Do (ul)traje de banho ao biquíni: conheça toda a história

Primeiro veio o traje de banho, verdadeiro peso­‑morto dentro de água (sobretudo para as mulheres). Depois o fato de banho – ali por volta de 1920 –, o biquíni, o triquíni, a tanga, até o monoquíni para quem faz topless. Em cem anos de evolução, a maior conquista de cada banhista foi a liberdade de poder escolher o estilo que melhor lhe assenta no corpo, sem imposições sociais intransponíveis.

Todos os anos, por esta altura, os índices de adrenalina de Alexandra Costa disparam. «Por mais que malhe no ginásio, a chegada do verão faz-me sempre repelir a ideia de vestir algo que mal me cobre o rabo», adianta a comercial. É só uma reação inicial, passa-lhe em semanas. E claro que podia usar antes fato de banho para arrumar melhor as carnes na praia. Biquínis, porém, fazem-na sentir-se empoderada. «Já lá vai o tempo em que nos acusavam de atentado ao pudor por mostrarmos um pouco de pele», diz. Nem grávida tapou a barriga: é a sua forma de se convencer de que é fabulosa, com estrias e tudo. «Acho que se a roupa de banho evoluiu tanto em 100 anos foi para nos mostrar que o lugar da mulher é à beira-mar, linda nas suas curvas.»

E ainda bem que Alexandra coloca a questão nesses termos, elogia a psicóloga brasileira Danyla Borobia, consultora de estilo com foco no autoconhecimento. Ao vestir um fato de banho, conta aquilo que cada mulher sente. «Avaliando com carinho a relação com o próprio corpo, é possível escolher sem muitas neuras essa peça tão temida», explica a especialista, considerando que hoje em dia não faltam modelos para valorizar o tipo físico de cada mulher: «Mesmo com a sociedade a bombardear-nos constantemente com um ideal formatado de perfeição, a moda está mais democrática do que nunca. Isso facilita encontrar um biquíni para chamar de seu.»

Registos históricos sugerem que a natação começou entre os egípcios por volta de 5000 a.C., atravessou as culturas grega e romana, reavivou-se no Renascimento e chegou ao final do século xviii– com os homens a banharem-se livremente nas praias, termas e piscinas públicas, ao passo que as mulheres fugiam de olhares vestindo trajes de banho longos e pesados que as impediam de nadar (se não as afundassem como pedras já era uma sorte). No século xix a prática difundiu-se, dividida entre banhos recreativos e desporto de competição, e continuou a pesar às mulheres: nem podiam adotar os fatos de banhos masculinos, mais práticos, nem nadar convenientemente com aqueles vestidos disformes a cobri-las da cabeça aos pés, cheios de folhos e adornos.

«O começo do século xx marcou o início da inovação nos fatos de banho: pela primeira vez, desde a Roma Antiga, as mulheres vão voltar a mostrar os joelhos. Uma verdadeira revolução tendo em conta o conservadorismo da época», conta a designer de produto Andreia da Silva Cruz, autora da tese Tecnodoping: Desenvolvimento de Fatos de Banho para Competição em Natação Pura. Para isso muito contribuiu a nadadora australiana Annette Kellerman, conhecida por usar um fato de banho como o dos homens ao competir com eles na água. Apesar de bem aceite na Europa, ao mudar-se para os EUA (em 1907) a atitude foi considerada ofensiva e imoral.

«Kellerman ficou chocada com os trajes que as mulheres americanas ainda utilizavam para a prática de natação e afirmou que não conseguia nadar usando mais coisas do que as que estão penduradas num estendal», sublinha Andreia da Silva Cruz. Sem querer embater de frente contra os costumes nem deixar de defender a sua causa, criou um fato de banho para as mulheres adaptado do modelo masculino, acrescentou­‑lhe uma espécie de collants – o famoso Kellerman suit – e caminhou com ele vestido pelas ruas num ato considerado obsceno. Acabou detida por atentado ao pudor e declarou­‑se culpada de violar a lei, mas não sem antes questionar quantas mais mulheres teriam de morrer por não aprenderem a nadar. «O seu protagonismo correu mundo.»

A Primeira Guerra Mundial (1914-18) tirou as mulheres de casa e aproximou-as do lazer na água: a roupa de banho foi evoluindo para peças únicas, mais leves, a descobrir partes do corpo que antes não viam sol. Em 1920, empresas como a Jantzen e a Speedo exploram materiais elásticos e especializam-se, respetivamente, em fatos de banho de praia e de competição (estes últimos com preocupações de velocidade, textura, compressão e deslize na água que os primeiros não tinham). Em 1946, no rescaldo da Segunda Grande Guerra, o engenheiro francês Louis Réard apresentava o primeiro biquíni à séria para fazer explodir, de uma vez por todas, o conservadorismo da época.

Em 1946, no rescaldo da Segunda Guerra mundial, o engenheiro francês Louis Réard apresentava o primeiro biquíni a sério para fazer explodir o conservadorismo da época. Mas só nos anos 1950 começou a chegar às praias e às piscinas

O biquíni tornou­‑se tão marcante que tem, inclusive, um dia mundial só seu assinalado a 5 de julho – a data em que Réard o lançou, inspirado no atol de Bikini, no Pacífico. Por essa altura, militares norte­‑americanos aproveitavam o paraíso insular para testar armas nucleares, com consequências avassaladoras. Quanto mais olhava para as suas duas peças estampadas, «mais pequenas do que o mais pequeno dos fatos de banho», mais Réard se convencia de que mulheres em biquíni teriam um efeito explosivo idêntico aos olhos do mundo. Diana Vreeland, a lendária editora de moda da Vogue e da Harper’s Bazaar, confirmou que «o biquíni é a invenção mais importante do século xx a seguir à bomba atómica».

A verdade é que Tânia Sousa não tem a mínima dificuldade em aceitar estas palavras depois de se apaixonar por um biquíni em Santorini, há uns cinco anos, numas férias de verão que fez à Grécia. «Era turquesa, com umas flores roxas, uma coisa fora de série. O peito ficava ali à tira, Deus sabe que me deu o meu e o de mais alguém. Mas a cueca fazia-me uns glúteos tão bons que estava disposta a perder o sutiã na piscina as vezes que fossem precisas», recorda a secretária, saudosa de se sentir tão bem no próprio corpo. Nunca mais teve outro igual, a colar-se-lhe como uma segunda pele. Estafou-o até já só parecer um saco do pão. «Aquele pequenino fez-me perceber que tem corpo para biquíni quem estiver confortável para usá-lo, nem mais nem menos.»

É justamente o que Erica Bettencourt procura oferecer às suas clientes no momento de conceber os modelos da Bohemian Swimwear: peças únicas, exclusivas, que as façam sentir seguras e especiais. «Existem biquínis para todos os corpos e básicos intemporais como o little black bikini. É uma questão de se conciliar o nosso estilo pessoal com a moda de um modo equilibrado», explica a designer gráfica, influenciada por marcas brasileiras, australianas e havaianas que foi conhecendo nas suas viagens em busca de ondas perfeitas para o surf. «Hoje em dia a mulher moderna trabalha, é mãe, vai ao ginásio, come de forma saudável. Tem um corpo diferente, com preocupações diferentes a seu respeito, então pode usar modelos que não o escondem.»

Ainda assim, diz a criativa da Bohemian Swimwear, os fatos de banho voltaram a ganhar uma nova dimensão na década de 90, lado a lado com o biquíni. São elegantes, sexy, proporcionados. Tem alguns na nova coleção Life of Boheme, «peças leves, com a frescura do verão». Quem ainda pensa que são coisa do tempo das avós, basta pôr os olhos nas marcas portuguesas de beachwear – Cantê, Coração Bobo, Latitid, Papua, Ekena Bay, Miitik e tantas outras – para perceber a quantidade de histórias de sucesso nascidas nos últimos anos.

«[O biquíni] reflete a personalidade de quem o usa. Valoriza a silhueta. Traz confiança e autoestima», diz a psicóloga Danyla Borobia, para quem conforto é a soma de todos estes fatores

E os homens, onde ficam após terem tido sempre a vida facilitada no que toca a ir a banhos? «São mais práticos, sem dúvida. Procuram peças com um corte e padrão giros, de boa qualidade, para durarem anos, ao passo que elas privilegiam o design e a singularidade», resume Erica Bettencourt. A psicóloga Danyla Borobia concorda com esta visão masculina de caráter utilitário: «Regra geral, eles têm a autoestima mais inflada que as mulheres e tendem a não se incomodar tanto com questões de pormenor, pelo que se focam principalmente no conforto e na durabilidade.» Isto não invalida, ressalva, que haja cada vez mais homens atentos às tendências. «De caminho, ainda são capazes de mandar uns bitaites sobre o biquíni delas.

Mas afinal o que é que ele tem que dá tanto pano para mangas, se muitas vezes o tecido mal chega para cobrir as vergonhas? «Reflete a personalidade de quem usa. Valoriza a silhueta. Traz confiança e autoestima», resume a psicóloga Danyla Borobia, para quem conforto é a soma de todos estes fatores. Se há peça reveladora no guarda-roupa de uma mulher é o biquíni – mais ainda do que a lingerie, que anda escondida debaixo da roupa. «Todos nós, sobretudo as mulheres, temos uma vozinha interior que está sempre a julgar e a colocar-nos para baixo: estamos muito gordos, muito magros, a ficar velhos. E isto quando o que é belo e perfeito varia de pessoa para pessoa», diz.

Se houve coisa que o encolher do fato de banho nos ensinou nos últimos 100 anos foi precisamente que cada ser humano é único, notável nessa especificidade e tem um corpo perfeito tal como é. Ninguém precisa de ser um anjo da Victoria’s Secret para se enfiar num biquíni. «Aquilo que mais preocupa hoje as marcas são o conforto e a autoestima. É essa a nossa prioridade: celebrar a sensualidade das mulheres independentemente do seu tipo de corpo», reforça Ricardo Aragão, responsável de marketing da Deeply. Quer tenham muitas curvas, seios grandes, ancas largas, cintura definida, traseiros abundantes ou zero desses atributos, o segredo é trabalhar aquilo que as torna autoconfiantes. Bem vistas as coisas, o que faz um bom fato de banho é a pessoa que o usa.

 

Uma bomba de mulher

Chamava­‑se Micheline Bernardini, tinha 18 anos e aceitou desfilar a reduzida criação do engenheiro Louis Réard sem saber bem o que a esperava naquele 5 de julho de 1946, à beira da piscina Molitor, em Paris. A jovem dançarina não viu razão para não emprestar o corpo àquele biquíni de duas peças, mais pequeno do que o mais pequeno dos fatos de banho e até do que os biquínis usados desde os anos 1930, de cintura subida a tapar os umbigos.

O acontecimento, contra a vontade dos mais conservadores, foi um sucesso. A imprensa internacional difundiu­‑o largamente. Nos dias seguintes a ter aparecido em público com mais pernas do que roupa, Bernardini recebeu cerca de cinquenta mil cartas de admiradores rendidos à coragem com que rompeu a tradição. O biquíni só conseguiu conquistar o seu lugar nos armários a partir de meados dos anos 1950. Mas, naquele momento, veio para ficar.