realmente hoje em dia fala-se de tudo para ser relevante”, escreveu com acidez e escárnio, autêntica bofetada seca à chuva de críticos e anónimos que lhe gozaram o estilo em palco e o conteúdo da letra de “Telemóveis”. “Realmente hoje em dia escreve-se qualquer merda. Parece um drogado”, assim terminou o post, em jeito de desabafo rude, quase saído das entranhas do desalento.
Foi talvez a única ocasião em que se descontrolou publicamente durante a aventura que o conduziu até Telavive. De resto, a calma absoluta. “O mesmo menino de sempre”, como define Matay, que também concorreu ao Festival da Canção 2019. “Ficámos super próximos, é visita de casa. Uma pessoa especial, com coração bom, muito atento a tudo o que se passa à sua volta, sempre disponível para ajudar. Queres um exemplo?”. Claro, venha ele. “Tenho um projeto para ajudar um amigo que está a atravessar algumas dificuldades e o Conan, que podia estar concentrado a preparar a Eurovisão sem se preocupar com mais nada, mostrou-se logo disponível para colaborar e temos feito umas coisas juntos”, conta o cantor.
“O resto logo se vê”
“O que ele quer, afinal, é continuar a fazer o que quer e como gosta, sem cedências.” A garantia solene é de Surma, também ela concorrente ao Festival da Canção e fã incondicional do adversário, de quem guarda “admiração e amizade”, sentimentos reforçados com a participação no evento.
“A ida à Eurovisão não vai mudar nada no Conan, tenho a certeza absoluta. Ele tem o Mundo pela frente e merece. É um criador que não liga nada a essa coisa da fama, às vezes até parece que leva as coisas na brincadeira, embora seja super profissional”, descreve.
Os sites de apostas davam a “Telemóveis” o 18.º lugar entre as 41 canções concorrentes ao Festival da Eurovisão e apenas 1% de possibilidades de vitória. Os grandes favoritos eram os representantes da Holanda, da Rússia e da Itália. O show aconteceu ontem, 14 de maio, na meia-final em que Conan Osíris tentou ser um dos dez apurados para o grande evento, marcado para sábado (18 de maio), no Centro de Convenções de Telavive, em Israel.
O rapaz que bebe leite nos bares, que desde cedo ignorou quem o olhava de lado pela indumentária extravagante e que não quer saber de ser famoso foi a voz de Portugal. Como recorda Matay, “a falta de aprovação pelos outros é-lhe parte da vida desde sempre, por isso é que continua a fazer o que quer e como quer”. Na pele de Conan Osíris, a persona que se apoderou de Tiago Miranda e que dele parece não desejar pedir o divórcio.
Portugal falhou o acesso à final do festival Eurovisão da Canção. “Telemóveis” não ficou entre as 10 escolhidas da primeira semifinal e foi uma das sete eliminadas, apesar de uma boa performance do lisboeta.