Alicia Banderas, psicóloga e escritora espanhola, lembra que as brincadeiras com os filhos são um importante veículo na educação dos valores que realmente importam. Mas os pais continuam mais focados no sucesso e na competição. Para que os filhos sejam super filhos. Sejam brilhantes.
Os filhos têm de ser os melhores, os mais talentosos. Brilhantes. Todos os dias, em qualquer competição. E os dias ficam demasiado pequenos quando se encaixam atividades atrás de atividades extracurriculares. Quase não há tempo para respirar. Os pais andam stressados, os filhos com horários sobrecarregados. Os pais querem o melhor para os filhos. Os filhos ficam ansiosos para corresponder às expectativas. É uma roda-viva, uma lufa-lufa.
Alicia Banderas, numa conversa reproduzida pelo jornal espanhol El País, avisa que é preciso respeitar o ritmo de aprendizagem dos mais pequenos. “Temos crianças de dois anos em Chinês, Inglês, natação, estimulação musical”, refere. Um constante e frenético para a frente e para trás. E brincar? Brincar é essencial. Porque se aprende a brincar. E ao brincar. “O que a criança precisa? Jogo livre. Ou seja, sabemos que o conhecimento é gerado de dentro para fora.”
“A criança tem de ser protagonista das suas próprias criações”
Alicia Banderas
Psicóloga
Olhar nos olhos dos filhos e perguntar o que querem jogar, como querem brincar. É o primeiro passo. Brincar estimula a criatividade, desenvolve o aparelho psicomotor. Aproxima pais e filhos. É também uma forma de respeitar a infância. É não deixar um brinquedo no fundo da gaveta ano após ano. Brincar é também educar. É escutar, é envolver. É interiorizar princípios. Incutir valores. Brincar torna-se, sustenta a psicóloga, uma “maneira maravilhosa de partilhar sem forçar, sem palestras.”
Há que saber equilibrar as brincadeiras com a parafernália tecnológica. Mas há situações a evitar. A Academia Americana de Pediatria desencoraja o uso de ecrãs nos dois primeiros anos de vida, uma vez que, dessa forma, as crianças são submetidas a um estímulo frenético que pode favorecer a desatenção e a dificuldade de concentração.
Há ainda outra questão. Se há o costume de “saciar o prazer através de um ecrã”, cada vez mais é necessário “um maior número de estímulos que, às vezes, podem ser prejudiciais.” E as crianças ficam expostas “a estímulos de uma forma muito prolongada e depois perderão o interesse pelas atividades da natureza, que ocorrem a um ritmo muito mais lento”.
Brincar é preciso. Brincar sem abafar o espírito criativo e inato que os mais pequenos têm dentro de si. “Brincar é o ambiente mais seguro para testar e construir o que se deseja fazer.” Uma criança criativa será capaz de pensar em soluções alternativas para os problemas. Dentro das suas próprias brincadeiras.
antes as crianças diziam que queriam que os pais passassem mais tempo em casa, agora são elas que pedem para ficar mais tempo sem sair de casa
“Quando brincamos com os nossos filhos, somos a melhor versão de nós mesmos,” diz a psicóloga que trabalha com crianças e adolescentes em projetos de educação há mais de duas décadas. O tempo passa, há mudanças sociais e os pais continuam a dizer que querem, em primeiro lugar, que os filhos sejam felizes. Mas nota-se a vontade que os filhos sejam brilhantes, que tenham maiores habilidades, muito sucesso. Que sejam super filhos.
O cérebro não é uma esponja
E mesmo uma esponja atinge o seu limite de capacidade. O mesmo acontecerá no cérebro dos mais novos. Alicia Banderas refere que um cérebro não é propriamente uma esponja. “O que são ou o que chamo de crianças super-estimuladas? São aquelas crianças submetidas à estimulação excessiva, mesmo antes dos seus cérebros estarem preparados. E, no final, o que geramos nelas é um bloqueio e stresse nas suas aprendizagens.” Convém, então, não pensar que um cérebro consegue absorver tudo e fazer os devidos enquadramentos.
Mais uma vez, a questão das atividades extracurriculares. Dos cérebros que sugam tudo. Muitas vezes, são os pais que decidem o que os filhos devem aprender. E a desmotivação acontece. Perceber o que gostam, o que os motiva, os seus gostos, é fundamental. “Como aprendemos melhor? Através de emoções positivas: alegria, satisfação, autorrealização”. “Devemos cuidar do cérebro das crianças porque podemos magoá-lo”, avisa a psicóloga e escritora espanhola.