Texto e fotografia António Pedro Santos
Os cigarros sucedem-se nas mãos de Joaquim e Guilherme Rodrigues. Os maços vazios acumulam-se pela oficina, numa desorganização que só os proprietários compreendem. Desde que o avô dos irmãos comprou o espaço, há mais de um século, tudo se mantém igual. As mesmas ferramentas, a tinta das paredes há quatro gerações, as teias de aranha junto às janelas. A tradição é aqui palavra de ordem. O rádio sempre ligado. Através dele quatro gerações ouviram as notícias do país e do mundo. Os presidentes eleitos, os governos derrubados, os relatos de futebol, a queda de muros e barreiras, as fronteiras abertas.
António Cardoso é um dos artesãos mais respeitados do concelho de Gondomar. É nas traseiras de casa que, ao lado da sua mulher Rosa, vai fabricando pequenas obras de arte. Tudo é feito manualmente, com recurso às técnicas que aprendeu com o pai.
Em Travassos, aldeia próxima de Póvoa de Lanhoso, a indústria de ourivesaria tem vindo a perder fulgor. Há uns anos não tinham mãos a medir, mas com o preço do ouro a subir e o volume de encomendas a baixar, o futuro tornou-se dramático para muitos. «Antigamente, havia oficinas familiares um pouco por toda a freguesia, mas agora a arte aqui acabou», diz Joaquim.
A poucos quilómetros dali, em Sobradelo da Goma, Américo Fernandes calça umas luvas escuras e vai colocando uma barra de ouro nas roldanas de uma fieira. Do outro lado puxa pelo metal até o transformar em vários metros de fio num processo repetido até à espessura pretendida. «É assim que tudo começa», conta Américo com a paixão que sempre teve pela arte. «Sempre fiz isto na vida mas quero aprender mais, melhorar em certos pormenores.»
Há mais de 230 anos que as mulheres carregadas de ouro saem à rua ostentando fortunas ao peito. Peças que vão passando de geração em geração, nas famílias minhotas, guardiãs da tradição.
António Cardoso é um dos artesãos mais respeitados do concelho de Gondomar. É nas traseiras de casa que, ao lado da sua mulher Rosa, vai fabricando pequenas obras de arte. Tudo é feito manualmente, com recurso às técnicas que aprendeu com o pai. As máquinas são as mesmas, «duram uma ou duas vidas». Há uns anos o seu trabalho saltou para as bocas do mundo quando a atriz norte-americana Sharon Stone usou publicamente um coração de Viana, em Los Angeles. Até se descobrir quem o tinha feito foi um ápice. As encomendas aumentaram, o prestígio também. «Acima de tudo, quem ganhou com isso foi a indústria da filigrana. Foi bom para todos».
Em agosto, todos os caminhos vão dar a Viana do Castelo para as festas em honra de Nossa Senhora da Agonia. A procissão ao mar e as ruas enfeitadas com os tapetes floridos são um dos pilares da romaria, mas a principal atração são os desfiles etnográfico e do traje. Há mais de 230 anos que as mulheres carregadas de ouro saem à rua ostentando fortunas ao peito. Peças que vão passando de geração em geração, nas famílias minhotas, guardiãs da tradição. Joias fabricadas por artesãos que, curvados sobre as suas bancas de madeira, rodeados de máquinas, pinças e maçaricos, transformaram delicados fios de metal em obras de arte carregadas de simbolismo.
Apesar de o setor estar em crise, mesmo que nos últimos anos a indústria filigraneira tenha visto fechar portas a centenas de oficinas e que o volume de vendas tenha sofrido uma diminuição drástica, a tradição mantém-se. Joaquim e Guilherme continuarão a fabricar peças em filigrana com a minúcia de sempre; Américo Fernandes evoluirá ainda mais na arte que o apaixonou desde criança e que executa com paciência; António Cardoso terá na parede ao seu lado a fotografia que lhe mudou a vida – Sharon Stone com um coração de Viana ao peito. Um coração fabricado por si.